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A forma de trabalho, o mapa e as condições das relações.

4. A QUARTA EMERGÊNCIA: RESULTADOS

4.4. Resultados da observação participante.

4.4.2. A forma de trabalho, o mapa e as condições das relações.

No início da pesquisa de campo, em meio às conversas sobre o CEA a ser implantado, a diretora comentou sobre a ideia que tinha tido de implementar um programa de coleta seletiva de materiais recicláveis em todas as escolas do município. Disse que essa era uma função sua e que ela “tinha que fazer”. Imediatamente foi marcada uma visita para conhecermos as escolas.

Destaco esse fato por conta dele ilustrar um princípio de trabalho da diretora que fui percebendo aos poucos e que se repetiu várias vezes ao longo do tempo: um jeito assertivo e imperativo de falar e fazer as coisas, mesmo que com delicadeza. Também, de colocar suas ideias prontas, com as estratégias de implementação definidas (como aconteceu com a questão da coleta seletiva nas escolas, quando salientou que queria envolver as comunidades dos entornos e os alunos, que deveriam trazer os materiais de casa, ideia que manteve mesmo diante da hesitação de algumas diretoras de se envolverem em mais uma responsabilidade). Apesar de comumente solicitar opiniões para suas ideias, e acatá-las prontamente, a forma como seus planos eram expostos levava a um constrangimento sempre que se tinha uma sugestão diferente de percurso. Em certo momento cheguei a comentar com ela que uma qualidade sua era seu perfil empreendedor, de alguém que quando quer algo, se movimenta e

faz acontecer. A própria secretária da educação disse, em determinada ocasião, que ela não devia ser diretora, mas secretária, justamente por esse comportamento. Segundo ela, tinha sempre tido essa forma de agir, que tinha ficado mais incisiva após as suas experiências de consultoria e na iniciativa privada.

A medida que o trabalho foi se desenvolvendo, fui tomando contato com a rede de relações profissionais dela dentro da diretoria. Em geral, no começo do meu contato com esse universo, a participação de outros atores no seu campo de trabalho foi apresentada em falas que indicavam um mau relacionamento entre ela e os demais, nas quais reclamava de posturas ou conflitos que tinham ocorrido em passados mais distantes ou recentes, ou em questões ainda em andamento.

Logo após o início da pesquisa, ainda em fevereiro, a diretora comentou sobre uma carta que tinha recebido do recém empossado secretário do meio ambiente (essa secretaria tinha sido criada e iniciado suas atividades em janeiro do mesmo ano). Segundo ela, a carta, em tom grosseiro, respondia sobre a sua solicitação para que a cadeira do município no Comitê de Bacias fosse transferida para a DEA da SME (a cadeira, historicamente, tinha sido da autarquia que cuidava da questão ambiental no município, e foi transferida automaticamente para a SMA). Tal solicitação tinha sido feita diretamente para a representante da SMA no Comitê que, de acordo com diretora, a respondera de forma rude, o que teria a motivado então a enviar uma carta ao próprio secretário, deflagrando o conflito. Ao final da conversa, comentou que tinha dificuldades de se relacionar com outros setores do município com o qual tem ações em comum, se referindo à SMA e à EEA.

Outra reclamação que fez foi sobre a sua forma de contratação. Disse que o fato de ter sido contratada por sugestão da primeira-dama do município, por conta da cooperativa de catadores de materiais recicláveis, descontentava a própria secretária da educação, que segundo ela era contra sua presença na diretoria. Por várias ocasiões, comentou sobre a grosseria com que era tratada pela secretária, e que achava que isso era um indício de que não iria continuar no cargo por muito tempo.

Em uma ocasião seguinte, a diretora de EA veio comentar que tinha problemas de comunicação com a diretora da EEA, que apesar de ser uma estrutura da SME, não se remetia a ela, criando uma sensação de concorrência, sentimento que é acirrado pelo fato de serem, as duas, cargos de confiança e poderem ser demitidas a qualquer momento.

Outra figura pública que foi percebida como exercendo uma influência sobre seu trabalho foi o diretor do Departamento de Cultura da Secretaria de Educação e Cultura, que é seu primo. Foi observado, por várias vezes o diretor, que é também uma pessoa assertiva, cobrar incisivamente resultados de suas ações, que segundo ele precisavam ser mostrados. Essa demanda externa por resultados, pude perceber nas observações, se tornava uma autocobrança e gerava uma contradição com a própria percepção da diretora de que não ia ficar para sempre no cargo e de que necessitaria fazer com que as suas ações enraizassem. Neste período inicial de minha vivência, a percebia constantemente dividida entre o foco nos processos e nos resultados.

O primeiro semestre foi o período de demarcação dessa rede de relações e de percepção de como ela caminhava. Vários outros conflitos ocorreram até o meio do ano, principalmente envolvendo a diretora de EA e o secretário do meio ambiente. Além da questão da cadeira no Comitê de Bacias, narrada acima, sobre a qual a diretora “não se conformava por não ser sua”, outra pior emergiu.

Com a criação da SMA a cooperativa de catadores, por muito tempo órfã de atenção pública e desde agosto de 2010 sob responsabilidade da diretora do DEA, passou a ter parte das suas funções coordenadas por essa secretaria. Apesar desse compartilhamento de competências, na qual essa secretaria ficou com parte das funções até então desempenhadas pela diretora de EA (que ficaria com a organização da coleta seletiva nas escolas e parte da questão burocrática, agora sob coordenação da SMA), não foi quebrado o vínculo entre os catadores e a diretora, construído há muito tempo e intensificado no ano anterior. Assim, os próprios, em casos de necessidade, se remetiam a ela por uma questão de maior confiança.

Essa situação se desenvolveu até o ponto de ficar insustentável. O secretário do meio ambiente fazia solicitações à diretora do DEA sobre questões burocráticas da cooperativa com prazos reduzidos sem uma razão específica para tal, o que foi deixando-a cansada até que começou a contemplar deixar por completo suas funções lá. Ao comentar sobre isso com a secretária da educação, teria recebido o seu apoio na decisão que, ainda assim, teriam muito trabalho no DEA. O que ainda a segurava lá era o laço afetivo com os catadores. A sua saída acabou ocorrendo no meio de abril de 2011. A partir daí, ela teria ficado proibida de ir à cooperativa.

Mas a tensão com a SMA atingiu o ápice em uma ocasião pouco mais de duas semanas após a sua saída da cooperativa. Disse que tinha sido convidada pelos cooperados para ir a um evento lá sobre uma mudança de estatuto e que, logo após, teria recebido uma ligação do secretário em uma sexta-feira à noite. O secretário teria gritado com ela e a acusado de ter soltado o rumor de que a função de coleta seletiva do município seria terceirizada sob sua gestão.

Esse ocorrido gerou uma tensa reunião entre o secretário do meio ambiente, a secretária da educação e cultura e a diretora do DEA, quando essa última, em determinado momento, colocou seu cargo à disposição, o que foi negado prontamente pela secretária. Na ocasião, contou-me a diretora do DEA posteriormente, a secretária da educação teria dito ao secretário do meio ambiente que sua secretaria não era cabide de empregos e que as pessoas que trabalhavam lá o faziam por mérito e qualidade. Mesmo assim, após essa reunião a diretora de EA comentou mais uma vez que não deveria durar muito tempo em seu cargo.

Passada cerca de uma semana do fato, foi organizada uma reunião com a secretária da educação para apresentar-lhe os detalhes do projeto do FEHIDRO, que já tinha sido finalizado e seria submetido. A secretária então sugeriu que a apresentação incluísse o secretário do meio ambiente. A apresentação ocorreu, foi tranquila e o projeto foi elogiado por ambos. À noite, pela primeira vez, o secretário compareceu também no encontro do CEA, que esporadicamente recebia representantes de sua secretaria. Logo em seguida, o secretário teria entrado em contato direto com a diretora do DEA para solicitar um levantamento de questões ambientais para serem tratadas na I Conferência Municipal do Meio Ambiente que seria realizada por sua secretaria. Esse fato, e uma reunião com o secretário sobre a implantação de gestão ambiental na administração pública, fizeram a diretora do DEA comentar que estava se sentindo mais respeitada pelo secretário. Com isso o seu humor e o seu comportamento começaram a se transformar: de um negativismo e cansaço em relação ao cargo (por vezes, até de arrependimento), para uma condição de motivação, que foi ainda mais elevada diante da notícia de aprovação do projeto da diretoria de EA no FEHIDRO, com a melhor avaliação entre todos submetidos, inclusive um escrito pelos próprios gestores do comitê.

Se o início do semestre foi do estabelecimento de conflitos e tensões, o final trouxe frutos daquilo que estava sendo plantado. Além da aprovação do projeto, que transformou o semblante da diretora do DEA, a pré-Conferência Municipal do Meio Ambiente foi um sucesso, tanto do ponto de vista de processo, pois o coletivo a organizara, quanto de

resultados, que foram apresentados em uma esvaziada Conferência Municipal do Meio Ambiente. Assim, sem querer o CEA tornou-se o foco das atenções e impressionou pela seriedade na condução do procedimento de levantamento das questões realizado na pré- Conferência. Segundo diretora do DEA, ao final da Conferência a secretária da educação, pela primeira vez desde o início de suas atividades na diretoria de EA (quase um ano), fez um elogio público sobre seu trabalho. Para a diretora, foi como se ela estivesse sido finalmente empossada. Para elevar ainda mais o seu astral, logo após o evento teria recebido um telefonema da diretora da Escola de EA do município se desculpando por seu comportamento centralizador e se colocando para um diálogo e construções conjuntas.

Assim, o primeiro semestre de 2011 terminou com uma sensação de conquista e leveza, condição que, todavia, não demorou muito para se inverter. Logo na nossa primeira reunião após as férias de julho, a diretora do DEA veio comentar que tinha se “metido em uma saia justa”. Que a secretária da educação teria se aproximado dela e a convidado para se filiar ao seu partido, e que ela, sentindo-se constrangida e diante de sua situação (cargo de confiança) aceitou. O que ela não esperava, entretanto, era que na semana seguinte a primeira-dama fizesse a mesma coisa, ou seja, a convidasse para se filiar ao seu partido (que é diferente do da secretária da educação). Mais do que isso, a convidou para sair vereadora pelo seu partido. Com a mesma lógica em mente (a da empregabilidade e diante do fato do Prefeito ser o seu “patrão”), aceitou o convite. Posteriormente, foi esclarecer as coisas com a sua secretária, que concordou com a sua atitude.

Após esse fato, comentou que tinha começado a sentir um pouco de hostilidade por parte da secretária. Para a diretora, entretanto, a filiação ao partido do prefeito trazia uma sensação de mais segurança e longevidade no cargo. Interessante que após essas ocorrências ela passou a dar prioridade àqueles projetos que eram solicitações diretas do prefeito.

As ações iniciais do semestre ficaram por conta da continuação do coletivo, que agora se empenharia na construção do jogo “Percurso das Águas”. Essas atividades duraram cerca de dois meses e levaram ao que foi considerado posteriormente como o ponto alto das suas ações: no início do levantamento dos pontos de relevância ambiental e hídrica do município, educadores e educadoras ressaltaram o seu desconhecimento acerca dos aspectos ambientais locais, e sugeriram visitas em loco, que ocorreram em dois domingos sucessivos. Foram visitados os percursos dos quatro cursos de água que cortam a cidade, suas nascentes e pontos

de destaque, em geral porque estavam bem preservados ou muito degradados. A atividade foi surpreendente no impacto que trouxe para eles e animou o restante da construção do jogo. No final de setembro, quando a elaboração dos pontos já tinha sido realizada bem como as questões para cada um deles elaboradas, o coletivo entrou em um processo de pausa não avisada. O que ocorreu é que o projeto natal ecológico estaria em fase de organização e isso estava tomando todo o tempo da diretora do DEA. Como ela tinha a função de “convocar” os participantes para as reuniões (esse era o verbo que ela utilizava nas mensagens por e-mail), os encontros pararam, sem qualquer tipo de justificativa, e só foram retomados na última semana de novembro, por uma forte insistência minha, como uma forma de respeito ao grupo. Na sua mensagem de convocação dessa reunião, comunicou que seria a última do ano. Não foi, durante o encontro, no qual foi feita uma avaliação da atuação do Coletivo ao longo do ano, o grupo definiu por mais duas reuniões de planejamento para 2012. Definiu também, com o acordo da diretora, que deveria funcionar de forma mais próxima em relação à SMA e mais autônoma em relação ao DEA sem, no entanto, prescindir dele.

Finalmente, na última reunião do ano, quando o grupo já tinha definido o retorno de suas atividades para fevereiro de 2012, apesar da combinação da autonomia, a diretora do DEA, que chegara atrasada e após essa deliberação, disse que o grupo “precisava” fazer um ato em uma lagoa local (um dos pontos visitados, que tem três nascentes em área degradada) envolvendo a comunidade local e que isso precisava ser logo, em janeiro de 2012. Em seguida, expôs a forma que esse ato deveria ter, que ela ia providenciar camisetas para os participantes etc. Os demais participantes da reunião, apesar do combinado, permaneceram em silêncio.