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Constrangimentos e Benefícios da Gestão da Qualidade na Administração Pública .37

CAPÍTULO 2 - A Gestão da Qualidade na Administração Pública

2.3 Constrangimentos e Benefícios da Gestão da Qualidade na Administração Pública .37

2.3.1 Constrangimentos

Um dos principais constrangimentos da adoção do modelo de GQT na Administração

Pública é o facto do seu sucesso depender fortemente da gestão de topo na construção

de uma cultura organizacional voltada para a qualidade. Sendo a rotatividade dos

quadros da gestão de topo uma das principais característica da Administração Pública,

esta cultura revela-se mais vulnerável quando comparada com a do setor privado

(Carvalho, 2008). Algumas dificuldades também se viriam a revelar no processo de

avaliação da qualidade dos serviços prestados, na medida em que tendo sido o modelo

de GQT desenvolvido para a indústria, um setor com processos caracterizados pela sua

repetibilidade, não se pode descurar o facto dos cidadãos, na sua avaliação, dificilmente

se abstraírem de parâmetros como o comportamento ou aparência do prestador do

serviço. A reduzida autonomia dos seus colaboradores, em resultado de uma estrutura

tipicamente hierarquizada, a par da elevada especificidade técnica de alguns serviços

públicos muito submetidos ao cumprimento de normas e regulamentos, com dificuldades

na articulação entre eles, se viriam a revelar constrangimentos em todo este processo.

Para Vinni, (2007), este modelo teria sido alvo de alguma crítica quando adotado no setor

público, na medida em que a importação de algumas metodologias de gestão do setor

privado para o setor público comprometeria as questões de ética que lhe são

características, resultando num aumento da burocracia e na adoção de soluções

demasiado mecanicistas. Para Gasper (1995, apud Carvalho, 2008) as principais

preocupações numa abordagem da qualidade aos serviços públicos eram os valores

como a equidade, igualdade, democracia e eficiência, característicos da Administração

Pública.

Outra diferença marcante entre a adoção deste modelo no setor público e no setor

privado, de acordo com Pollitt e Bouckaert (1995b), era o facto das empresas privadas

em mercados competitivos, e fazendo uso de mecanismos de preços, conseguirem ter

indicadores que lhes permitiam desencadear as ações tidas por convenientes (por

exemplo, o volume de vendas), enquanto nas organizações do setor público, em que

grande parte dos bens e serviços distribuídos são gratuitos mesmo que de forma indireta,

existe uma maior dificuldade em agir tendo em conta a aferição da satisfação dos

cidadãos. Rago (1994) refere que na cultura do Governo, ao contrário do setor privado,

um aumento do número de cidadãos/clientes não se traduz em mais-valias

organizacionais, o que dificulta a implementação da GQT. Esta posição é também

partilhada por Mintzberg (1996, apud Carvalho, 2008) quando alega que uma das

diferenças fundamentais entre a gestão empresarial e a gestão pública é o facto dos

cidadãos/clientes não poderem ser reduzidos a meros consumidores.

2.3.2 Benefícios

Neste contexto de marcantes diferenças entre os dois setores, também Swiss (1992)

defende que uma adaptação da GQT ao setor público na sua forma inalterada, não se

traduziria no sucesso alcançado com a sua adoção no setor privado. Este autor refere

que a simples adoção de algumas das boas práticas que lhe estão subjacentes,

revelaram um impacto bastante positivo no setor público, essencialmente no que se

refere à monitorização do seu desempenho, ao feedback dos seus clientes, e ao

envolvimento dos seus colaboradores num processo de melhoria contínua, sendo este

“provavelmente a sua contribuição mais valiosa” (Swiss, 1992: 360). O simples facto da

Administração Pública ter interiorizado alguns dos princípios base deste modelo, como

são o fomento de uma cultura participativa e o de learning organization

7

, a par do

reconhecimento da importância da gestão da informação relativa à perceção dos seus

cidadãos, levou a concluir-se que o mesmo se traduziu numa mais-valia ao processo de

reforma da Administração Pública(Rocha, 2005). De facto, alguns autores defendem que

apesar da introdução deste modelo no setor público se ter revelado mais complexa do

que no setor privado, especialmente pelas “diferenças culturais e sentimentos dos

colaboradores quanto à propriedade dos bens e serviços que produzem”, acabaria por

promover uma transformação na cultura organizacional da Administração Pública até à

data caracterizada por colaboradores que se sentiam meros executores de tarefas, sem

qualquer capacidade crítica e de decisão (Bendell, Boulter, Kelly, 1994, apud Silvestre,

2010). Também para Rago (1994), o facto de se identificarem problemas na integração

da GQT na Administração Pública não deveria ser limitativo do sucesso que a mesma

poderia implicar na sua organização.

Apesar dos constrangimentos apresentados é possível identificar então diversos

benefícios da gestão da qualidade na Administração Pública. Segundo Pollitt e Bouckaert

(1995b) a abordagem da qualidade nos serviços públicos tem permitido:

- Motivar os colaboradores;

- Potenciar a qualidade dos serviços prestados;

- Disponibilizar aos políticos novos eixos promocionais.

Pollit (1995, apud Rocha, 2005: 198) acrescenta ainda como principais benefícios a sua

contribuição para “novas formas de democracia” com o foco da Administração Pública

nas necessidades e expectativas do cidadão, integrando-o como parceiro na definição,

implementação e avaliação das suas políticas. O autor refere também o processo de

benchmarking

8

como uma ferramenta válida, através da qual a adoção das melhores

práticas provenientes de modelos relacionados com a qualidade nas organizações e nos

serviços públicos poderiam ser partilhadas, apesar de Milosevic (et al, 2013) entender

que nunca no setor público seria tão potenciada como no setor privado, pelo facto do

setor público não visar o lucro mas responder às necessidades dos cidadãos.

Para Rocha (2005: 113), independentemente do modelo de gestão da qualidade adotado,

os objetivos da mudança de paradigma relativamente ao posicionamento do cidadão na

estrutura da Administração Pública foram desde sempre uma melhoria dos processos

internos que resultaram num aumento da sua satisfação. Refere que esta abordagem

permitiu, fundamentalmente, subverter a relação administração-administrado, na medida

7

Organização em aprendizagem, e consequentemente em melhoria contínua.

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em que os administrados “deixaram de ser sujeitos da atividade administrativa, para

serem clientes”, o que se traduziu num passo de extrema relevância no panorama do

processo reformador. Além de referirem a existência de diferenças significativas entre

organizações do setor privado e do setor público, para Andrade et al (2004, apud

Silvestre, 2010: 197), “os princípios da abordagem da qualidade devem ser integrados

nas organizações públicas que, para além das melhorias dos bens produzidos e dos

serviços prestados, permitirão uma melhor gestão dos recursos humanos, técnicos,

financeiros e materiais”.

Gariso (2007: 134) refere também, após levantamento da perceção de alguns

colaboradores da Administração Pública relativamente a esta matéria, que “mais

importante do que o modelo de gestão da qualidade implementado, são os efeitos que da

sua aplicação poderão resultar para a melhoria da qualidade dos serviços e para o

aumento da satisfação dos utentes e dos funcionários”. Deste modo, e não obstante a

adoção da gestão da qualidade na Administração Pública, dado a sua natureza, ter

implicado uma adaptação do modelo comummente usado no setor privado, revelou-se

uma mais-valia na sua mudança organizacional e cultural.