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A formação do sistema produtivo de policultura associada à produção de leite

IV: IMPACTOS DAS POLÍTICAS MACROECONÔMICAS NO SISTEMA

5.2 OS SISTEMAS PRODUTIVOS DAS UNIDADES DE PRODUÇÃO FAMILIAR

5.2.2 A formação do sistema produtivo de policultura associada à produção de leite

O leite esteve presente nas propriedades agrícolas, como produto de subsistência, desde o início da colonização da região Oeste Catarinense. Campos (1987), a partir de vários relatos, assim descreveu, essas propriedades no período da colonização:

Em torno da casa era comum existirem um pequeno pomar e uma horta, bem como galinhas e outros pequenos animais. As plantações de milho destinavam-se à alimentação de suínos e do

gado. Havia, portanto, um potreiro destinado à criação. Lá estava presente uma, talvez mais vacas de leite, e, quiçá, cabeças de gado, cavalos ou cargueiros (Campos, 1987.

Grifado pelo autor).

A exclusão da suinocultura fez com que milhares de famílias fossem em busca de alternativas para a sua sobrevivência e reprodução. Essa busca de produtos comercializáveis que substituíssem o papel exercido anteriormente pela suinocultura obrigou-as a tomar diferentes tipos de iniciativas visando a constituição de novos sistemas de produção. O leite se tornou o principal produto a ocupar este espaço, constituindo-se a nova atividade representada pela sua produção em ―âncora‖ da reestruturação observada na maioria dos sistemas produtivos das unidades familiares da região a partir da década de 1980. Este processo foi assim resumido por um agricultor entrevistado:

Antes nós criávamos porco. Daí o porco não deu mais, começou a quebrar todo mundo, daí nós desistimos. Daí foi que comecemos com o leite ....

Na produção de leite o processo é muito parecido com o ocorrido na suinocultura. A maioria dos agricultores inicia esta produção utilizando os animais já existentes nas propriedades e com as técnicas de manejo que já aplicavam no sistema de produção para o auto consumo. Com o início da produção para o comércio, amplia-se o número de animais, inicia-se a melhoria genética, buscam-se novas técnicas de manejo e investe-se na melhoria das pastagens, com a incorporação de novos métodos e culturas. Também, passa a ocorrer investimento na estrutura física de ordenha e resfriamento. Este processo leva anos para se desenvolver, ocorrendo de forma diferenciada e de acordo com as combinações de fatores elencadas anteriormente.

O leite, produção de subsistência, converte-se em atividade comercial devido, principalmente, há duas condições básicas: necessidade de um produto que substitua os suínos nos sistemas produtivos da agricultura familiar e, disponibilidade de tecnologia da industrialização do leite longa vida, que possibilitou o acesso da produção regional aos grandes centros consumidores. Entre as características da produção de leite que viabilizaram esta ascensão destacam-se: alta absorção de mão-de-obra; alta capacidade de agregar valor na

propriedade; fácil descentralização de unidades industriais; grande alcance social; uso de terras não-nobres e ingresso mensal de receitas (TESTA et al, 1996; 2003; MELLO, 1998).

Quatro das seis características elencadas acima são pontos positivos na formação dos sistemas produtivos das propriedades. A absorção da mão-de-obra de forma distribuída ao longo do ano e o ingresso mensal de receitas resolvem um dos gargalos da produção familiar, com base nos sistemas de safras e de rendas anuais. A alta capacidade de agregar valor na propriedade com o uso de terras não-nobres torna esta produção altamente viável e competitiva, possibilitando o seu rápido desenvolvimento.

A forma de utilização da mão-de-obra pela atividade leiteira, sendo empregadas algumas horas de trabalho diário, principalmente nos extremos do dia - no início da manhã e no final da tarde - possibilita a ocupação das mesmas pessoas nas demais atividades da propriedade durante a jornada. Em muitos casos, a atividade leiteira é combinada com atividades não agrícolas, tornando-se fonte externa de receitas das propriedades. Outro fator importante é a ocupação do trabalho de aposentados, estudantes e mulheres, por exemplo, que em outros sistemas não teriam utilização em atividades comerciais, em sintonia com o que Jerzy Tepicht (1973) denominou de forças produtivas não transferíveis.

Observa-se que a entrada de receitas mensais nas propriedades, por meio da produção leiteira, tornou-se um alívio para a gestão financeira da maioria das famílias. Mesmo na produção de suínos não havia esta regularidade, embora, sempre fosse corrente entre os agricultores a frase ―quem tem porco, tem dinheiro”, numa referência ao fato de haver entradas distribuídas ao longo do ano. Na realidade, o leite como atividade comercial, preencheu uma lacuna na organização financeira das propriedades, pela garantia de uma receita mensal. Com a sua consolidação, a maior parcela das receitas passou a exibir entradas desta forma, distribuída ao longo do ano. Por sinal, como pode ver-se nos dados apresentados na tabela 26, 17,5% dos entrevistados no trabalho de campo desta dissertação, responderam ser essa a motivação para entrar na atividade.

Ao se utilizar de terras não-nobres para pastagens e plantio de milho para silagem, a produção de leite possibilitou a agregação de valor. Em muitos casos, esta é a produção mais adequada, devido ao tipo de solo existente nas propriedades, sendo no sistema anterior menos eficiente que no sistema atual. Esta complementaridade trazida pelo leite aos sistemas das propriedades, substituindo atividades não rentáveis ou menos rentáveis nas áreas não-nobres, sem deslocar atividades das áreas nobres, e sim, ocupando-as com pastagens temporárias na parte do ano em que não são utilizadas, agregou valor ao conjunto do sistema de produção dessas propriedades.

Assim, a produção de leite outorgou eficiência à utilização da mão-de-obra, racionalizou a utilização do solo e gerou fluxo de caixa nos sistemas de produção das propriedades, tornando-se desta forma, a produção ―âncora‖ da organização dos sistemas na maioria das propriedades familiares da região Oeste Catarinense na atualidade.

A tabela 15 apresenta a evolução da quantidade de produção de leite no Oeste Catarinense comparando-a com as demais regiões catarinenses, com a produção total do Estado e com o total produzido no país, no período de 1990 a 2007.

Ao longo destes 18 anos, a produção de leite cresceu na região Oeste Catarinense a uma taxa média anual de 9,24% a.a., enquanto no mesmo período a taxa para a produção brasileira foi de 3,33% a.a, e para as demais regiões catarinenses, de 1,79%. Isso levou a participação da produção regional de 1,90% em 1990 para 5,16% em 2007, em relação à produção nacional e de 42,25% para 72,27% em relação a produção estadual.

Tabela 15: Região Oeste: Participação na Produção Nacional e Estadual de Leite

PRODUÇÃO DE LEITE (1000 LITROS)

PARTICIPAÇÃO NA PRODUÇÃO NACIONAL Ano Brasil SC Região Oeste -SC Demais Regiões – SC SC(%) Região Oeste -SC Demais Regiões - SC 1.990 14.484.414 650.409 274.798 375.611,00 4,49 1,90 2,59 1.991 15.079.187 661.036 283.461 377.575,00 4,38 1,88 2,50 1.992 15.784.011 707.888 339.286 368.602,00 4,48 2,15 2,34 1.993 15.590.882 735.867 355.663 380.204,00 4,72 2,28 2,44 1.994 15.783.557 780.122 381.108 399.014,00 4,94 2,41 2,53 1.995 16.474.365 815.379 411.738 403.641,00 4,95 2,50 2,45 1.996 18.515.391 866.065 482.252 383.813,00 4,68 2,60 2,07 1.997 18.666.011 852.170 472.996 379.174,00 4,57 2,53 2,03 1.998 18.693.915 870.810 484.595 386.215,00 4,66 2,59 2,07 1.999 19.070.048 906.540 516.907 389.633,00 4,75 2,71 2,04 2.000 19.767.206 1.003.098 602.808 400.290,00 5,07 3,05 2,03 2.001 20.509.953 1.076.084 665.910 410.174,00 5,25 3,25 2,00 2.002 21.642.780 1.192.690 790.821 401.869,00 5,51 3,65 1,86 2.003 22.253.863 1.332.277 909.602 422.675,00 5,99 4,09 1,90 2.004 23.474.694 1.486.662 1.047.004 439.658,00 6,33 4,46 1,87 2.005 24.620.859 1.555.622 1.107.954 447.668,00 6,32 4,50 1,82 2.006 25.398.219 1.709.812 1.241.172 468.640,00 6,73 4,89 1,85 2.007 26.133.913 1.865.568 1.348.291 517.277,00 7,14 5,16 1,98

O leite corresponde a uma produção que se desenvolveu dentro do próprio sistema de produção das propriedades na região, a partir das condições do mercado que passaram a ser favoráveis à sua comercialização.

O gráfico da figura 20 mostra que no período de julho de 2007 a fevereiro de 2009, a receita da atividade esteve acima dos custos totais de produção em apenas dois meses, sendo que também em apenas 2 meses esteve a baixo dos custos variáveis. A partir de setembro de 2008 os preços se aproximaram rapidamente dos custos variáveis de produção.

CUSTOS E PREÇOS LEITE

0 0,1 0,2 0,3 0,4 0,5 0,6 0,7 0,8 0,9 jul/07 ago/07 set/ 07 out/07 nov/07 dez/07 jan/0 8 fev/08 mar/08 abr/08 mai/08 jun/0 8 jul/08 ago/08 set/ 08 out/08 nov/08 dez/08 jan/0 9 fev/09 MESES R$ CT CVT CVT-MO PREÇO

Figura 20: Preço e Custos de Produção de Leite em Reais – Julho 2007 a Março 2009 Fonte: CONSELEITE, Elaborado Pelo Autor

Para concluir, pode-se afirmar que a produção de leite, vem substituindo o papel exercido no passado pela suinocultura, na dinamização da agricultura familiar regional. Embora em outros patamares, têm apresentado semelhanças até o momento as duas primeiras fases da suinocultura descritas no capítulo 3 desse trabalho. Houve um período inicial em que o leite era apenas um produto que complementava a renda. No momento atual é o principal produto com valor comercial, sendo a característica principal com a fase 3 da suinocultura o processo de diferenciação de preço.