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2.7 Contextualizando o cenário de estudo o setor lácteo

2.7.2 O cooperativismo lácteo

2.7.2.1 O cooperativismo de leite no Brasil

Conforme foi possível observar, a produção láctea brasileira além de comportar grande número de produtores rurais é, predominantemente, oriunda de pequenas propriedades. Assim, as cooperativas tornam-se, em tese, um instrumento potencializador do poder de mercado desses diversos agentes situados nos elos iniciais da cadeia produtiva. Contudo, Martins et al. (2014) evidenciam que se encontra em curso uma progressiva queda na participação desse tipo de negócio na captação/industrialização do leite brasileiro. Ressaltam, os aludidos autores, que na década de 80 cerca de 60% de toda a captação nacional era realizada por cooperativas, já em 2003 esse percentual foi reduzido a cerca de 40%.

Em recente levantamento da Organização das Cooperativas Brasileiras (OCB) voltado a obtenção de informações das cooperativas lácteas do ano de 2015 por meio de um censo, verificou-se que, essencialmente, o leite processado advém de pequenos produtores rurais (Ver Quadro 9).

Quadro 9 – Participação de produtores rurais em volume de produção nas cooperativas lácteas Estrato de produção (litros/dia) Percentual (%)

Até 50 23,51 51 a 100 23,67 101 a 200 22,54 201 a 500 19,19 501 a 1000 6,18 Acima de 1000 4,91 Fonte: OCB (2017).

Nogueira Netto et al. (2004) já afirmavam que pelo fato de ter majoritariamente um quadro social de pequenos produtores rurais há, nas cooperativas lácteas, um instrumento de desenvolvimento local. Contudo, por outro lado, notabiliza-se um trade off, em vista do fato de esses estabelecimentos apresentarem altos custos de captação e de transação53.

O cooperativismo lácteo brasileiro, desde a abertura comercial, assim como outros empreendimentos processadores, sofre uma pressão com o intuito de incorporação de maiores níveis tecnológicos de forma a otimizar seus processos produtivos. Se há uma pressão acentuada nesse sentido, no passado houveram ações governamentais que criaram um ambiente de baixo incentivo ao setor cooperativista. Schubert e Niederle (2011, p.188) afirmam que “[...] o

53 Na visão de Nogueira Netto et al. (2004, p.71), “a importância social do sistema cooperativista de

leite brasileiro implica perda de competitividade, pois as cooperativas atuam no mercado competindo com empresas que têm médias diárias mais elevadas na captação de leite por produtor”.

fechamento do mercado [ocorrido entre os anos 60-80] resultou na falta de incentivos para processos de inovação tecnológica e organizacional, comprometendo a construção de uma base sólida que garantisse a competitividade deste segmento [do cooperativismo] face aos novos entrantes”.

As mudanças macro ambientais contemporâneas colocaram em evidência a necessidade de manutenção de um preço economicamente atraente no final da cadeia produtiva. Os empreendimentos, a partir de então, deveriam ser suficientemente competitivos no sentido de apresentarem aos elos varejistas um preço atrativo. A despeito do poder de negociação desses agentes, uma maior margem de negociação das cooperativas só seria possível em virtude de uma captação do insumo (leite) ao menor preço possível e/ou otimização do negócio por meio de ganhos de escala e escopo.

É a partir de tal constatação que Figueira (1999) ressalta que as cooperativas lácteas brasileiras, por sua natureza estrutural, enfrentaram resistências em ambas as perspectivas. No âmbito dos preços pagos pelo leite fornecido, pelo fato de o gestor estar configurado também na pessoa do fornecedor e, igualmente, pelo fato de existir processadores concorrentes com capacidade de captação do leite dos produtores associados. Conjuntamente a esse cenário, existe uma baixa margem de capitalização para qualquer investimento adicional no negócio.

Assim, menores preços pagos aos insumos, em vista do tradicional comportamento oportunista dos associados de empreendimentos cooperativos brasileiros, aliado ao fato de pouca formalização de compromissos entre este e o empreendimento, pode ocasionar o direcionamento do leite para outro agente processador. Com menor volume de insumos (leite) captado, haverá menor produção, com possíveis perdas competitivas.

Adicionalmente, qualquer processo de otimização de escala requer investimentos no empreendimento, o que demanda capital. Consequentemente, o capital para investimentos nas cooperativas ou tem por origem os próprios associados ou junto a agentes externos. Denota-se que ambas as opções são de difícil gestão pelos tomadores de decisão das cooperativas (OCEPAR, 2017).

Discorrendo acerca desses dilemas gerenciais nas cooperativas lácteas, Bialoskorski Neto (1995) é mais claro ao elencar que não raros eram os casos de relutância na modificação das práticas vigentes para a implementação de processos valorativos da qualidade, maior volume e estabilidade da entrega do leite via cooperativa. Tudo isso fez com que houvesse uma dificuldade de adaptação das cooperativas lácteas ao novo contexto do campo organizacional do agronegócio do leite.

2.7.2.1.1 O cooperativismo de leite em Minas Gerais

Por Minas Gerais ser o estado da federação com maior produção de leite no cenário brasileiro, o cooperativismo lácteo ocupa posição de relevância na referida cadeia produtiva. Dados da Organização das Cooperativas do Estado de Minas Gerais, referentes ao ano de 2016, informavam que 98 cooperativas operavam com leite in natura e 44 apresentavam laticínios54 (OCEMG, 2017). Borgatti (2012) apontava que no final da primeira década dos anos 2000, as cooperativas lácteas eram as responsáveis por cerca de um terço do volume de leite processado no estado.

Não obstante a essa representatividade, Carvalho et al. (2004) ao analisarem a situação econômico-financeira dessas cooperativas foram alarmantes ao perceberem que a existência de desequilíbrio ocasionado por ações empreendidas sem a devida análise técnica gerencial, falta de estrutura organizacional e dificuldades de adaptação frente as mudanças ambientais, notavelmente aquelas do setor econômico. Em decorrência desse fato, mesmo diante da ainda representatividade das cooperativas relatada por Borgatti (2012), numa análise pormenorizada da Figura 37, é possível perceber que o percentual de participação das cooperativas na captação de leite sofreu uma diminuição progressiva entre os anos de 2006-2011.

Figura 37 – Participação das cooperativas na captação de leite do estado de Minas Gerais

Fonte: Borgatti (2012).

54 Cooperativas que operam com leite in natura pode também operar com laticínios em virtude do fato

de que alguns empreendimentos operam com mais de um serviço/produto.

54,2 52,5 48,6 43,7 36,6 36,1 20 25 30 35 40 45 50 55 60 2006 2007 2008 2009 2010 2011 (% )

De acordo com Nogueira Netto et al. (2004), a partir de informações do Censo do Cooperativismo Lácteo realizado em 2002, Minas Gerais era a unidade de federação com maior número percentual de produtores rurais na atividade do leite associados a empreendimentos cooperativos (ver Quadro 10). O estado de Minas Gerais só não apresentava liderança no estrato de produtores com volume acima de 1.000 litros/dia, em que figuravam o Rio Grande do Sul (34,7%) e o Rio de Janeiro (18,8%) no primeiro e segundo lugar, respectivamente.

Quadro 10 – Participação dos cooperados de Minas Gerais em relação ao número total de cooperados do setor lácteo brasileiro

Estrato Percentual de cooperados de Minas Gerais

em relação ao total de cooperados no Brasil

Até 100 litros/dia 37%

101 a 200 litros/dia 44,8

201 a 500 litros/dia 47%

501 a 1000 litros/dia 37%

Acima de 1000 litros/dia 16,1%

Fonte: elaboração própria, a partir de Nogueira Netto et al. (2004).

Conforme se percebe, Minas Gerais tradicionalmente, por agrupar o maior número de produtores rurais dedicados a atividade leiteira, destacadamente pequenos produtores, tem uma tradição histórica em relação a efetivação de empreendimentos cooperativos voltados à captação/processamento do leite. Por outro lado, diante as mudanças institucionais em curso, esse cenário tem se alterado com a diminuição no número de empreendimentos e na participação desses na economia da cadeia produtiva láctea local.