CAPÍTULO 2 - A Gestão da Qualidade na Administração Pública
2.2 A Qualidade na Administração Pública
No âmbito da NGP, a gestão da qualidade afirmou-se então como tema central, em torno
do qual se assumiu que somente através de uma forte articulação entre a gestão e a
procura da eficiência nos serviços prestados se conseguiria uma efetiva satisfação dos
cidadãos (Rocha, 2005). Estudos viriam a revelar que em particular na área da prestação
de serviços, a qualidade não afeta somente a perceção de valor e satisfação dos clientes,
mas também as suas intenções comportamentais de forma direta, o que se revela
preponderante na construção de uma Administração Pública ao serviço dos cidadãos
(Cronin, 2000).
Segundo Carapeto e Fonseca (2006) podem distinguir-se três fases da evolução da
qualidade na Administração Pública:
1ª. Fase – antes dos anos sessenta do século passado, quando a qualidade se limitava
ao cumprimento estrito de normas e procedimentos;
2ª. Fase – a partir dos anos sessenta, quando a qualidade se associada a conceitos
como a eficácia e a eliminação do erro na senda de uma gestão por objetivos;
3ª. Fase – a partir dos anos oitenta, quando se relaciona com a satisfação do cidadão
segundo o modelo de GQT.
Loffler (2001) reforça o facto da 3ª. fase se caracterizar sobretudo pela adoção do modelo
de Gestão da Qualidade Total (GQT) proporcionado pela NGP. Na medida em que se
teriam esgotado as reformas internas, subsistia uma forte convicção de que este modelo
se traduziria num novo alento para a reforma da Administração Pública. Essencialmente
suportado numa abordagem de gestão, o mesmo dotaria a Administração Pública de
capacidades para manter e desenvolver a melhoria da qualidade do seu desempenho, na
medida em que num processo de consciencialização para a qualidade procuraria o
reconhecimento das necessidades e expectativas dos cidadãos que serve na totalidade
da sua atuação (Cohen, Brand, 1993; Cohen, Eimicke, 1994, apud Silvestre, 2010).
Segundo Swiss (1992) neste modelo a qualidade implica um comprometimento
organizacional num processo contínuo de melhoria, suportado nas seguintes premissas:
- É o cliente que define quais os padrões de qualidade pretendidos no fornecimento de
um determinado produto ou na prestação de determinado serviço;
- A qualidade deve ser algo perspetivado aquando a definição dos procedimentos para
este fornecimento ou prestação;
- Quanto menor variabilidade existir nestes procedimentos, mais elevados serão os
padrões de qualidade que lhes estarão associados;
- A qualidade resulta quando se assiste a um envolvimento e esforço generalizado por
parte de todos aqueles com responsabilidades nestes procedimentos.
A par de outras técnicas, a GQT surge então na Administração Pública em 1988 com o
objetivo de aumentar a sua produtividade, acabando por “subverter o processo de gestão
tradicional”, ao modificar drasticamente a forma como são considerados os cidadãos, que
deixariam de estar no “fim da linha do produto ou serviço”, característica da gestão
tradicional, para passar a estar “na origem do serviço ou produto”, com a identificação
das suas necessidades e expectativas (Rocha, 2005: 109). Este modelo acaba pois por
identificar os cidadãos como a principal razão de existir dos serviços públicos, pelo que
as suas funções seriam as de os servir, cabendo aos cidadãos a responsabilidade de
avaliar o seu desempenho (Neves, 2002, apud Rocha, 2005). Leitão (2010: 40) defende
que “era gritante a necessidade de se humanizar a relação da Administração Pública com
o cidadão, uma vez que este último é antes de mais um contribuinte que tem o direito de
exigir que lhe sejam prestados serviços de qualidade”, considerando a importância deste
modelo pela sua capacidade de dotar o cidadão, “vulgarmente acrítico e passivo” no seu
contacto com os serviços e organismos públicos, de um novo estatuto, o de cliente da
Administração Pública.
Para diversos autores, a GQT traduz-se numa filosofia de gestão, sendo que para uns a
mesma integra duas dimensões: a do cidadão, no encontro com as suas necessidades e
expectativas; e a da eficiência, ao procurar fazê-lo da forma mais eficiente (Ancari e
Capalco, 2001), enquanto para outros a qualidade é a consequência de um processo
traçado para o sucesso, com a condição de todos os colaboradores e funções da
organização se encontrarem alinhados e envolvidos na interiorização de uma nova
cultura de qualidade e responsabilidade da gestão (Morgan e Murgatroid, 1994, apud
Silvestre, 2010). Taveira (et al, 2003) refere tratar-se, efetivamente, de uma filosofia de
gestão para a melhoria dos processos que se baseia em factos, e que não dispensa o
envolvimento e participação de toda a organização, incluindo a gestão de topo. Refere
que na implementação deste modelo as necessidades psicossociais dos trabalhadores
seriam de ter em consideração para o seu sucesso. Segundo Prajoso (2000), e indo de
encontro ao referido, é a cultura organizacional a principal responsável pelos resultados
alcançados com a implementação da GQT. Para Agus (2004: 626), “sem o
comprometimento dos colaboradores, a iniciativa qualidade falhará”, defendendo a
motivação dos colaboradores como um dos fatores-chave de sucesso na implementação
da qualidade em qualquer organização, cabendo aos gestores “enfatizar a importância do
trabalho em equipa para alcançar os objetivos organizacionais”.
Para Carapeto e Fonseca (2005: 37), o modelo de GQT caracteriza-se por deixar ao
“cuidado” do cliente a definição de qualidade, pelo que a sua perceção constitui um fator
preponderante no desenho do sistema de gestão da organização, assumindo-se “um
conceito holístico que considera a melhoria de todas as atividades e processos
organizacionais com o envolvimento de todos”.
Como referido no anterior capítulo, a variante da gestão da qualidade do modelo de
reforma do Estado proposto pela NGP, e que segundo Kelly (1998) teria sido influenciada
pela GQT, foi integrada então pela primeira vez no Reino Unido, em 1991, com a adoção
do Citizen’s Charter. Depois do Reino Unido, este modelo foi implementado nas
diferentes Administrações Públicas da Bélgica, França, Estados Unidos da América,
Itália, Finlândia e Portugal (Pollit, Bouckaert, 2004, apud Silvestre, 2010). Segundo Lane
(2005), com a adoção dos princípios deste modelo, estas administrações visavam um
melhor desempenho, uma maior transparência no seu funcionamento, bem como o
desenvolvimento de formas de auscultação dos cidadãos, como são exemplo o
tratamento das suas queixas e reclamações.
A publicação das Cartas da Qualidade em vários países europeus foram então uma das
principais consequências da absorção da GQT pela NGP, sendo que posteriormente
viriam a ser substituídas pelos modelos de excelência, nomeadamente o Modelo Europeu
da Qualidade que adiante se abordará, bem como por outras ferramentas de gestão
importadas do setor privado, como é exemplo a ISO 9001 alvo do estudo que se
apresenta. As Cartas da Qualidade, consideradas o modelo mais simples nesta
abordagem, viriam a constituir-se um compromisso assumido por políticos, funcionários e
cidadãos, no que se relaciona com direitos e deveres dos vários interessados, no sentido
da melhoria dos serviços prestados, baseando-se essencialmente na realização de
inquéritos de satisfação aos cidadãos (Rocha, 2005).
Não obstante o facto da definição de qualidade ser já revestida de alguma complexidade,
segundo Carvalho (2008) esta viria a agravar-se quando se passa da qualidade do
produto para a qualidade do serviço prestado, como já referido anteriormente,
agravando-se de forma mais acentuada quando a transpomos de um contexto privado para um
contexto público. Segundo Üstüner (2004), que levou a efeito um estudo sobre a adoção
da gestão da qualidade na Administração Pública Turca na perspetiva dos trabalhadores
envolvidos nestes processos, na sua generalidade os mesmos têm tendência a adotar
uma atitude positiva perante este tipo de desafios, sendo que o seu sucesso é fortemente
condicionado pela abordagem utilizada, incluindo ferramentas e modelos usados, bem
como pelo contexto organizacional. No contexto português como apresentado no ponto
1.2 que caracteriza a reforma na Administração Pública Portuguesa, e no ponto 2.4 que
aborda a gestão da qualidade na Administração Pública Portuguesa, a adoção da gestão
da qualidade acaba por revelar-se um processo fortemente suportado num quadro legal
desenvolvido para esse efeito, que acaba por promover a alteração e adoção de novos
comportamentos, podendo-se em todo este processos identificar alguns
constrangimentos e benefícios na sua adoção, como veremos de seguida.
2.3 Constrangimentos e Benefícios da Gestão da Qualidade na Administração
No documento
A Importância da Certificação na melhoria contínua da gestão municipal: o caso da ISO 9001
(páginas 34-37)