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3. GESTÃO DEMOCRÁTICA E QUALIDADE DO ENSINO

3.9 A gestão da educação

Viera (2006) afirma que o termo “gestão” busca incorporar os ares de modernidade que as novas palavras costumam trazer, embora sejam apenas outro rótulo para o que já existia.

As políticas de intenções do poder público materializam-se na gestão pública, que apresenta três dimensões: o valor público, as condições de implementação e as condições políticas.

O valor público sugere a intencionalidade das políticas: a Constituição, ao afirmar que a educação é “direito de todos e dever do Estado e da família” (Art. 2), professa um valor público, que só ganhará materialidade precisa se traduzir em políticas que deverão ser concebidas e operacionalizadas através de ações de gestão. Este tema, gestão democrática, ganhou preferência dos estudiosos da educação por representar um “valor público” das políticas e da gestão.

As condições de implementação e as condições políticas que são territórios da prática costumam ser aspectos não estudados ou mesmo negligenciados pelos teóricos. No entanto, são estes aspectos que asseguram a sustentabilidade dos valores e sua tradução em política. Nenhuma gestão será bem-sucedida sem valorizar estas duas dimensões. As ideias de uma gestão precisam ser viáveis (condição de implementação) e aceitáveis (condições políticas).

Boas ideias de baixo custo são poucas, continua Vieira (2006), boa educação requer elevados investimentos e a dimensão financeira é um componente fundamental da gestão, tende a ser ignorada na formulação de promessas e planos e assim é que um grande contingente de boas intenções se desvanece no cotidiano da gestão. Um bom exemplo é o Plano Nacional se Educação (PNE), que movimentou pessoas, muitas energias e finalmente foi sancionado pelo presidente da república em janeiro de 2001. Ao fazer um estudo, mesmo que superficial, percebe-se que boa parte das intenções ficaram somente no papel.

O fracasso dos planos em educação deve-se geralmente a dois problemas: excesso de propostas de um lado e, por outro lado, à falta de previsão orçamentaria. Impossível resolver tudo de uma vez, quando o ideal e mais prudente é definir metas de curto, médio e longo prazo e trabalhar arduamente para o alcance dos resultados esperados. Ainda assim é difícil transformar em ação o estoque de propostas porque a gestão é tarefa complexa e situa-se na esfera das ações, da prática do que tem de ser feito. O que tem de ser feito nem sempre agrada a todos. Não dá votos, fere interesses, desestabiliza o que está posto e, por menor que seja a mudança, atinge pessoas e corporações.

Mudar nunca é simples, até nas coisas mais elementares, como a cor de uma parede, retirar ou acrescentar uma disciplina, imagina-se aí mudar vantagens corporativas! Gente resiste, reage, faz corpo mole e abandona o gestor na primeira medida antipática à maioria. E gestão se faz em interação com o outro. Este trabalho de gestão implica sempre em conversar e dialogar muito, se não for assim, perdem-se e inviabilizam-se as melhores ideias. O diálogo é

um instrumento fundamental, mas há outros ingredientes que alimentam este processo: a negociação é importante porque gestão trata de interesses contraditórios e conflituosos que requerem a presença de uma liderança.

Ao mesmo tempo, existem coisas a serem feitas que independem de negociação, que desagradam, mas são necessárias, que tiram o sono do gestor e pode levá-lo de popular à mais ferrenha impopularidade e rejeição. Fazer bem feito o que precisa ser feito pode ser tarefa impopular e é aí que a liderança se faz necessária. Pois a gestão requer humildade e aceitação, administrar escassez e conflitos, tomar decisões em situações complexas que não estão previamente estabelecidos e não constam em manuais. A formação de gestores pode ajudar na preparação para atuação nestas situações que a autora chama de zonas de sombra da impopularidade.

Trata-se aqui do chão da gestão, uma dimensão tão importante quanto outras bem mais estudadas. Vieira divide para melhor explicitar a gestão em educação em três adjetivos com significado e valor: a gestão educacional, a gestão escolar e a gestão democrática. A gestão educacional refere-se ao âmbito dos sistemas de educação; a gestão escolar diz respeito às instituições escolares; e a gestão democrática constitui-se no “eixo transversal”, podendo estar presente ou não nas esferas. À luz das ideias de Vieira (2006), vamos aprofundar estes conceitos.

Gestão educacional nacional, em acordo com a Constituição Federal (CF) de 1988 e com a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB- Lein.9394/96), se expressa pela organização dos sistemas de ensino da União, dos Estados e dos Municípios, nas diferentes formas de articulação entre as instâncias normativas, deliberativas e executivas do setor educacional e oferta de educação escolar pelo setor público e privado. Nesse contexto do setor público, é tarefa compartilhadas entre União, Estados, Distrito Federal (DF) e os municípios, organizada em forma de colaboração (CF, Art. 211 e detalhada na LDB, Art. 8º). As competências e atribuições estão explicitadas na Emenda Constitucional 14/96 (Art. 3º) e detalhadas pela LDB (Art. 9º, 10, 11, 16, 17, 18, 67). A educação básica é atribuição dos Estados, Distrito Federal e dos Municípios.

A União tem papel coordenador, articulador e redistributivo (LDB, Art. 8º), incumbência e responsabilidade pela educação dos povos indígenas repartida com os sistemas de ensino (LDB, Art. 78,79). É preciso, segundo a lei, organização descentralizada da diversidade nacional.

Para a autora, se a organização da gestão educacional é disposta assim, na sua prática é atravessada pelos elementos anteriormente discutidos, como: condições de implementação que

dependem da disponibilidade financeira, recursos humanos, entre outras condições materiais e imateriais. Depende ainda de circunstâncias políticas que envolvem negociações e conflitos. As definições feitas na Constituição e LDB fazem com que a gestão educacional se situe nas ações dos governos.

A gestão escolar, como o próprio nome diz, refere-se ao estabelecimento de ensino. A LDB de 1996 foi a primeira das leis de educação a dar atenção à gestão escolar e a atribuir um número significativo de incumbências às escolas, como planejar e executar proposta pedagógica, administrar recursos, pessoal, cumprir calendário, recuperação de alunos de menor rendimento, articulação com famílias, entre outras atribuições (LDB, Art. 12, Incisos I a VII). Aqui assinala o momento em que a escola passa a ter novo foco na política brasileira.

A primeira grande atribuição é a elaboração da proposta pedagógica, e desta elaboração dependem as importantes ações, já que a proposta é o norte da escola, pois define caminhos e rumos. Tem ainda que gerir seu pessoal, recursos materiais, imateriais e financeiros, em que os imateriais referem-se às pessoas, às ideias, à cultura produzida em seus processos.

E continua Vieira (2006), acima das dimensões referidas está o ensino e a aprendizagem, que é a razão de ser da escola. Logo, cabe à escola velar pelo cumprimento do plano de trabalho docente, cumprimento dos dias letivos, cumprimento do tempo pedagógico diário, segundo o que regem as leis. E como vimos também em Paro (2001), precisa criar mecanismos para que todos aprendam, já que o trabalho só se realiza mediante o resultado deste e o resultado do trabalho da escola é o aluno que sabe, que aprendeu. A lei cita trabalhos de recuperação dos alunos de menor rendimento (Inc. III, IV e V).

No Art. 12 da LDB temos outra dimensão da gestão escolar, que está assim traduzida: “articular-se com as famílias e com a comunidade, criando processos de integração” e “informar aos pais e responsáveis sobre frequência e rendimento dos alunos e execução de sua proposta pedagógica” (Inc.VI e VII).

Quanto a autonomia da escola, temos na LDB (Art. 15) assegurados “progressivos graus de autonomia pedagógica e administrativa e de gestão financeira”. Vieira (2006) explica aqui que o entendimento é o de que a autonomia de uma escola é algo construído a partir de sua identidade e história. Sua forma de existir, sua história o seu tamanho, seu corpo docente, como observa as diretrizes, seu desempenho e gestão de recursos.

Em Medeiros & Luce (2006, apud VIERA, 2006), a autonomia é sempre de um coletivo, da comunidade escolar, e para ser legitimada, o coletivo deve se reconhecer nesta instituição de lógicas e interesses na qual diferentes poderes se equilibram. Como foi visto, a gestão educacional situa-se numa esfera macro e a gestão escolar situa-se numa esfera micro e se

articulam mutuamente. A gestão educacional justifica-se em função da gestão escolar. A gestão escolar trabalha para assegurar o que é próprio de sua finalidade. As duas gestões aqui refletidas articulam-se mutuamente pelas definições gerais da gestão educacional. Pode vir a existir problemas de comunicação entre estas duas instâncias, mas é preciso avançar nesta questão para aproximá-las, lembrando que sua finalidade última é a educação como “direito de todos” para o “desenvolvimento pleno da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho”, conforme a Constituição (Art. 205) e a LDB (Art. 2º).

Sobre a gestão democrática, Viera (2006) destaca ser um dos temas mais discutidos, como vimos nos autores já aqui explicitados, e que é um grande desafio em sua operacionalização, tanto na gestão educacional quanto na gestão escolar, ambas com base legal na Constituição de 1988, têm um de seus princípios no Art. 206, Inciso VI, definindo “a gestão democrática do ensino público na forma da lei”. No mesmo sentido, segue a LDB e acrescenta as palavras “e da legislação dos sistemas de ensino” (Art. 3º, Inciso VIII). Chama a atenção aos limites da LDB ao tratar do “valor público”. Vejamos:

Os sistemas de ensino definirão as normas de gestão democrática do público na educação básica, de acordo com suas peculiaridades e conforme os seguintes princípios: I- participação dos profissionais da educação na elaboração do projeto pedagógico da escola; II- participação das comunidades escolar e local em conselhos escolares ou equivalentes (LDB, Art.14).

A democracia refere-se à esfera da escola, mas os anseios que se manifestam na educação por gestão democrática não se esgotam na esfera escolar. O que se anseia na verdade pode ser explicitado nas citações de (MEDEIROS & LUCE, 2006, apud VIEIRA, 2006), o discurso pedagógico defende a gestão democrática como partindo dos mecanismos institucionais, das formulações de políticas educacionais, dos objetivos e fins da educação, na alocação de recursos, de investimentos, deliberações e avaliações. Isto deveria ocorrer com os atores envolvidos com educação. E que devem ocorrer nos sistemas e nas instituições escolares. Limitar a gestão democrática à instituição escolar, mesmo estando posto na LDB, não alcança as expectativas de educadores que desejam ser agentes de formulação de políticas de gestão.

A gestão democrática que fica só na escola é uma mera intervenção que se pensa e se articula para os outros, o que ocorre na política sindical, partidária e outras formas de militância. A educação básica é expressão que começa a ganhar força a partir da Conferência Mundial de Educação para Todos, realizada em Jomtien, na Tailândia, em março de 1990. O produto desta conferência foi um documento denominado “Declaração Mundial sobre Educação para Todos”, e os objetivos são, entre tantos, a expansão da educação.

Nesta declaração, afirma Viera (2006, p. 7), a educação básica é a “base da aprendizagem permanente e que a partir dela os países podem construir níveis de educação mais adiantados”. Seu espaço seria, portanto, a educação fundamental que apresenta a educação básica primeira, fora da esfera familiar.

E Vieira (2006, p. 7) nos afirma que o termo “educação Básica”, não aparece na Constituição de 1988, mas ela abre caminho para que apareça na LDB de 1996, uma vez que trata do ensino fundamental, ensino médio e atendimento a creche e pré-escola (CF, Art. 208, I, II e IV). Em tese, a distribuição desta modalidade de ensino para Estados, Distrito Federal e Municípios parece simples, mas isto ocorre em função de muitas questões, inclusive a financeira. No entanto, outras questões são muito importantes, como a função social da escola, “temos uma escola que não responde aos imperativos de qualidade de uma educação para todos”.

Nas últimas décadas, a escola recebeu segmentos da população que estavam fora dela, passaram a ser incluídos, mas não promovidos. Situação que precisa ser ultrapassada para que a escola pública cumpra sua função social e esteja à altura dos desafios do século XXI. Atualmente, há mais dissenso do que consenso sobre o que seja qualidade para todos neste século. Mas para esta autora, na visão de Braslavsky (2005, apud VIEIRA, 2006, p. 8), esta deve ser “ao mesmo tempo prática, racional e emocional”, deve formar pessoas “capazes de compreender o mundo e criar seus projetos”. E ainda destaca alguns fatores que podem contribuir para a construção desta educação: 1- foco na relevância pessoal e social; 2- a convicção, a estima e a autoestima dos envolvidos; 3- A força ética e profissional dos mestres e professores; 4- a capacidade de condução de diretores e inspetores; 5- o trabalho em equipe dentro da escola e sistemas educacionais; 6- as alianças entre as escolas e os demais agentes educacionais; 7- o currículo em todos os seus níveis; 8- a quantidade, a qualidade e a disponibilidade de materiais educativos; 9- a pluralidade e a qualidade das didáticas; e 10- condições materiais e incentivos socioeconômicos e culturais mínimos.

Para Vieira (2006, p. 8), vive-se em um tempo em que os problemas já foram diagnosticados e a sociedade deve muito em termos de soluções. Talvez porque nem sempre as ideias dos que pensam e fazem a política, a gestão da educação e da escola, convergem. Os que pensa a gestão, acha que basta a teoria, não percebe a prática ou com “rica totalidade de determinações e de relações numerosas”. Para quem faz a gestão, o problema é se limitar à prática, outro agravante. O melhor caminho é sempre começar pelo concreto, indo da prática à teoria e da teoria à prática, sempre tendo como norte a função social da educação.

As políticas e a gestão precisam encontrar e efetivar a essência da ação educativa. Ensinar e aprender, esta é sua razão de ser, de existir. Gestão escolar só é bem-sucedida quando está voltada para a aprendizagem dos alunos, vale ressaltar que, de todos os alunos. A escola é espaço de difusão do saber, e seu esforço deve estar voltado para aqueles pelos quais ela foi pensada e criada.

Mas no cotidiano escolar são tantos os problemas que a gestão pode desviar-se desta tarefa e perder-se em emaranhados sem fim. Para que isto não ocorra, se faz necessário uma vigilância permanente e cuidadosa sobre os processos de produção do saber na escola, criar cultura de avaliação de seu trabalho, vendo as necessidades no interior do sistema.