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Os três níveis de ação do diálogo: o grupo como unidade.

2. A SEGUNDA EMERGÊNCIA: O DIÁLOGO

2.2. A teoria do diálogo

2.2.4. O espaço de diálogo.

2.2.4.1. Os três níveis de ação do diálogo: o grupo como unidade.

A abordagem da dimensão de grupo na teoria de Isaacs (1999a) (ver a parte 1 da figura 1) se dá a partir daquilo que o autor chama de “arquitetura invisível” da conversa. Essa noção

decorre diretamente da ideia de campos de Lewin, citada acima, de que as associações entre pessoas formam campos compartilhados com estruturas ou “arquiteturas” diversas (coerentes ou incoerentes, estáveis ou instáveis etc.), que influenciam as capacidades de compreensão e ação coletivas (ISAACS, 1993). Isaacs (1999a) faz uma analogia entre a arquitetura invisível dos campos sociais com o arranjo de um espaço físico qualquer: da mesma forma que um ambiente sagrado, por exemplo, produz uma série de sensações devido a sua arquitetura, ao arranjo físico e estético de suas peças, aos símbolos presentes etc., uma conversa também possui uma arquitetura, formada pela energia e memória das pessoas em interação. Reconhecer essa arquitetura permite que se influenciem os rumos de uma conversa, no sentido de se estimular os aspectos ausentes, fomentar os presentes e promover a evolução das condições nas quais ela se dá.

O autor então se apóia em trabalhos de Scharmer (2001), que coloca que a evolução de um grupo rumo ao desenvolvimento do diálogo genuíno passa por quatro campos diferentes, nos quais as pessoas envolvidas se relacionam em níveis diferentes da “complexidade conversacional” (SCHARMER, 2001, p. 146, tradução nossa). Os quatro campos estão dispostos no item 1 da figura 1 e sua dinâmica demonstrada na figura 2.

Um aspecto a ser ressaltado inicialmente é a diferenciação que Isaacs (1999a) faz entre campo e container. O campo é o campo social descrito acima por Lewin, ou seja, o conjunto de forças invisíveis atuante em um determinado contexto. O container, por sua vez, é uma metáfora que o autor criou a partir de uma experiência que teve em uma metalúrgica, em que havia contêineres de metal fundido (ISAACS, s.d.). O container social é a dimensão visível e expressa do grupo, o fenótipo de Lewin. Como se vê no esquema da figura 1, nem sempre as características expressas do grupo, o seu container, refletem seu campo social, o que está implícito e vice-versa.

O primeiro campo, quando ocorre a formação do grupo, é caracterizado pela predominância do comportamento cortês dos participantes. Há, portanto, um investimento inconsciente no grupo (primazia da totalidade), quando as pessoas estão desempenhando suas habilidades sociais no sentido de se evitar um confronto. É um momento não reflexivo porque, segundo o autor, os participantes da conversa estão representando os papéis esperados para momentos do tipo, acessando seus repertórios conhecidos e mapeando a situação existente.

Apesar do container aparentemente tranquilo, esse é um campo instável, pois se mantém graças ao não aprofundamento de ideias e a não externalização de conflitos. É um espaço de civilidade, mas de uma civilidade que oprime o indivíduo em nome do grupo. Essa condição se mantém até que alguém no grupo traz algum incômodo que quebra esse estado e gera a percepção de que o diálogo não pode ser imposto por uma vontade ou um decreto. É dessa crise que nasce a oportunidade para que se promova o avanço para o segundo campo.

Figura 1: As três Dimensões da Interação Humana.

Fonte: Mapa mental construído pelo autor deste trabalho a partir de Isaacs (1999a).

O segundo campo emerge quando os participantes começam a dizer realmente o que pensam e os conflitos, pessoais e sociais, surgem. Inicia-se aqui o que Scharmer (2001) chama de primazia das partes. O container “esquenta” e a instabilidade do campo, escondida na fase anterior, emerge. Em muitos casos, a conversa não avança além desse nível. Participantes se remetem a lembranças de situações parecidas no passado e se desestimulam a continuar. Em outros, a única opção possível é retornar à cortesia superficial instável do campo anterior. Entretanto, o conflito é uma condição importante para o grupo, pois se ele não aparecer jamais as questões mais profundas poderão ser trabalhados. Nesse ponto, não há ainda uma

investigação sobre o que está em andamento e os participantes, em geral, desempenham atitudes defensivas.

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Figura 2: Campos de conversa

Fonte: Figura adaptada de Scharmer (2001, p. 147, tradução nossa).

Esse estado pode avançar, no entanto, se a atmosfera criada demonstrar que os participantes podem afrouxar o apego a suas certezas e olhá-las, assim como a dos outros, com um objetivo de investigação. Essa é a suspensão de Bohm (2005). Se isso ocorrer, a tensão presente no container diminuirá, assim como as velocidades e ansiedades. No terceiro campo, portanto, não há a necessidade de concordância ou resposta e os participantes começam a perceber que as posições individuais são calcadas em uma história que as justificam e legitimam. É aqui que os participantes começam a explorar e refletir sobre suas assunções e perceber o quão pouco entendimento há sobre elas. Também, ao desenvolverem uma melhor compreensão acerca das raízes de seus próprios pensamentos, se tornam mais aptos a reconhecer que seus

Atos de conversa auto-reflexivos Self-reflective Speech Acts

Atos de conversa não auto- reflexivos

Non-Self-reflective Speech Acts Primazia

do todo I - Fala legal das partes Primazia

- Primazia da educação - Linguagem reprodutora de regras: re-encenação de antigos jogos;

- Não dizer o que você pensa. II - Fala áspera - Primazia do conflito e do choque - Linguagem reveladora de regras; - Intervenção tipo: diga o que você pensa III -Diálogo reflexivo - Primazia do levantamento de modelos mentais e assunções;

- Linguagem de reflexão sobre as regras;

- Intervenção tipo: faça o que diz e diga o que pensa IV - Diálogo Gerador

Auto-presenciamento e busca pelas fontes da realidade emergente; - Linguagem de geração de regras;

- Intervenção: veja o que você faz, faça o que você diz e diga o que você pensa.

pontos de vista são limitados e, mais ainda, que podem ser mudados, sem que isso signifique uma espécie de suicídio da identidade. A primazia ainda é das partes mas, aqui, o processo passa a permitir e incentivar melhor reflexão.

O quarto campo é o mais raro de todos e é caracterizado pela acomodação de vários pontos de vista diferentes sem a necessidade de que eles mudem. Aqui haverá, segundo Scharmer (2001), uma melhor coesão entre as pessoas do grupo, um compartilhamento tácito de forma que “uma pessoa pensará em algo e a outra dirá” (ISAACS, p. 280, tradução nossa). Os participantes sentem-se livres para valorizar seus pensamentos e não escondê-los, por medo de julgamentos. Começam as construções coletivas e novos significados começam a surgir, inesperadamente. A primazia retorna ao grupo, no entanto em um contexto bem diferente daquele do campo 1. Para Isaacs (1999a), é neste momento que se alcançou o diálogo gerador. Essa é a contribuição de Scharmer (2001) que Isaacs (1999a) traz à teoria do diálogo, que colabora com a visão do processo relativa especificamente à dimensão do grupo como um todo. Abaixo as outras duas dimensões, interpessoal e individual serão abordadas.