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A gestão curricular e a diferenciação pedagógica

2. E NQUADRAMENTO ACADÉMICO E PROFISSIONAL

2.2. D IMENSÃO PROFISSIONAL

2.2.4. A gestão curricular e a diferenciação pedagógica

Num passado não muito longínquo, vivia-se numa filosofia curricular que acreditava que o currículo devia ser aplicado da mesma forma em todas as instituições escolares, independentemente dos alunos que as frequentassem e dos professores que lá lecionassem, deixando de parte as características de cada um deles. Este currículo uniforme, que não respeita a individualidade, tem vindo a sofrer algumas alterações no sistema educativo português, graças, em parte, ao questionamento de práticas e resultados proporcionado pela emergência do paradigma reflexivo e investigativo e pelo cada vez maior cariz partilhado e colaborativo atribuído à ação docente. Neste sentido, importa abordar as questões curriculares, numa perspetiva de reflexão e promoção da diversidade “cada vez mais comum no interior das salas de aula, considerando-a não como um obstáculo mas como uma fonte enriquecedora do processo educativo” (Barata, Ferreira & Morgado, 2011, p. 34).

A escola deixou de ser entendida como um espaço de instrução e os alunos assumiram um papel fundamental nesta alteração de filosofia, uma vez que

“tanto possuem um potencial cognitivo que não poderá ser ignorado como são portadores de saberes que condicionam o tipo de relacionamento que estabelecem com as informações e os desafios pessoais e sociais com os quais são confrontados” (Cosme & Trindade, 2012, p.64). Assim, para que as aprendizagens dos alunos sejam relevantes, é importante que o professor tenha consciência que os alunos aprendem, formam opiniões e conhecem a

realidade à medida que constroem significados sobre o mundo que os rodeia, de acordo com as fontes de informação que têm junto de si e às quais acedem, que não se resumem, evidentemente, àquilo que ouvem na escola, através dos professores.

Ainda, a atual abordagem curricular e pedagógica nas escolas, que se assumem como espaços de socialização cultural, deve partir de uma abordagem de inspiração construtivista, que entende os alunos como construtores do seu próprio conhecimento, uma vez que estes possuem interesses, motivações, saberes e necessidades singulares, a partir dos quais podem promover a aprendizagem. Contudo, estes interesses são, claramente, insuficientes para o desenvolvimento de aprendizagens produtivas, devendo o professor servir-se deles para abordar outras questões e abrir outros diálogos, procurando alargar a área de interesses dos seus alunos, permitindo, assim, que os mesmos estabeleçam relações entre os saberes que já possuem e os novos valores que estão a ser abordados. Para além disso, considera-se, a par de Ariana Cosme e Rui Trindade, que a diferenciação pedagógica não se pode basear apenas nas características culturais e cognitivas dos alunos, mas deve integrar-se num projeto mais complexo que deverá também enaltecer “os objetos do saber e as suas particularidades” (2012, p.75), o que significa que os professores devem ser os promotores de competências que considerem necessárias e pertinentes para uma formação integral dos seus alunos. Para tal, o currículo não pode ser “objeto de uma leitura estandardizada” (Cosme &

Trindade, 2012, p.65), porque se assim for não se tem em consideração a individualidade, ensinando-se tudo a todos de igual forma como se fossem um só.

Torna-se, assim, clara

a necessidade dos professores se afirmarem como gestores curriculares para que, por sua vez, os alunos se pudessem afirmar, também, como construtores de saberes no quadro de um processo de socialização cultural cujos propósitos e compromissos ideológicos, políticos e culturais não se podem ignorar (Cosme &

Trindade, 2012, p.73).

De facto, atualmente, à luz das novas conceções educacionais, ensinar deixou de ser apenas um processo de transmissão de conhecimentos para dar

lugar a um processo complexo denominado de ensino aprendizagem, onde se procura fazer aprender «alguma coisa» (o currículo) a alguém (o aluno) através de uma estratégia (Roldão, 2008). Deste modo, o professor deve conceber, planificar, avaliar e refletir, tendo em consideração as “duas dimensões a que a sua ação se dirige – o conhecimento/ conteúdo curricular e o aprendente” (Roldão, 2009, p. 56).

Mas afinal, o que se entende por currículo? Para que serve? E a quem serve? Será que na sua definição está já subjacente a adequação de que se fala?

Segundo Zabalza, currículo “é todo aquele tipo de disposições e processos que cada sociedade põe em marcha para tornar efectivo, através da escola, o direito das crianças e dos jovens a receber educação e a facilitar o seu desenvolvimento pessoal e social” (2002, p.3), sendo, por esse motivo, um projeto implementado no seio de um sistema organizado e não um mero plano de propósitos. Neste sentido, Roldão acrescenta que o currículo deve ser o

“conjunto de aprendizagens consideradas necessárias num dado contexto e tempo e à organização e sequência adoptadas para o concretizar ou desenvolver” (2003, p.34). Por sua vez, Pacheco (2001) afirma que podemos ter duas visões de currículo, uma delas que o entende como um conjunto de experiências educativas vivenciadas por um grupo de alunos inseridos num determinado contexto escolar e a outra que o pensa como um propósito flexível e em permanente (re)construção, de acordo com o contexto onde é aplicado, com o ator que o aplica e com o público a que se destina. Desta forma, o currículo tem de ter uma intenção e uma estrutura coesa, coerente e organizada, que o professor deve sempre procurar gerir e interpretar criticamente, o que é reiterado pelo Decreto-Lei nº139/2012, ao afirmar que importa “valorizar tanto a autonomia pedagógica e organizativa das escolas como o profissionalismo e a liberdade dos professores na implementação de metodologias baseadas nas suas experiências, práticas individuais e colaborativas” (DL nº 139/2012, preâmbulo, p. 3476).

Acredita-se, portanto, que o professor, tendo em conta as necessidades do contexto, deve ser um mediador das exigências do currículo, refletindo um equilíbrio entre os interesses do aluno e aquilo que ele considera essencial, e não um mero executor do mesmo. Só com a reconstrução e adaptação do currículo nacional se consegue promover um conjunto de aprendizagens

significativas e, consequentemente, alcançar o sucesso escolar de cada um dos alunos.

Desenvolver um trabalho inclusivo, que respeite as características individuais de cada aluno e que não promova a desigualdade, também subentende a diferenciação curricular, trabalho minucioso e exigente, mas que promove a qualidade do ensino para todos. Numa escola diversificada, deve transmitir-se o legado cultural da sociedade, para que cada aluno se reconheça nas aprendizagens realizadas, não podendo o currículo ser “uma lista fechada de objectivos e conteúdos, mas deve contemplar-se como um contexto de referências que inspire as diversas acções educativas que o professor deve empreender” (Essomba, 2006, p.57), contribuindo para o saudável convívio entre diferentes culturas e etnias e para o respeito de singularidades cognitivas. Neste sentido, o currículo que subentende a diversidade deve integrar a aquisição de conhecimentos no que diz respeito a diferentes culturas e etnias, bem como promover a programação de aprendizagens que promovam valores, atitudes e comportamentos positivos perante a diferença, seja ela de que natureza for (Barbosa, 1996).

Contudo, assistimos, muitas vezes, à demissão dos professores do papel de gestores do currículo, limitando-se a reproduzir a proposta curricular a nível nacional, que consideram ser, a par dos outros instrumentos de gestão curricular, documentos formais e burocráticos necessários ao funcionamento das escolas.

Infelizmente, as políticas educativas e curriculares não têm, ainda, o impacto desejado, sendo muitas vezes o currículo encarado como uma prescrição ou uma receita que se deve seguir à risca, ao invés de haver

uma efectiva recontextualização do currículo, de forma a atender aos contextos e especificidades de cada escola e de cada turma, conduzindo assim à implementação de uma escola inclusiva, atenta à diferença e “respeitadora” das desigualdades dos alunos (Barata, Ferreira & Morgado, 2011, p.46).

A Prática Educativa Supervisionada constituiu, sem dúvida, um domínio promotor de múltiplas reflexões, suportadas pela experimentação e pela investigação, que tinham em vista esta real adaptação do currículo. Procurou-se entender corretamente o que é o currículo para apostar na sua

flexibilização, evidenciando a autonomia e responsabilidade que a profissão docente acarreta. Apesar da complexidade desta tarefa, foi sempre visível a preocupação em perspetivar numa matriz unificadora as diferenças existentes em cada contexto, em cada turma, em cada aluno.