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As características da ordem institucional do cooperativismo e do agronegócio

2.6 Modelo teórico-analítico – a gestão estratégica institucional

2.6.1 As características da ordem institucional do cooperativismo e do agronegócio

Admitindo-se inicialmente a acepção externada por Machado-da-Silva et al. (2006) de que “a análise de campos organizacionais deve pressupor o surgimento de estruturas ou mecanismos pré-existentes com propriedades gerativas que potencializam os eventos observáveis [...]”,

Pluralismo Institucional Múltiplas ordens institucionais intervenientes Complexidade Institucional • Ordem institucional do cooperativismo; • Ordem institucional do agronegócio lácteo; Respostas Organizacionais Estrutura do Campo Atributo Organizacional Estruturação; Forma de gestão; Perfil dos associados;

Área geográfica de localização Manipulação Equilíbrio Desafio Consentimento Desacoplamento Possibilidades de respostas

optou-se por traçar, anteriormente ao processo de elucidação dos modelos teóricos-analíticos das possibilidades de respostas, quais seriam as pressões institucionais, ou ordens institucionais, daqueles subcampos organizacionais no contexto do agronegócio que teriam maior impacto simbólico (poder institucional), no âmbito das cooperativas lácteas.

Dessa forma, em relação a tal objetivação, percebendo-se a inviabilidade de se conjugar todas as possíveis32 ordens institucionais realizou-se uma projeção, conforme preconizado por Machado-da-Silva et al. (2006), daquelas mais prementes ao tipo de negócio em análise. Nesse sentido, decidiu-se pelo enquadramento de duas ordens institucionais principais: o subcampo do agronegócio lácteo e o subcampo do cooperativismo, concatenadas em um campo organizacional maior, o do agronegócio.

O subcampo do cooperativismo foi considerado em virtude do fato de que, conforme se percebe em Hogeland (2015), as diretrizes interpostas pela natureza da cooperação apresentam certa inércia institucional, apesar de alterações pontuais. Tal inércia se denota mesmo diante de fortes alterações contextuais com vistas a uma ideologia mercantilista hegemônica, conforme dispõe o mencionado pesquisador.

Por dedução a tais enunciados, pode-se perceber que o subcampo do agronegócio lácteo foi aqui entendido como aquele ambiente organizacional em que se apresentam as demandas institucionais contexto do mercado do leite. Nesse caso (subcampo do agronegócio do leite), há atores diversificados que se voltam, principalmente à busca de vantagens competitivas, de definições legais, normativas e estratégicas, fatores esses que acabam institucionalizando diversas demandas às organizações que operam na cadeia produtiva do leite.

A despeito dessas considerações traçou-se uma daquelas que seriam consideradas as principais demandas institucionais (regras cerimoniais) para os empreendimentos cooperativos (Quadro 7). Há de se ressaltar que foram tomadas, nesse contexto, as possibilidades definidas por Meyer e Rowan (1977), que preceituam pela consideração dos produtos, serviços, técnicas, políticas e programas. Considerou-se também, de igual modo, as determinações legais, representativas e as tendências de mercado preconizadas nos dois subcampos organizacionais anteriormente relacionados.

32 Conforme ressaltado por Greenwood et al. (2011) em organizações que se defrontam com a

Quadro 7 – Principais pressões institucionais a partir das diretrizes do subcampo do cooperativismo e do subcampo do agronegócio lácteo

Subcampo do Cooperativismo Subcampo do Agronegócio Lácteo

Envolvimento dos associados nas decisões e na gestão do empreendimento:

Sanidade e armazenamento adequado: • Normas formais vigentes;

• Instalação de laboratórios de análise; • Disseminação de cursos.

Assistência técnica extensiva (conhecimento técnico);

Princípio democrático (um homem um voto);

Alta especialização na atividade leiteira;

Prestação de assistência técnica ao quadro social (enfatizar a prestação de serviços ao invés da acumulação de capital);

Comportamento gerencial (conhecimento gerencial avançado) Ex. análise econômica das ações empreendidas, etc.

Valoração do leite por qualidade e volume; Não finalidade de lucro em suas atividades

econômicas;

Investimento tecnológico/inovação: • Redução da mão de obra;

• Melhoramento genético do plantel. Tratamento isonômico (direitos iguais para todos);

Alta pressão concorrencial; Ser altruísta (não explorar o negócio para renda);

Melhoria na qualidade da alimentação do rebanho;

Resistência a mudanças (preferência na

manutenção do status quo); Diversificação do portfólio;

Cooperação entre cooperativas; Alto volume produtivo (ganhos escala);

Identificação entre os membros do negócio; Gestão técnica voltada a busca de vantagens

competitivas ao negócio

Fidelização do associado; Restituição do capital investido no negócio por

parte do investidor;

Desenvolvimento da comunidade local;

Flexibilização da estrutura organizacional

(investimentos pouco definidos):

• Captação de recursos

despersonalizados;

• Desproporcionalidade no aporte de capital.

Educação, formação e informação dos membros e

colaboradores; Atuação global (expansão da área de atuação);

Protagonismo dos atores locais (associados): • Adensamento das redes sociais; • Autonomia dos produtores rurais

frente às grandes organizações

econômicas;

• Socialização ao macroambiente.

Orientação para o mercado;

Orientação para o quadro social. Preferência por produtores com localidades de fácil

acesso.

Fonte: dados da pesquisa bibliográfica.

É preciso destacar que na elaboração do Quadro 6 não houve a pretensão de esgotar as diretrizes institucionais desses subcampos, apenas consubstanciar aquelas mais hegemônicas em cada ordenamento institucional. Além disso, não se pode deixar de mencionar que mesmo que algumas diretrizes possam pertencer a ambos os subcampos foram considerados apenas os apontamentos mais seminais de cada pressuposto escolhido (subcampo).

Se as pressões institucionais favorecem o isomorfismo, nota-se de maneira clara, no Quadro 7, que algumas diretrizes perfazem configurações antagônicas, conforme já era de se esperar em virtude da natureza do empreendimento cooperativo. Confirmando tais pressupostos, o trabalho de Faysse e Simon (2015) evidencia, por exemplo, que, ao passo que as cooperativas lácteas são cada vez mais cobradas pelo segmento de mercado por uma gestão da qualidade, sob o risco de prejudicar a imagem do empreendimento, alguns setores do cooperativismo são reticentes em relação a uma remuneração desigual da produção fornecida pelo quadro social (remuneração a partir de determinados padrões de qualidade) e/ou a negativa de recebimento de determinado produto que esteja em qualidade inferior, sob o argumento de que não se pode tratar o quadro social de maneira desigual.

Com a finalidade de compreender, assumindo-se a prerrogativa da existência de ações estratégicas das demandas institucionais ambivalentes. Dessa forma percebe-se que a assunção de uma crítica ao posicionamento da falta de consideração em relação a capacidade de agência das organizações com vistas ao processo de institucionalização33. Com base nessa consideração, existe ainda os apontamentos de Magalhães (2007), de que não há bases teóricas robustas que perfaçam uma análise da relação entre as predições ambientais e as respostas dadas pelas organizações situadas no agronegócio lácteo.

A isto posto, as pressuposições teóricas aqui delimitadas assumem algumas interpretações teórico-analíticas para a contextualização empírica desse fenômeno, a partir da concepção proposta por Oliver (1991).

Figura 12 – Enfoque das respostas organizacionais à complexidade institucional

Fonte: elaboração própria, a partir de Oliver (1991).

A concepção adotada por Oliver (1991) traça dois extremos e algumas possibilidades de ações (respostas) organizacionais às pressões institucionais advindas do campo (ver Figura 12). Num extremo a autora delimita a conformidade passiva e noutro, já com uma concepção considerável de agencia dos atores organizacionais, há a delimitação da resistência ativa. A partir dessas possibilidades extremas encontram-se algumas caracterizações intermediárias. A

33 Proposição baseada em Oliver (1991).

seguir serão traçadas as possibilidades de respostas adaptadas ao contexto das cooperativas lácteas, considerando-se as duas ordens institucionais anteriormente delimitadas como fatores de análise.

2.6.2 Manipulação

A estratégia da manipulação parte da concepção de que uma prática organizacional seja difundida ao campo organizacional e, a partir dessa difusão, se torne legitimada. Na concepção de Oliver (1991) seria o extremo oposto a estratégia de assimilar passivamente as demandas (Consentimento). Walter et al. (2011) afirma que o ato de se tornar legitimada faz com que essa prática iniciada nos limites da organização se torne uma própria prática do campo organizacional.

Percebe-se, por esse ângulo, que, inicialmente a organização desempenha ou implementa práticas não reconhecidas (creditadas) pelo ambiente organizacional. Todavia, atua no sentido de alterar o ordenamento institucional vigente com vistas à busca de assimilação daquilo que ora pratica.

Meyer e Rowan (1977, p. 348) afirmam que um dos principais esforços para se alterar ou moldar o ambiente institucional se desenvolve a partir de “organizações poderosas que forçam sua rede relacional imediata para se adaptar as suas estruturas e relações”. Isso ocorreria na medida em que, por exemplo, grandes cooperativas atuassem junto ao governo para subsidiar a produção láctea, reduzisse a percentagem de tributos incidentes nos principais insumos da cadeia produtiva do leite, dentre outros.

Por outro lado, no enfoque do cooperativismo, a manipulação poderia ser analisada em casos em que a organização refuta as demandas institucionais prevalecente em um dado contexto e faça com que às suas próprias perspectivas de legitimação sejam delimitadas como as mais aptas nesse ambiente.

Pode ocorrer, por exemplo, onde a cooperativa sendo um ator com forte poder local de maneira faça com que todas as práticas de manejo, em relação à produção e ao fornecimento do insumo (leite) sejam por ela definidas. Inclua-se nessa questão a forma de precificação e realização de pagamentos, dentre outros aspectos, mesmo que as práticas difundidas e praticadas pelo setor sejam outras. Por possuir forte atuação simbólica (poder), certamente cria- se uma dependência dos produtores rurais a esse empreendimento e não há risco de sofrer um processo de perda de legitimidade, pelo contrário, sua influência pode ser tão representativa que todas as demandas institucionais daquele campo se reconfigurem em relação ao que é praticado pela organização.

Outro aspecto que pode ser observado no escopo da estratégia da manipulação, sob um enfoque interno, poderia ser percebido quando a maioria dos associados decide por distribuir sobras e a direção do empreendimento atua sistematicamente, inclusive por coação ou por regulamentação interna, em alocar tais recursos nos fundos contábeis da organização (capitalização do negócio). A dependência dos associados ao arranjo institucional criado internamente, mesmo que alheio as vontades desses se torne algo usual.

Figura 13 - Representação esquemática da manipulação institucional realizada pela cooperativa agropecuária do setor lácteo

Fonte: elaboração própria.

Conforme se observa (Figura 13), os dois subcampos considerados nesta pesquisa, como difusores de pressões simbólicas, no âmbito de uma organização cooperativa do setor lácteo, situados internamente no campo organizacional do agronegócio (retângulo mais extremo) externariam suas demandas institucionais ao empreendimento (Foco 1). Este, por sua vez, por possuir forte poder simbólico, responderia, pela ação de seus atores internos, a essas demandas com outras de intensidade superior (setas mais densas com origem no retângulo).

O retângulo tracejado representa a área em que essas ações (disputas institucionais) são percebidas no âmbito prático com vistas à emersão da credibilidade (legitimação) organizacional. Adicionalmente, é preciso destacar, conforme anteriormente discorrido, que tal movimentação pode também se dar no contexto intra-organizacional (Foco 2).

Ressalva deve ser dada ao fato de que se acredita que a ação estratégica da manipulação, do ponto de vista de uma creditação externa, é difícil de ser implementada no segmento da cadeia produtiva do leite brasileiro, por parte das cooperativas, em virtude de ser este um contexto de

FOCO 2: REPRESENTAÇÃO

INTERNA FOCO 1: NATUREZA DAS

DEMANDAS Representação da área de origem da força da manipulação institucional Cooperativa do setor lácteo AGRONEGÓCIO Pressões Institucionais Pressões Institucionais Agronegócio do leite (empresarial) Cooperativismo agropecuário Credibilidade

mercado em que se percebe a existência de grandes conglomerados industriais de atuação disseminada geograficamente, inclusive multinacionais. Além disso, é uma cadeia produtiva, nas palavras de Magalhães (2007), igualmente marcada por uma ampla extensão. O que corrobora as afirmações constatadas por Saksa et al. (2007) de que em países em vias de desenvolvimento, as cooperativas lácteas, de modo geral, possuem baixa influência na totalidade do contexto institucional do agronegócio34. Obviamente que algumas exceções são passíveis de serem evidenciadas como no caso da Nova Zelândia, por exemplo. Naquela localidade existe uma única cooperativa responsável sozinha pela comercialização de mais de dois terços da produção láctea nacional (GRAY, HERON, 2010).