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3. GESTÃO DEMOCRÁTICA E QUALIDADE DO ENSINO

3.3 Gestão escolar: uma construção

Para Lück (2011c) existem aspectos que caracterizam as mudanças de paradigma na educação e que são aspectos que não ocorrem de forma isolada, se relacionam entre si para a transformação da realidade. Alguns avanços são apontados para a transformação da ótica limitada: deixar a visão fragmentada para ver o conjunto; expandir responsabilidade para todos; descentralização de autoridade; perceber o processo dinâmico, contínuo e global; relações mais horizontais; ações que visam a coletividade.

A fragmentação, que separa territórios pedagógicos, pode gerar até concorrência dentro da mesma instituição, cada departamento gera demandas. Nos sistemas educacionais é comum ocorrer essa compartimentalização, o que torna impossível um trabalho integrado. Dificultam também o trabalho da escola, que fica sobrecarregada com as demandas desencontradas e sempre “urgentes” dos sistemas. Em Silva (1995, apud LÜCK, 2011c) vimos que os dirigentes escolares se queixam de “ser impossível servir a tantos senhores ao mesmo tempo”. De uma supervisora, ouviu-se que seria bom se os órgãos centrais falassem a mesma linguagem, estabelecessem prioridades, respeitassem limitação de tempo e pessoal, que são muitas as solicitações.

Mas a realidade é dinâmica e os sujeitos, juntamente com os acontecimentos e as ações, formam um todo que possibilita a atuação de forma significativa de modo a influenciar e ser influenciado por esta realidade. É preciso reconhecer a diversidade, o contexto com suas limitações para, a partir desse entendimento, poder agir no concreto que nega o ideal, que valoriza, como já foi citado, as contradições que ajudam ao desenvolvimento.

Um segundo ponto que a autora cita é a expansão da responsabilidade que a escola deve ter sobre os resultados do seu trabalho, o que não ocorre pela fragmentação que leva cada pessoa ser responsável apenas por uma parte. Não gera pensamento reflexivo, pois como já foi dito, há neste caso a separação entre quem pensa e quem exerce. Pelos problemas que surgem, há uma transferência de responsabilidade. Culpa-se os governantes, culpam-se os diretores escolares, professores, alunos, entre outros. A escola pode ter pessoas altamente eficientes com tarefas burocráticas, cada um fazendo a sua função delimitadamente. Sobre isso temos o estudo de Senge (1990, p. 109), que nos alerta “que uma visão linear sempre sugere um único local de responsabilidade [...] ao dominar o pensamento sistêmico, a perspectiva é que todos compartilham a responsabilidade”. Para este autor, o pensamento sistêmico é o que percebe os feitos humanos, as organizações humanas são sistemas interconectados por fios invisíveis de ações, é a capacidade de ver os padrões como um todo.

Se na escola se constrói um conjunto orientado para uma pedagogia de qualidade, uma característica desta é a superação do entendimento limitado e linear de organização. Entender que cada um é parte do todo e que a construção da realidade requer interação entre os vários elementos, mediante a conscientização e redefinição de responsabilidades e não de funções. Questões como as educacionais, que são complexas, demandam ações interativas, sistêmicas. Ao expandir responsabilidades e ao serem assumidas, cria-se um novo ambiente de oportunidades de desenvolvimento para todos os envolvidos e para a instituição.

Em seguida, a autora aborda um terceiro aspecto importante para a mudança de concepção da educação, que é a descentralização das ações, que vem derrubando a burocracia garantindo uma ação educacional efetiva. Esta é uma mudança de paradigma alterando concepções, pois sem isso pode ser apenas estratégias para o alcance de metas e que não se sustentam a longo prazo. Voltando ao Senge, vimos que “as intenções de baixa alavancagem seriam bem menos atraentes se não fosse pelo fato de que muitas realmente funcionam a curto prazo” (SENGE, 1990, p. 91). É o que ele chama feedback de compensação: uma solução que cura os sintomas, mas que por mais que demore, o problema volta, e bem pior. Descentralizar é uma grande evidência de mudança de paradigma. Pressupõe respeito aos princípios democráticos, valorização das pessoas nas instituições se responsabilizando é força para sustentação das ações.

A descentralização no Brasil iniciou quando pela Legislação a responsabilidade prioritária com o ensino fundamental passa aos municípios (Constituição Federal de 1988, Art. 211, parágrafo 2º). Em se tratando dos sistemas de ensino, a descentralização seria a transferência das responsabilidades e autonomia para a escola. No caso da escola, é dar vez e voz à comunidade escolar para que construa e implemente seu projeto pedagógico. Com estratégia aberta para o diálogo, interações, responsabilidade coletiva pela educação ali exercida.

Outra característica da concepção de gestão educacional, segundo Lück (2011c) são seus processos dinâmicos, contínuos e globais. Que consiga sair do ativismo imediatista que visa resultados próximos, e reconheça que como já é repetido constantemente: “educação é um processo longo e contínuo”, portanto, deve-se fugir do casuísmo que resulta em rotinas vazias de possibilidades, e passe a rotinas capazes de superar dificuldades do cotidiano. A autora destaca que a visão de conjunto é fundamental, pois como diz Ferguson, “é impossível modificar um elemento em uma cultura sem alterar todos os outros” (FERGUSON, 1993, apud LÜCK, 2011c, p. 84). É o conjunto interligado de ações e intervenções que vão dar continuidade aos processos de formação dos alunos.

Outra característica é deixar a burocracia e a hierarquização para a coordenação e horizontalidade. As regras, as competências para cada função, regras e normas conhecidos por todos; as produções são fragmentadas e não se tem ideia dos resultados do todo, seleção de candidatos ao exercício de acordo com competência técnica específica. Na maior parte das vezes são funções consideradas fins, quando na realidade são funções-meio. Ao ficarem complexas, as ações na escola passaram a contar com profissionais diversos, que não entendendo uma forma interativa de ação, passaram a simplificar as questões que surgem e consideradas um fim em si mesmas. O que deveria ser avanço, apenas encareceu o sistema com mais despesas sem trabalho produtivo. A burocracia inibe o espírito criador, mas também tem sido usada como desculpa para muitos se esquivarem de responsabilidades e justificar omissões e falta de compromisso com a educação, notadamente nos sistemas de ensino cuja responsabilidade maior tem sido zelar por normas e regulamentos estabelecidos. Para ações coordenadas e horizontais, é necessário o desenvolvimento e aperfeiçoamento dos membros da instituição em perceberem o quanto o trabalho educativo é complexo, perceberem a importância do indivíduo e de todos, terem em mente a importância de se criar objetivos comuns para organização coletiva. Na escola, para que seja cultivado o espírito criador, construtivo, há necessidade de um ambiente propício que aceita uma burocracia mínima apenas para sua organização.

E finalizando as características enumeradas pela autora, temos que a concepção de gestão educacional passa da ação individual para a ação coletiva. As ações individualistas e competitivas são usadas em defesa de áreas e territórios, são contrárias à realização de objetivos educacionais. Percebe-se este comportamento em todos os setores de gestão de escolas e sistemas de ensino. Luta-se por espaço e poder. Na escola é o professor em sala lutando por sua autonomia didática sem esforço para integrar o seu trabalho com os demais colegas. Também não se esforça para participar de funções abrangentes na escola. Nos sistemas, são vários departamentos com seus objetivos, que resulta em paralelismo de intervenções sobre a escola, com muitas demandas, como já explicitamos anteriormente, bombardeando a escola de demandas.

O individualismo, quando coletivizado, cria o corporativismo defendido, sobretudo, pelos membros do grupo, inclusive em casos de negligência que são justificadas e legitimadas por este. Comportamento comum em escolas e sistemas de ensino, segundo Ênio Resende (1992, apud LÜCK, 2011c).

Tais posturas começam a ser superadas a partir do entendimento de que são inadequadas e da necessidade de uma ação coletiva da qual todos saem ganhando, pois aprimoram-se no

exercício da democracia, socialização e desenvolvimento individual e social, que passam a fazer parte de uma organização forte. Essa mudança se faz a partir de alguns pressupostos: a) o ser humano é ser social e só se desenvolve em interação com os demais seres humanos; b) a educação é um processo interativo-social que visa formar pessoas como seres sociais; c) a educação é processo complexo por envolver várias dimensões, o que requer ações conjuntas e articulada; d) a complexidade demanda organização escolar mediante ação conjunta e colaborativa; e) pessoas atuam de maneira mais felizes e produtivas quando o fazem de maneira colaborativa, pela troca e compartilhamento; f) o acolhimento e aproveitamento da diversidade são condições de desenvolvimento pessoal e das organizações; g) uma sociedade democrática se realiza a partir de responsabilidade e práticas de construção conjunta; h) problemas globais e complexos demandam ação conjunta e articulada de pessoas com pluralidade de perspectivas. A concepção de gestão educacional é de processo que mobiliza talentos e energia humana para a promoção dos objetivos educacionais que promovam a formação dos alunos. Aqui retornamos a Senge (1990, pp. 94-95), que diz: “o pensamento sistêmico não significa ignorar a complexidade. Ao contrário, significa organizá-la em uma história coerente que lance uma luz sobre as causas dos problemas e sobre a forma que eles podem ser solucionados de maneira duradoura”.

Existe, como vimos, uma dinâmica interativa entre administração e gestão que pode ser marcada por tensão, mas que ambas são úteis na perspectiva apropriada e promovem juntas a qualidade do ensino Ferguson (1993, apud LÜCK, 2011c). A gestão é importante no atual contexto da educação e organizações em geral superando, como vimos, o sentido de administração. Mas os níveis de consciência nas organizações são diversos, o que gera uma dialética de forças contraditórias. Cabe à organização a promoção de programas de capacitação nas unidades para reflexão e análise das questões de trabalho.