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2.1 CARACTERIZAÇÃO DA PAISAGEM

2.1.3 A Geografia e o conceito de paisagem cultural

O termo cultura foi difundido a partir do livro Antropogeografia, publicado em 1882 por Friedrich Ratzel, que abordava os fundamentos culturais a partir de uma análise etnográfica e política e que insere o conceito de paisagem (Landschaft) ao descrever a superfície terrestre (CLAVAL, 1999).

A princípio, a cultura era vista segundo o senso comum, dotada de poder explicativo, mas com o passar do tempo a cultura passou a ser vista como um reflexo, uma mediação e uma condição social, onde passaram a ser consideradas as dimensões material e não material da cultura, o presente e o passado, objetos e ações em escalas variadas, o espontâneo e o planejado. O que os une em torno da geografia cultural é o fato desses aspectos serem vistos em termos de significados e como parte integrada da espacialidade humana (CORREIA; ROSENDAHL, 2003).

Os estudos voltados à definição de patrimônio segundo a UNESCO contribuíram para o uso do termo paisagem cultural. A UNESCO adotou, inicialmente, uma lógica dicotômica para definir o patrimônio, subdividindo-o em patrimônio cultural e patrimônio natural. De certa forma, pode-se afirmar que tudo o que é cultural tem como fonte de inspiração ou como matéria prima, o mundo natural e, reciprocamente, tudo o que é natural só tem sentido graças à capacidade que tem o homem de conferir-lhe significados que são sempre uma acepção cultural (DELPHIM; TELLES, 2008).

Segundo a UNESCO (1972), o patrimônio cultural é composto pelos monumentos, conjuntos e locais de interesse; o patrimônio natural é composto pelos monumentos naturais, as formações geológicas e fisiográficas e os locais de interesse naturais ou zonas naturais; o patrimônio misto cultural e natural é composto por bens que respondem a uma parte ou à totalidade das definições de patrimônio cultural e natural.

Em 1992, a UNESCO criou a categoria denominada paisagem cultural, sendo as obras resultantes da combinação da ação do homem e da natureza, as quais demonstram a evolução da sociedade humana ao longo do tempo (FOWLER, 2003). Segundo as Categorias e Critérios de seleção para inscrição de bens na lista do patrimônio mundial da UNESCO, as paisagens culturais são bens culturais e representam as obras conjugadas do homem e da natureza. Ilustram a evolução da sociedade e dos estabelecimentos humanos ao longo dos tempos, sob a influência dos condicionamentos materiais e/ou das vantagens oferecidas pelo seu ambiente natural e das sucessivas forças sociais, econômicas e culturais, internas e externas.

As discussões sobre paisagem cultural pela UNESCO, como associação entre os aspectos culturais e naturais iniciaram na década de 1980, no Comitê do Patrimônio Mundial. Em 1992, os especialistas, reunidos na França, a convite do ICOMOS (Conselho Internacional de Monumentos e Sítios) e do Comitê do Patrimônio Mundial da UNESCO, discutiram a valorização das relações entre o homem e o meio ambiente, entre o natural e o cultural. A partir de então foi incluída na lista de patrimônio da humanidade a categoria paisagem cultural (RIBEIRO, 2007).

Segundo a Carta de Bagé, redigida no seminário: Semana do Patrimônio – Cultura e Memória na fronteira, paisagem cultural é:

O meio natural ao qual o ser humano imprimiu as marcas de suas ações e formas de expressão, resultando em uma soma de todos os testemunhos resultantes da interação do homem com a natureza e, reciprocamente, da natureza com homem, passíveis de leituras espaciais e temporais. (BAGÉ, 2007, p. 2).

As inter-relações entre os atributos físicos e humanos ao longo do tempo resultaram na incorporação das ideias humanas no ambiente, com uma individualização das paisagens culturais face às paisagens naturais, por meio de uma integração mútua, resultando em novas paisagens extremamente dinâmicas, as quais encontram-se em constante processo de construção e reconstrução.

Os espaços humanizados superpõem múltiplas lógicas que são em parte funcionais e em parte simbólicas. A cultura modela-os através das tecnologias empregadas para explorar as terras ou construir os equipamentos e as habitações, moldando-os através das preferências e dos valores que dão às sociedades suas capacidades de estruturarem espaços mais ou menos extensos, ajudando a concebê-los através das representações que dão um sentido ao grupo, ao meio em que vive e ao destino de cada um (CLAVAL, 1999).

Os bens culturais que compõem a paisagem apresentam elementos constitutivos, cuja valorização pela sociedade local contribui para a preservação da paisagem. Os valores atribuídos aos elementos da paisagem podem facilitar ou dificultar o processo de transformação dela ao longo do tempo. Para muitos autores, a paisagem cultural é resultante da ação do homem, o qual modela a paisagem natural ao longo do tempo, tornando-a um conjunto de formas físicas e culturais associadas a uma determinada área.

Assim, a paisagem cultural é formada a partir dos materiais que compõem a paisagem natural, sendo a cultura a força modeladora da paisagem. A mudança cultural ao longo do tempo transforma a paisagem, com a inserção de uma nova cultura, a paisagem passa por um rejuvenescimento ou por uma sobreposição da nova paisagem com relação à

antiga. A construção da paisagem de forma harmoniosa é resultante da ação humana de forma adequada (SAUER, 1925).

Considerando as paisagens naturais como aquelas áreas que não tiveram atividades humanas sobre elas e as paisagens culturais como resultantes das ações humanas modificando a paisagem natural, Correia e Rosndahl (2003) afirmam que Sauer (1924) definiu paisagem geográfica como o resultado da ação da cultura ao longo do tempo sobre a paisagem natural; assim, a cultura é o agente, a área natural é o meio e a paisagem cultural é o resultado.

Segundo Ribeiro (2007), as paisagens culturais caracterizam-se do ponto de vista geográfico, topográfico e funcional, representadas pelas montanhas, áreas urbanas e paisagens agrícolas, sendo estas ligadas à cultura da população local.

Considerando a dimensão geográfica, o homem foi recolocado no centro das preocupações dos geógrafos culturais, como produtor e produto de seu próprio mundo. Da mesma forma, foram resgatados da Geografia do século XIX elementos que possibilitaram estabelecer a ligação entre a abordagem cultural clássica da geografia e as atuais perspectivas de análise da cultura (ZANATTA, 2007, p. 7).

A geografia cultural se interessa pelas obras humanas que se inscrevem na superfície terrestre e imprimem uma expressão característica, registram o uso humano da superfície, deixando marcas visíveis, extensivas e expressivas. A área cultural constitui assim um conjunto de formas interdependentes e se diferencia funcionalmente de outras áreas (SAUER, 2003).

A Geografia Cultural Tradicional teve como precursores os geógrafos alemães Otto Schuter e Passarge que analisaram as transformações da paisagem oriundas da ação do homem, introduzindo na geografia o conceito de paisagem cultural, que se refere às paisagens transformadas pela ação humana, em oposição ao conceito de paisagem natural. Seus estudos se detiveram apenas aos aspectos morfológicos da paisagem. (VASCONCELOS, 2011/2012, p. 54).

Diante do exposto, pode-se afirmar que a geografia cultural utiliza-se da compreensão da paisagem com relação aos seus aspectos físicos e antrópicos, considerando o tempo e a intensidade das ações humanas, que por sua vez encontram-se diretamente relacionadas às questões econômicas e sociais.

Para compreender a geografia cultural, faz-se necessário mapear a distribuição das características físicas e culturais, interagindo-as para descrever a realidade local de forma sistêmica, resultando em um entendimento da diferenciação da terra. Desta forma, pode-se compará-las a outras áreas e verificar a existência de áreas homogêneas ou heterogêneas.

Um exemplo marcante da interação das características físicas e culturais é a atuação do homem na zona rural. As terras cultivadas que aparecem tão marcantemente em muitas paisagens testemunham não são apenas uma mudança radical na cobertura vegetal, mas também a presença de elementos artificiais como pomares, jardins, campos arados, muros e cercas, caminhos e estradas, celeiros, estábulos, habitações e núcleos de povoamentos, todos em disposição regular. Em qualquer paisagem cultural, a disposição, o estilo e os materiais tendem a refletir a presença de um modo de vida distinto, interagindo com um determinado quadro natural (WAGNER; MIKESELL, 2003).

A disposição dos elementos constituintes da paisagem sobre a superfície terrestre e os diferentes usos e ocupações da terra, considerando desde uma área com vegetação densa e preservada até uma grande cidade, encontram-se inseridas e atreladas a uma cultura correspondente, apresentando uma relação direta entre as áreas culturais e as unidades espaciais, entre uma determinada cultura e a sua paisagem, portanto a ação antrópica na paisagem implica em uma cultura.

A definição de paisagem cultural baseia-se num constante processo interativo de interdependência entre os aspectos culturais e naturais, cujo ser humano é atuante e modelador ao longo do tempo, deixando suas marcas. Tais marcas representam as características da época em que as paisagens estão sendo construídas, mas não apresentam um padrão, pois são resultantes de diversificadas manifestações culturais aplicadas a cada fração de espaço e tempo.