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A gestão das demandas institucionais nas organizações híbridas

2.5 O Campo Organizacional e o Neoinstitucionalismo

2.5.2 A gestão das demandas institucionais nas organizações híbridas

A gestão de empreendimentos situados na intersecção de distintas ordens institucionais, e, portanto, em condições de se depararem com contextos institucionais ambivalentes é sob diversos aspectos complexa. D’Aunno et al. (1991) ressaltam que há uma grande dificuldade para as organizações híbridas responderem aos valores e crenças distintos de cada das ordens institucionais.

Defende-se, dessa forma, a concepção defendida por Walter et al. (2011) de que o ambiente institucional é concebido internamente a organização, por seus diversos atores formativos, mas também influenciado por eles. Por essa concepção percebe-se claramente a capacidade dos atores organizacionais em gerenciarem as demandas institucionais, nesse processo há uma concepção de uma gestão institucional com vistas ao alcance de determinados resultados.

Esses resultados se ligam diretamente à legitimação do empreendimento. Há, portanto, uma estreita relação entre as diversas ordens institucionais ligadas ao negócio e a forma como essa formação será implementada no âmbito prático (controle) do empreendimento (KRAATZ; BLOCK, 2008).

Em relação a ambivalência de demandas institucionais e, em vista disso, de como se dá as interferências formativas entre a proposta e o controle em organizações, Ashforth et al. (2014) tentam evidenciar a forma como se depreende tanto a origem dessas demandas institucionais paradoxais, no contexto de organizações hibridas, mas também o enfoque em que são traçadas as ações práticas (gestão estratégica) a tal cenário. Tais níveis podem ser visualizados na Figura 8.

Figura 8 – Ambivalência organizacional entre níveis

Fonte: adaptado de Ashforth et al. (2014, p. 1457).

Conforme demonstra a Figura 8, nota-se que existindo ambivalência em qualquer um dos níveis de análise interpostos no contexto da organização (externo e/ou interno) poderá afetar o outro nível situado na mesma perspectiva de análise. Nesse sentido, havendo dualidades no nível individual ou organizacional, poderá haver influências de um nível no outro.

Ainda assim, pela perspectiva de Ashforth et al. (2014), a existência de configurações oposicionistas em determinado nível, tenderá a desencadear experiências, no âmbito da esfera prática, nos mesmos níveis. Se uma cooperativa (nível coletivo) se apresenta interposta em subcampos, no âmbito prático, tal ambivalência tenderá a se mostrar igualmente presente, e assim também ocorrerá na perspectiva individual. Não menos importante é o fato de que a própria essência de ambivalência coletiva poderá também desencadear ambivalência no campo individual e vice-versa.

Por dedução das etapas anteriores do modelo esquemático de respostas organizacionais a contextos institucionais híbridos, pode-se entender que tais respostas poderão se relacionar às

Nível individual Nível coletivo Desencadeadores individuais (conflito de papeis) Ambivalência individual Respostas individuais Desencadeadores coletivos (identidade organizacional híbrida) Ambivalência coletiva (desejos ambivalentes em relação a uma ação)

Respostas coletivas Oposições: • Identidade híbrida; • Dualidades; • Objetivos multifacetados Mecanismos psicossociais de difusão • Criação de sentido; • Contágio emocional; Respostas ao ambiente ambivalente Ordens Institucionais Ambivalência Institucional Ações para Legitimação

demandas paradoxais situadas em seus respectivos níveis, mas do nível coletivo ao nível individual e do individual ao coletivo. Importância também ao fato de que a ambivalência percebida no nível coletivo poderá desencadear ações no nível individual a partir de duas contextualizações, quando não há respostas no nível coletivo e/ou quando os indivíduos optam por ações distintas daquelas implementadas no nível coletivo.

Parte-se do pressuposto, conforme ressaltam Scherer et al. (2011), que os atores sociais interpretam tais demandas (coletivas e individuais) e as gerenciam de maneira a obterem a legitimidade necessária a sustentabilidade do negócio. Esse conceito de interpretação será chamado de filtro no trabalho de Greenwood et al. (2011), de forma que confere a possibilidade de que as demandas institucionais não sejam assimiladas de igual forma pelas organizações.

A despeito disso, Greenwood et al. (2011) apresenta, na Figura 9, seguindo o mesmo entendimento teórico, um esquema conceitual mais descomplicado aquele apresentado por Ashforth et al. (2014).

Figura 9 – Complexidade organizacional e respostas organizacionais

Fonte: Greenwood et al. (2011, p. 324).

Conforme se percebe, na Figura 9, é que o diferencial apresentado por Greenwood et al. (2011) se manifesta nos destaques ao fato de a estrutura do campo, ou subcampo, e dos atributos organizacionais, como fatores intervenientes nas respostas em que os atores organizacionais implementarão como recursos à obtenção da legitimidade em vista da complexidade institucional. Pela estrutura do campo se depreende à fragmentação e centralização das ordens institucionais intervenientes. Já em relação aos atributos organizacionais se defere ao contexto da posição em que o empreendimento se encontra no campo, sua forma de estruturação, a forma de gestão/governança e a própria identidade.

Tal fato perfaz o fato de que nem sempre as ações empreendidas pelas organizações híbridas, situadas em um mesmo campo organizacional, resultarão em contextualizações

Pluralismo Institucional Complexidade Institucional Respostas Organizacionais Estrutura do Campo Atributos Organizacionais

organizacionais (estruturação organizacional) realmente similares (isomórficas), mesmo que num primeiro momento isso possa ser a condição aparente. Especificamente em relação a respostas a demandas institucionais, que seriam as ações visualizadas no último contexto das ações práticas implementadas pela organização na Figura 10, Oliver (1991)29 traça as possibilidades existentes, por ela chamadas de ações estratégicas (Quadro 5).

O diferencial está, dessa forma, na não assunção de uma estruturação em única via, no âmbito do atendimento das demandas institucionais. Isso decorre do fato de que, especialmente no âmbito de organizações situadas na intersecção de demandas/ordens institucionais ambivalentes é, por vezes, muito arriscada a prática do isomorfismo sem que haja um comprometimento da legitimidade a determinada ordem institucional.

Tal afirmação é depreendida uma vez que, mesmo que a organização, em relação ao seu enfoque extra-organizacional, possa parecer semelhante aos demais empreendimentos, haverá possibilidades de uma atuação estratégica intra-organizacional na adoção e adaptação das demandas institucionais.

Não se trata, nesse aspecto, de uma aproximação da concepção do paradigma do racionalismo instrumental. O enfoque perpassa apenas pela assunção de que ante as diferentes demandas originadas em subcampos com características ambivalentes, os atores organizacionais terão, invariavelmente, de atuar com vistas a uma adequação da organização frente a tal contexto, sob o risco de comprometer a própria sobrevivência da organização.

Assim, as respostas traçadas por Oliver (1991) (Quadro 5) podem, segundo Kraatz e Block (2008), ser concebidas “apropriadamente” como uma possibilidade de governança organizacional [institucional] frente ao emaranhado de respostas institucionais ambivalentes esperadas pelo ambiente organizacional. Destaca-se, entretanto, o fato de que o trabalho de Oliver (1991) não está voltado a análise de organizações situadas na intersecção de diferentes e paradoxais demandas institucionais (RAAIJMAKERS et al.,2015). Nesse sentido, algumas conjecturas terão de ser realizadas para o contexto das cooperativas.

29 Diversos outros trabalhos trazem apontamentos em relação à outras denominações pelos quais pode-

se dar as respostas estratégicas à ambivalência institucional, no caso das organizações híbridas, como em Scherer et al. (2014) e Kraatz e Block (2008). Todavia, pelo fato do trabalho de Oliver (1991) se tratar de indicações seminais em relação ao contexto em análise, optou-se por sua utilização, em detrimento de denominações mais contemporâneas.

Quadro 5 – Respostas estratégicas organizacionais em relação às demandas institucionais

Estratégias Táticas Definição

Manipular Cooptar, influenciar,

controlar

Atenção ativa para alterar o conteúdo das demandas institucionais.

Equilibrar Balanço, pacificar,

barganhar

Uma tentativa para alcançar uma conformidade pelo menos parcialmente no âmbito das demandas institucionais.

Desafiar Descartar, mudar, atacar Rejeitar explicitamente pelo menos uma das demandas

institucionais.

Desacoplar Ocultar, tampar, escapar Tentativa de impedir a necessidade de conformação às demandas

institucionais.

Consentir Hábito, imitar, cumprir Adoção das demandas.

Fonte: Oliver (1991, p. 152).

Em relação ao consentimento, esta estratégia seria adequada quando a organização pode assumir integralmente as instituições ambientais. Nessa perspectiva, o foco é na “obediência” as prescrições delimitadas pelo ambiente. O grande problema da estratégia do consentimento é que ela, teoricamente, não se harmoniza no contexto de organizações situadas na intersecção de ordens institucionais ambivalentes, ou seja, em organizações híbridas. Isso ocorreria pelo fato de determinadas demandas serem totalmente inconsistentes.

Pelo foco do compromisso, a estratégia a ser desenvolvida diz respeito a uma concepção de balancear pressões institucionais. O foco é, dessa forma, no equilíbrio do atendimento das demandas institucionais conflituosas.

O desacoplamento, também denominado de esquiva, seria quando a organização tenta passar uma imagem que atende a determinada prescrição institucional que não corresponde a realidade. Tal simbolismo está relacionado ao fato de não perder a credibilidade por não atender a tais demandas, mas ao mesmo tempo, não as utilizar da maneira esperada. Numa expressão metafórica, seria como uma máscara em que os atores organizacionais passariam uma imagem de atendimento as instituições, quando na verdade essa não é o cenário real.

A estratégia da rejeição estaria vigendo quando a organização, pela ação de seus atores constitutivos, atua independentemente do que o ambiente institucional espera da mesma. Tal estratégia seria a forma mais ativa de atuação da organização em relação às outras estratégias. O fato de ignorar as indicações interpostas pelo campo organizacional pode “ser resultante de uma falta de compreensão do que está sendo prescrito, ou da não consideração acerca das consequências do não cumprimento de tais ações” (OLIVER, 1991, p. 156). Certamente, por essa atuação, a credibilidade institucional em relação às ordens institucionais intervenientes seria prejudicada e, certamente, a gestão do empreendido estaria, no longo prazo, comprometida.

Por fim, a perspectiva da manipulação condiciona-se ao fato de os atores organizacionais atuarem ativamente no sentido de alterar as pressões ambientais (instituições) intervenientes na organização de maneira a traçar sua própria forma de atuação. Há, nesse aspecto, consequentemente, uma característica central, a de poder, concebido pela representatividade da organização em alterar, ao seu próprio benefício, as prescrições do ambiente, de maneira a não se adequar, mas fazer-se adequar.

Conforme se percebe, reconhecer as formas pelas quais as ações das cooperativas são desempenhadas em resposta a essas demandas ambientais, inclusive em relação à forma pelas quais são gerenciadas as instituições ambivalentes, é condição relevante para se compreender como tais empreendimentos conseguem sobreviver.

Tal reconhecimento seria um dos principais caminhos para a compreensão dos motivos pelos quais mesmo sendo reconhecidas como modelos tendentes ao fracasso, conforme apontam Gimenes e Gimenes (2007), algumas cooperativas agropecuárias conseguem conservar-se no mercado, tal qual aquelas organizações que não se defrontam com as mesmas ordens institucionais.

Afirmar que as prescrições institucionais, no caso de organizações pluralísticas, são estrategicamente gerenciadas pelos atores organizacionais não é um devaneio pelo fato de que tal situação já foi minimamente constatada empiricamente. A esse respeito cita-se Gouldner (1954), com apontamentos relacionados à criação de padrões representativos interligados a burocratização organizacional e Selznick (1948), cujas inferências relacionadas aos diversos dilemas a serem considerados no contexto da gestão configurou-se num marco no âmbito da Teoria Organizacional.

Na mesma medida em que não são devaneios, tampouco se pode afirmar que o tema já se encontra esclarecido, especificamente em relação ao contexto das organizações de natureza híbrida, conforme relatam Pache e Santos (2010), Battilana e Dorado (2010), Pache e Santos (2013), Jarzabkowski et al. (2013), Skelcher e Smith (2014) e outros. Resta salientar, que tal abordagem, de maneira a considerar a existência de distintas taxonomias cooperativas e por meio de análises empíricas cujo foco se volte ao entendimento das respostas às demandas macro e microambientais, ainda é desconhecida.

Tal afirmativa pode ser corroborada por Biswas (2015), onde é possível perceber que estudos relacionados ao comportamento organizacional de cooperativas agropecuárias ainda são escassos e, mais que isso, são prementes, dada a importância desse tipo de organização ao desenvolvimento do contexto rural.

Assim, há uma necessidade de se compreender como as organizações de caráter coletivo, como as cooperativas agropecuárias, se estruturam em relação ao fato de estarem situadas na intersecção de distintas e ambivalentes ordens institucionais, com destaque para a manutenção de sua credibilidade (legitimação), que conforme já anteriormente mencionado, deve se dar tanto em seu nível interno, mas também externo.

Mazzarol (2011) e Cechin b et al. (2013) afirmam que há uma ligação perdida em relação à compreensão da gestão da complexidade estrutural do negócio cooperativo. Essa complexidade é apenas um dos diversos pontos conflituosos em relação ao ambiente institucional e organizacional paradoxal relacionado ao cooperativismo.

2.5.3 A importância do ambiente interno (intraorganizacional) no processo de gestão