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A Gestão da Qualidade na Administração Pública Portuguesa

CAPÍTULO 2 - A Gestão da Qualidade na Administração Pública

2.4. A Gestão da Qualidade na Administração Pública Portuguesa

Como referido anteriormente, a adoção da gestão da qualidade na Administração Pública

Portuguesa foi acompanhada de um quadro legal desenvolvido no âmbito da sua

reforma, levada a efeito com o intuito de apostar na modernização administrativa e na

melhoria da qualidade dos serviços prestados. Com a publicação do Decreto-Lei nº.

165/1983, de 27 de Abril, que estabelece a criação do Sistema Nacional de Gestão da

Qualidade é formalizada pela primeira vez a abordagem à qualidade no nosso país ao

referir que “os objetivos económicos e sociais da política dos Estados tendem hoje, e

cada vez mais, a integrar a garantia e o desenvolvimento da qualidade de produtos e

serviços, como fator essencial do aumento da produtividadeK”.

Desde então a qualidade passa a estar na base de um conjunto de iniciativas que os

sucessivos Governos levam a efeito, sendo que este processo evolutivo se caracterizou

pela publicação de diversos diplomas legais que acabariam por sustentar a sua adoção

nos serviços públicos. De realçar a criação do Secretariado para a Modernização

Administrativa em 1986, que se traduziu num importante passo para este desiderato. O

Secretariado teve por objetivo a criação de uma Administração Pública centrada no

cidadão e menos burocrática, pelo que a sua grande aposta se viu refletida aquando da

publicação, em 1999, de duas leis de grande alcance no âmbito da política nacional da

qualidade: o Decreto-Lei nº. 135/1999 que estabelece medidas de modernização do

setor, e o Decreto-Lei nº. 166-A/1999 que implementa o Sistema de Qualidade em

Serviços Públicos. Com estes dois diplomas, o Secretariado para a Modernização

Administrativa vem assim introduzir o modelo de excelência da European Foundation for

Quality Management

9

(EFQM), como padrão de qualidade, e instituir a necessidade dos

serviços e organismos da Administração Pública elaborarem Cartas da Qualidade.

Apesar de criado o Instituto Português da Qualidade (IPQ) desde 12 de Julho de 1986,

pelo Decreto-Lei nº. 183, cujas competências se relacionavam com processos de

normalização, certificação e metrologia, somente em 1993 com a publicação do

Decreto-Lei nº. 243, de 02 de Julho, e a aprovação dos seus estatutos, se viria a sentir uma

efetiva generalização da abordagem à gestão da qualidade nos serviços e organismos da

Administração Pública. Nesta fase o setor público adota-a como modelo alternativo na

sua reforma, sendo que tal impulso se deve a fortes pressões criadas por parte dos

cidadãos e agentes económicos, no sentido de que o mesmo melhorasse a qualidade

dos seus serviços (Silvestre, 2010). Dando-se início a esta abordagem, tornou-se

possível a definição de padrões para a prestação do serviço, a avaliação do seu

desempenho com a recolha da perceção dos cidadãos, bem como o seu envolvimento na

definição dos serviços a prestar (Ancari e Capalco, 2001).

Para Rocha (2005), os modelos ou ferramentas de gestão da qualidade que

fundamentalmente suportaram, e continuam a suportar, a adoção de uma abordagem da

qualidade na Administração Pública Portuguesa são três: as Cartas da Qualidade, os

modelos de excelência, e a ISO 9001 geralmente associada ao processo de certificação

por terceiros.

As Cartas da Qualidade atribuem um novo estatuto de “cliente” aos cidadãos,

assumindo-se como um compromisso da Administração Pública perante os mesmos (Sá e Sintra,

2008). Com as cartas da Qualidade dá-se início a um processo de transformação da

cultura organizacional da Administração Pública Portuguesa, sendo que o Secretariado

para a Modernização Administrativa a fez acompanhar de múltiplas iniciativas

pedagógicas, nomeadamente com a publicação de documentos que acabariam por

suportar a elaboração dessas Cartas - Administração Pública e Qualidade, Gestão da

Qualidade: Conceitos e Sistema de Gestão e, Instrumentos, Listas de Verificação da não

Qualidade. Alguns dos pontos que integram estas Cartas são: a política da qualidade dos

serviços, o organograma, informação de âmbito geral (horários de atendimento,

9

contactos, serviços prestados, T), de que forma é efetuada a avaliação da qualidade dos

serviços, bem como o tratamento das reclamações (Rocha, 2005).

Os modelos de excelência, por sua vez, utilizam critérios que servem de suporte a um

processo de autoavaliação da própria organização, que visa alavancar a sua melhoria

organizacional. De entre os vários modelos destaca-se o Prémio ou Modelo Europeu da

Qualidade da responsabilidade da EFQM, na medida em que foi essencialmente a partir

deste que se desenvolveu a Common Assessment Framework

10

(CAF), uma estrutura de

autoavaliação vocacionada para a Administração Pública (Rocha, 2005). Com a criação

da EFQM em 1980, fundação que integra catorze grandes organizações Europeias,

conclui-se em 1991 a elaboração do Modelo Europeu da Qualidade que se baseia em

nove critérios, priorizando a orientação para os resultados, o enfoque no cidadão, as

questões da liderança com uma gestão por processos e baseada em factos, o

envolvimento e formação dos colaboradores, a mais-valia das parcerias, bem como a

consciencialização para a responsabilidade pública (Silvestre, 2010). A CAF resulta de

um trabalho conjunto levado a efeito pelos Diretores-gerais das Administrações Públicas

da União Europeia, sendo que na conferência de Lisboa realizada em 2000, foi subscrito

o compromisso da sua divulgação e promoção pelas Administrações Públicas dos

diversos Estados-Membros. Segundo o documento que suporta a sua implementação na

Administração Pública Portuguesa os objetivos principais são:

“1. Introduzir na Administração Pública os princípios da Gestão da Qualidade Total e

orientá-la progressivamente, através da utilização e compreensão da autoavaliação, da

atual sequência de atividades «Planear-Executar» para um ciclo completo e desenvolvido

«PDCA» – Planear (fase de projeto); Executar (fase da execução); Rever (fase da

avaliação) e Ajustar (fase da ação, adaptação e correção);

2. Facilitar a autoavaliação das organizações públicas com o objetivo de obter um

diagnóstico e um plano de ações de melhoria;

3. Servir de ponte entre os vários modelos utilizados na gestão da qualidade;

4. Facilitar o «benchlearning

11

» entre organizações do setor público”.

Tal como o Prémio ou Modelo Europeu da Qualidade, também a CAF se baseia em nove

critérios que se subdividem em subcritérios, cinco dos quais focalizados para os meios e

quatro para os resultados. Os critérios de meios visam, essencialmente, analisar de que

forma a organização desenvolve o seu trabalho com os meios de que dispõe, enquanto

os critérios de resultados têm por fim averiguar quais os resultados que a mesma alcança

ou procura alcançar com os respetivos meios.

10

Estrutura Comum de Avaliação.

11

No que se refere à ISO 9001, e porque este estudo se centra na sua adoção pelos

municípios Portugueses, a mesma será abordada com maior detalhe no capítulo

seguinte, no entanto é de referir que de entre a diversidade de ferramentas de gestão

usadas no setor privado que tendencialmente têm sido adotadas pela Administração

Pública, como são exemplo o Balanced Scorecard

12

ou a metodologia Kaisen Lean

13

, a

norma de gestão da qualidade ISO 9001 tem tido um papel preponderante na indução da

melhoria na gestão pública.

Apesar da primeira abordagem ao conceito de qualidade na Administração Pública ter

tido início na década de oitenta do século passado, somente nos anos noventa há

conhecimento de que teria sido introduzido na Administração Local, e em particular nos

municípios, sendo percetível apenas no final desta década a adoção de alguns dos

princípios da GQT (Rocha, 2005).

Segundo Applevy e Clark (1997, apud Rocha, 2005: 119, 120), a adoção destes modelos

na Administração Local carece de alguma prudência dado os “contornos especiais” que

caracterizam o “sistema político-administrativo local”. Estes autores salientam o facto da

qualidade não se constituir apenas um “problema de gestão” mas também um “problema

político”, pois estando os gestores locais sujeitos a escrutínio eleitoral, esta gestão tem

que estar em sintonia e suportada por uma vertente política, podendo criar alguns

constrangimentos. Rocha (2005: 124) refere que a estruturação de um serviço de

qualidade ao nível local se reveste de alguma complexidade, pela “multiplicidade dos

serviços prestados, estruturas organizacionais, formas de intervenção dos cidadãos e

modelos de relação entre os cidadãos e os serviços”. No entanto, e como poderemos

analisar pelo presente estudo, se a adoção destes modelos tiver em consideração todas

estas condicionantes, os mesmos poderão induzir à melhoria do desempenho na

Administração Local.

12

Modelo de gestão estratégico que traduz a visão e estratégia da organização num conjunto de objetivos interligados, medidos através de indicadores associados aos fatores críticos.

13

Caracteriza-se por uma metodologia que sugere uma relação humanizada com os trabalhadores com aumento de produtividade.

CAPÍTULO 3