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A identidade organizacional como requisito de legitimação

2.5 O Campo Organizacional e o Neoinstitucionalismo

2.5.1 A identidade organizacional como requisito de legitimação

Seria pela elaboração e difusão de regras e procedimentos voltados a busca pelo reconhecimento e auxilio contextual, conforme advogam Machado-da-Silva e Fonseca (2010), que o ambiente organizacional (campo) tenderia a fazer com que as organizacionais se

23 “Institucionalização envolve o processo pelos quais os processos sociais, obrigações ou atualidades

assumem-se como possuindo um status de regra no pensamento e na ação social” (MEYER; ROWAN, 1977, p. 341).

tornassem cada vez mais semelhantes. A questão é que, no caso de organizações complexas, situadas em ambientes com ambições plurais, as demandas institucionais, por vezes, são ativamente ambivalentes. Assim, no caso dessas organizações, as tidas como complexas, por estarem situadas em intersecções com ordens institucionais ambivalentes, a assimilação isomórfica de práticas legitimadas, se não realizada de maneira estratégica, poderá ao mesmo tempo em que legitima o empreendimento a determinados setores, tende a prejudicar o reconhecimento em outros.

Nesse sentido, segundo Smith e Lewis (2010), necessário se faz uma maior compreensão acerca do modo como são administradas as tensões em organizações de natureza pluralística. Tal entendimento perpassará invariavelmente pela compreensão de como a organização se estrutura de maneira a atender as requisições a ela direcionadas, ou seja, em relação à busca por ações voltadas a formação de uma identidade organizacional que lhe garanta legitimação24 junto às demandas, por vezes, contraditórias (ALBERT; WHETTEN, 1985).

É preciso ressaltar novamente, sob tal conjuntura, que a identidade organizacional é o critério utilizado pelos atores externos e internos, como forma de validar a legitimidade de determinado empreendimento em seu campo organizacional, que é constituído por diversos subcampos25, ou ordens institucionais internas. Dessa forma, na concepção de Leuthesser e Kohli (1997), seria pelo comportamento e pelo simbolismo repassado, que a organização criaria sua identidade para seus diversos stakeholders. Essa diversidade de interrelação faz com que o processo de legitimação organizacional deva ser concebido por um enfoque multinível, coadunando perspectivas no nível macroambiental, bem como os processos no micronível.

Albert el al. (2000) explicam, a partir desse enfoque multinível, que a definição de uma identidade perpassa fatores que vão além do questionamento relacionado ao público interno (Quem nós somos?), mas de igual, ou importância superior, relaciona-se à compreensão dos atores externos (Quem são eles?). Há, dessa forma, uma estreita relação entre identidade (Quem nós somos) e identificação (Quem são eles).

Diante a essa necessidade de apresentação de uma identidade, mas também de uma identificação (Figura 7) que Dutton e Dukerich (1991) afirmam que a organização poderá sofrer

24 Albert e Whetten (1985) compreendem a identidade organizacional como os valores centrais e crenças

pelas quais o empreendimento é reconhecido, distinguido e considerado.

25 A noção de subcampo foi cunhada para expressar a existência de campos organizacionais imbricados

em campos maiores. A esse respeito Machado-da-Silva et al. (2006, p.178) evidencia que o campo organizacional “enquanto sistema social, possuí uma lógica interna que serve de referência para ações [...] sem, contudo, lhe conferir autonomia plena ou isolamento de processos sociais mais amplos dos quais faz parte”.

alterações estruturais internas com vistas a um ajustamento. Apontamento semelhante é exposto por Goia et al. (2000), ao afirmarem que a identidade organizacional é adaptativa, fluída e instável. O argumento contrapõe a ideia de uma estruturação organizacional como algo distintivo e duradouro, e perpassa a concepção de uma inter-relação de identidade e imagem. Se a identidade é mutável, por outro lado, ela deve estar pari passo com o que os demais atores atuantes no mesmo campo pactuam como “a mais adequada”. Tal preceito advém da necessidade de certa estabilização26. É sob esse aparente paradoxo que se incrustam as organizações tidas como plurais.

Ainda em relação à constituição do processo de identidade organizacional, bem como da identificação, Schulz e Hernes (2013) preceituam o conceito de adaptabilidade temporal. Nesse sentido, as configurações históricas também são características a serem consideradas, haja vista que influenciarão continuamente na consolidação da identidade organizacional presente, que por sua vez, também serão reconstruídas pelas demandas futuras. Haveria, nesse sentido, uma ajustada relação entre passado, presente e futuro à consolidação da estruturação organizacional, todas essas variáveis atuando sobre as requisições ambientais externas (Figura 6).

Figura 6 – Relação entre passado, presente e futuro na construção da identidade organizacional

Fonte: Schulz e Hernes (2013, p. 10).

A partir desse contexto, assemelha-se o fato proposto por Albert et al. (2000) quando os autores inferem que a imagem organizacional é comparável ao próprio conceito de

26 Magalhães (2007) afirma que as interações em um determinado campo organizacional só serão

estáveis, e, portanto, passíveis de qualquer reconhecimento a partir do compartilhamento de pressupostos cognitivos, padrões habituais e regras de governança amplamente difundidas.

Forças ambientais externas

Evocando memórias da identidade passada: Identificando tendências: Horizonte Escopo Formas de memória: Textual Material Oral Articulando créditos para identidade futura: Sinais da identidade passada Identidade presente Futura identidade Reinterpretando passado e futuro

identificação. Por esse entendimento, a imagem organizacional seria concebida como um uma construção dinâmica requerida pelo ambiente (campo organizacional), atual e futuro27, interpondo a necessidade de uma adaptabilidade.

Com vistas a uma externalização de como ocorreria o processo pelo qual as organizações buscam a legitimação, tanto em relação aos anseios ambientais, mas também no âmbito do comportamento intraorganizacional, considerando-se que o ambiente organizacional é instável (alta frequência de mudanças), Betektine e Haack (2015) traçaram um quadro esquemático com vistas a demonstrar como se daria tal processo (Figura 7).

Figura 7 – Modelo multinível de legitimidade organizacional

Fonte: Adaptado de Bikektine e Haack (2015).

Na perspectiva de Bikektine e Haack (2015), em ambientes de mudanças institucionais constantes e/ou em casos onde as demandas institucionais são diversas e ambivalentes, tal qual o contexto do agronegócio cooperativo, dadas as mudanças estruturais e legais existentes, as principais relações intervenientes no processo de legitimação estariam concentradas nos traçados mais densos da Figura 7. As demandas institucionais do ambiente macroestrutural, no caso de organizações pluralísticas, seriam estrategicamente implementadas e externadas pelos atores organizacionais no micronível, para a validação do empreendimento em seu campo interno e externo. Esse processo levaria ao alcance de uma creditação satisfatória, que em último nível atuaria também pela sobrevivência do empreendimento.

Essas demandas exteriorizadas, todavia, seriam objetivações das percepções dos atores organizacionais que, por gerenciamento das questões relacionadas às demandas institucionais

27 As tendências futuras também se revelam como condição à formação da identidade organizacional. Julgamentos Percepções Validade ou julgamento “coletivamente” legitimado Resultados organizacionais (performance, acesso a recursos, etc.) Instituições atuando por

meio de julgamento e validação Ações Comportamentos e propriedades organizacionais observáveis Macronível/Micronível Micronível

internas e externas (julgamento), conduziriam o empreendimento às suas ações de forma a atender o que é demandado (legitimação). Conforme se percebe, é a gestão das demandas institucionais no nível micro uma das responsáveis pelos resultados organizacionais. Esses resultados serão garantidos na medida em que houver a materialização dessas respostas em relação àquilo que o ambiente organizacional espera (julgamento valorativo por parte dos atores situados no campo).

No caso específico das cooperativas agropecuárias, as recentes mudanças no âmbito do campo organizacional do agronegócio, bem como as possíveis alterações no próprio contexto do campo organizacional do cooperativismo28, fariam com que, por dedução aos preceitos defendidos por Goia et al. (2000), surjam novas formas estruturadoras da identidade desse tipo de organização fazendo com que o ciclo evidenciado na Figura 8 se (re)configure em um contexto essencialmente dinâmico. A dinamicidade das demandas institucionais do campo organizacional em que se situam as cooperativas e das próprias características da natureza desse tipo de organização interpõe aos atores organizacionais, destacadamente aos domadores de decisão, a necessidade de ações na coordenação dessas variáveis com o objetivo de tornar o negócio sustentável do ponto de vista de sua sobrevivência, considerando-se que a legitimidade é condição necessária a tal feito.

A capacidade de agência dos atores organizacionais pode, contudo, não cessar a capacidade dos conflitos internos, apenas dirimir as tensões mais eminentes. Uma corrente teórica relativamente recente voltada ao entendimento dessas características seria aquela que compreendesse que a cooperativa, enquanto organização híbrida, poderia se adaptar ao seu contexto de atuação, sem necessariamente abrir mão de suas peculiaridades distintivas ao mesmo tempo em que se credita em seu ambiente (campo organizacional). É por tal contextualização teórica que Yu (2015) vai afirmar que a perspectiva da ação institucional estratégica em organizações situadas em campos organizacionais com perspectivas ambivalentes pode quebrar a focalização teórica que preceitua a vigência do isomorfismo, em relação ao processo de legitimação.

Tal afirmação, na visão do referido autor, se dará na medida em que múltiplas fontes de agência para a obtenção da legitimidade serão propostas por meio de uma capacidade interpretativa dos atores sociais voltada à combinação de lógicas paradoxais. A combinação de

28 Fulton e Giannakas (2013) advogam que a própria natureza da Teoria Cooperativista tem se alterado

diferentes lógicas resultará em novas práticas de governança institucional estrutural, cujo fim será a manutenção da viabilidade do negócio.