3.1.1 Conceitos e objetivos
A International Standard Organization
14(ISO) consiste numa federação mundial de
organismos nacionais de normalização responsável pela preparação de normas
reconhecidas internacionalmente. Oriundos dos diversos organismos nacionais de
normalização que compõem a ISO, cabe aos vários comités técnicos, constituídos em
função das matérias em análise, preparar os projetos de normas a submeter aos
organismos membro para aprovação. Todas as normas preparadas pela ISO são
disponibilizadas em três versões oficiais: alemão, francês e inglês, sendo que todas elas
podem adquirir este estatuto quando traduzidas, sob a responsabilidade de um membro
do comité técnico nacional responsável pela matéria em questão. Depois de traduzidas
são ratificadas pelo Comité Europeu de Normalização (CEN), cujos membros integram os
diversos organismos nacionais de normalização, e adotadas posteriormente no país em
questão segundo o regulamento interno do CEN que define as condições para a sua
adoção como normas nacionais (NP EN ISO 9000:2005). As normas da família ISO são
habitualmente redigidas de uma forma genérica, não se dirigindo a nenhum setor de
atividade em particular, de modo a permitir a sua adoção por todo o tipo de organizações
(Pires, 2000).
A sua série 9000 constitui uma família de normas, ou referenciais normativos, que se
encontra vocacionada para a implementação de SGQ nas organizações,
independentemente da sua natureza, dimensão ou localização geográfica. Esta família é
constituída pela ISO 9000, ISO 9001 e ISO 9004, sendo que cada uma delas é
vulgarmente apresentada seguida da referência ao ano da sua última atualização,
9000:2005, 9001:2008 e 9004:2009, respetivamente. Pelo facto de não se constituírem
documentos estanques mas que se adequarem à evolução dos mercados e das
sociedades, esta atualização é expectável e frequente (Pires, 2000). As versões
portuguesas desta série 9000 são a NP EN ISO 9000:2005 - Sistemas de Gestão da
Qualidade: Fundamentos e vocabulário, a NP EN ISO 9001:2008 - Sistemas de Gestão
da Qualidade: Requisitos, e a NP EN ISO 9004:2011 – Gestão do sucesso sustentado de
uma organização: Uma abordagem da gestão pela qualidade, cuja tradução foi realizada
na data referida, tendo sido da responsabilidade do IPQ, organismo nacional de
normalização da ISO no que a esta matéria diz respeito (NP EN ISO 9000:2005).
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A ISO 9000 “descreve os fundamentos de sistemas de gestão da qualidade e especifica a
terminologia que lhes é aplicável”. A ISO 9001 “especifica os requisitos de um sistema de
gestão da qualidade a utilizar sempre que uma organização tem necessidade de
demonstrar a sua capacidade para fornecer produtos que satisfaçam tanto os requisitos
dos seus clientes como dos regulamentos aplicáveis e tenha em vista o aumento da
satisfação dos clientes”, processo a que vulgarmente se dá o nome de certificação, e a
ISO 9004 “fornece linhas de orientação que consideram tanto a eficácia como a eficiência
de um sistema de gestão da qualidade”, sendo que o seu objetivo “é a melhoria do
desempenho da organização e a satisfação dos seus clientes e das outras partes
interessadas” (NP EN ISO 9000:2005).
A ISO 9004 é utilizada como meio destinado a rever “o nível de maturidade da
organização, abrangendo a sua liderança, estratégia, sistema de gestão, recursos e
processos”, mediante um processo de autoavaliação que procura identificar pontos fortes,
pontos fracos, e oportunidades de melhoria ou de inovação, permitindo uma perspetiva
mais alargada do seu SGQ do que a ISO 9001 sendo, no entanto, que a sua adoção
pressupõe a adoção prévia da ISO 9001. Este referencial remete a organização para uma
reflexão profunda que envolve as partes interessadas, a estratégia e política, a melhoria,
a inovação e a aprendizagem, bem como a gestão dos recursos e processos,
reconhecendo um papel relevante aos processos de monitorização, medição, análise e
revisão. O seu objetivo é que a organização possa atingir uma “gestão do sucesso
sustentado” num “ambiente complexo, exigente e em constante mudança” (NP EN ISO
9004:2011). Como refere Pinto e Soares (2009: 33), aos objetivos de satisfação dos
clientes e qualidade dos produtos ou serviços disponibilizados característicos da ISO
9001, a 9004 acrescenta a satisfação das partes interessadas e o desempenho da
organização.
Relativamente à gestão das auditorias, indispensável ao processo de certificação
segundo os requisitos da ISO 9001, a ISO elaborou e publicou a norma ISO 19011:
Linhas de orientação para auditorias a sistemas de gestão, cuja versão mais atualizada
data de 2011, e que em Portugal corresponde à NP EN ISO 19011:2012. Esta norma
“fornece orientações sobre auditorias a sistemas de gestão, incluindo os princípios de
auditoria, gestão de um programa de auditorias e condução de auditorias a sistemas de
gestão, bem como orientações sobre a avaliação da competência de pessoas envolvidas
no processo de auditoria, incluindo o responsável pela gestão do programa de auditorias,
os auditores e as equipas auditoras”.
A ISO 9000, além de fazer referência aos restantes referenciais normativos, destaca os
oito princípios de gestão da qualidade indispensáveis à adoção de uma cultura de
qualidade nas organizações (ver Figura 1). Este referencial defende no seu ponto 0.2 que
“a gestão de uma organização inclui, entre outras disciplinas de gestão, a gestão da
qualidade”, acrescentando que estes oito princípios potenciam a melhoria no seu
desempenho, constituindo-se “a base das normas de sistemas de gestão da qualidade da
família ISO 9000”.
Figura 1: Princípios de gestão da qualidade segundo a ISO 9000
Fonte: Sá e Sintra (2008: 60).
Segundo Lopes e Saraiva (2009: 200), as normas da família 9000 são “generalistas,
passíveis de aplicação em várias atividades e a sua implementação numa organização é
uma das primeiras medidas para colocar em funcionamento um sistema de qualidade
básico”. Estes autores referem ainda que “a crescente implementação das normas da
série ISO 9000 e ISO 14000
15significa que a qualidade passou a ser considerada um
elemento estratégico na gestão das organizações”. As organizações podem assim obter
benefícios na implementação de uma norma ISO, sendo que este proveito não tem tanto
a ver com a natureza das normas, mas com a atitude adotada pela organização na sua
implementação o mais eficientemente possível (Boiral, 2011).
Esta família de normas internacionais é assim reconhecida como uma ferramenta de
gestão bastante válida, sendo adotada em vários países e nos mais diversos setores de
atividade.
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3.1.2 Princípios e características
À semelhança do que acontece com outras ferramentas, também na ISO 9001 o conceito
“qualidade” visa sustentar um processo de monitorização do desempenho das
organizações através de uma bateria de indicadores que suportam uma tomada de
decisão baseada em factos. A adoção dos requisitos da ISO 9001 tem tido por finalidade
demonstrar aos clientes que a organização fornece produtos e/ou serviços segundo
determinados requisitos, podendo, se a organização assim o entender, submeter-se a um
processo de avaliação por parte de uma entidade certificadora externa com vista à
certificação do seu SGQ. Como refere Pinto e Soares (2009: 37) esta norma, acima de
tudo, “não está relacionada com a demonstração da qualidade do produto, mas sim, com
a demonstração da capacidade da organização para garantir a qualidade do produto”.
Os princípios que estiveram na base das últimas revisões da ISO 9001, tendo sido a
última em 2008, foram a necessidade da mesma abranger a globalidade das
organizações e a necessidade de permitir a sua integração com outros sistemas de
gestão, nomeadamente, ambiental, de responsabilidade social, e de segurança e saúde
ocupacionais. Pires (2000, apud Rocha, 2005: 83) caracteriza a revisão da ISO 9001 que
precede a versão atual, e que ocorreu em 2000, como preponderante na adoção desta
ferramenta por organizações que se dedicam à prestação de serviços, na medida em que
abandona uma terminologia muito vocacionada para o setor industrial, “adotando uma
linguagem mais adaptada aos serviçosK”. Segundo Rocha (2005), esta revisão,
considerada como uma das mais marcantes na conceção da norma tal como a
conhecemos, permitiu que a ISO 9001:
- Potenciasse a capacidade da organização em demonstrar que a qualidade dos produtos
fornecidos, ou dos serviços prestados, depende da sua habilidade em fazê-lo de uma
forma consistente;
- Fomentasse uma visão integrada da organização ao orientar o seu funcionamento
mediante um conjunto de processos interligados;
- Colocasse os clientes
16no centro da organização ao identificar as suas necessidades,
ao avaliar a sua satisfação, e ao melhorar as formas de com eles comunicar;
- Sensibilizasse a organização para a importância de todas as partes envolvidas
(trabalhadores, fornecedores e sociedade);
- Atribuísse especial atenção à formação contínua dos trabalhadores;
- Realçasse a importância dos sistemas de informação nas organizações, na medida em
que tanto melhor esta informação permite controlar os processos e a conformidade dos
produtos ou serviços, quanto melhor for gerida.
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A ISO 9001 orienta a organização para a adoção de um modelo de gestão da qualidade
baseado em processos, vulgarmente designado por abordagem por processos, de modo
a que a mesma possa controlar eficazmente as suas atividades maximizando a
satisfação dos seus clientes (ver Figura 3). Um processo, cuja definição se pretende
apresentar com recurso à Figura 2, consiste na identificação de um conjunto de
atividades que a organização desenvolve e a que dá o nome de processo, e que
utilizando os recursos disponíveis transforma as suas entradas em saídas com valor
acrescentado. Para o efeito é fundamental: (1) assegurar os meios, infraestruturas e
ambiente de trabalho propícios ao desenvolvimento das suas atividades; (2) dotar a
organização de recursos humanos competentes para o efeito; (3) fazer cumprir os
requisitos legais, regulamentares e estatutários que suportam essas atividades; e (4) ter a
capacidade de avaliar o seu desempenho.
De acordo com Pires (2000: 147), “os processos são sequências de atividades
interligadas, com uma entrada e uma saída claramente definidas e com resultados
quantificáveis”. Assim, e como defende Pinto e Soares (2009: 23), “o princípio será:
controlando as partes consegue-se controlar, de forma mais eficaz, o todo ou, pelo
menos, os aspetos mais importantes desse todo”.
Figura 2: Definição de processo
Fonte: Dias (2012: 16).
Para a implementação de um SGQ a ISO 9001 apresenta um conjunto de requisitos
numerados de 4 a 8, atribuindo especial ênfase à responsabilidade da gestão e
relativamente à qual dedica o seu requisito 5, à gestão de recursos que se apresentam
no seu requisito 6, à realização do produto, ou serviço, que aborda no seu requisito 7, e à
medição, análise e melhoria que integra o seu requisito 8 (ver Figura 3). Além destes
requisitos este referencial inclui ainda o requisito 4 que visa orientar o desenho deste
sistema (requisitos gerais e requisitos da documentação). Neste SGQ é de realçar o
papel do cliente como figura em torno do qual ele se desenvolve, sendo a sua perceção
sobre o desempenho da organização preponderante no seu processo de melhoria
contínua. Como refere Sá e Sintra (2008: 60), “o ciclo da melhoria contínua é
desencadeado pelo cliente”.
Figura 3: Modelo de um sistema de gestão da qualidade baseado em processos
Fonte: ISO 9001.
A metodologia que suporta este modelo e se encontra ilustrada na Figura 4 é o Ciclo de
Deming
17, vulgarmente conhecido por Ciclo do PDCA
18.
Figura 4: O Ciclo de Deming ou Ciclo do PDCA
Fonte: ISO 9001.
17
O ciclo de Deming, idealizado por Shewhart e divulgado por Deming, tem por princípio tornar mais claros e ágeis os processos envolvidos na execução da gestão.
18 Plan-Do-Check-Act (planear-executar-verificar-agir). Plan Do Check Act
De acordo com a ISO 9001, este Ciclo pode ser resumido da seguinte forma:
“Plan (planear): estabelecer os objetivos e os processos necessários para apresentar
resultados de acordo com os requisitos do cliente e as políticas da organização;
Do (executar): implementar os processos;
Check (verificar): monitorizar e medir processos e produto em comparação com políticas,
objetivos e requisitos para o produto e reportar os resultados;
Act (atuar): empreender ações para melhorar continuamente o desempenho dos
processos”.
Tendo em conta que os requisitos que constituem a ISO 9001 se desdobram em
cláusulas e subcláusulas, e que os dados presentes nos relatórios de auditoria objeto
deste estudo se traduzem num conjunto de constatações, que segundo a ISO 19011 são
indexadas às cláusulas destes mesmos requisitos, considerou-se pertinente a sua
apresentação de forma mais detalhada (Quadro 4).
Quadro 4: Correspondência entre requisitos e cláusulas da ISO 9001
Requisito Cláusula 4. Sistema de gestão da qualidade 4.1. Requisitos gerais 4.2. Requisitos da documentação 5. Responsabilidade da gestão 5.1. Comprometimento da gestão 5.2. Focalização no cliente 5.3. Política da qualidade 5.4. Planeamento
5.5. Responsabilidade, autoridade e comunicação 5.6. Revisão pela gestão
6. Gestão de recursos 6.1. Provisão de recursos 6.2. Recursos humanos 6.3. Infraestrutura 6.4. Ambiente de trabalho 7. Realização do produto
7.1. Planeamento da realização do produto 7.2. Processos relacionados com o cliente 7.3. Conceção e desenvolvimento
7.4. Compras
7.5. Produção e fornecimento do serviço
7.6. Controlo do equipamento de monitorização e de medição 8. Medição, análise e
melhoria
8.1. Generalidades
8.2. Monitorização e medição
8.3. Controlo do produto não conforme 8.4. Análise de dados
8.5. Melhoria Fonte: ISO 9001.