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A Greve de outubro de 1968: Considerações sobre a Aliança Operários/Estudantes e

Algumas análises da greve de outubro foram incisivas ao apontar a relação do fracasso do movimento com as orientações que eram colocadas para ele, marcadas por um sensível voluntarismo pequeno-burguês, expresso nas organizações de esquerda com base no movimento estudantil que, ao transpor para o movimento operário uma dinâmica estranha a ele, criavam mobilizações em cima de condições ―artificiais‖. Mas, como aponta Muniz, ―as explicações do fracasso do movimento parecem encontrar consistência menos nessas características apontadas do que em fatores externos ao movimento, quais sejam, da conjuntura política específica do momento da greve.‖ (MUNIZ, 1984, p. 231). O endurecimento do regime militar vinha se delineando, desde antes da greve de outubro, que acontecera num momento especialmente tenso, no cenário da política nacional. O mês de outubro de 1968 foi particularmente agitado, pois no dia 12 daquele mês, comandos da VPR (Vanguarda Popular Revolucionária) executaram em São Paulo o agente da CIA e capitão do

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Grossi narra esse episódio, dizendo que o local onde a CGG realizaria a assembleia geral para o desfecho da greve seria a filial da sede do sindicato dos metalúrgicos, situada em Contagem, que não fora ocupada pela

polícia. ―Aconteceu, porém, que um dos grupos políticos dissidentes de esquerda, sem discutir com a CGG,

encaminha os grevistas para uma Igreja e lá se declaram em assembléia permanente. Enquanto a CGG, em Belo Horizonte, ultima providências para a assembléia programada anteriormente, a polícia cerca a Igreja,

exército norte-americano Charles Chandler. No mesmo dia, foram presos 740 estudantes que representavam colegas universitários de todo o Brasil no 30º Congresso da UNE, que estava sendo realizado clandestinamente no município de Ibiúna, SP.

O pior, entretanto, ainda estava por vir. A violenta invasão policial da Universidade de Brasília, ocorrida, em 29 de agosto, dera motivo para que, no início de setembro, o deputado Márcio Moreira Alves, do MDB do então Estado da Guanabara, fizesse, na Câmara Federal, discursos criticando a ditadura e os militares:

Seria necessário que cada pai, cada mãe, se compenetrasse de que a presença dos seus filhos nesse desfile é o auxílio aos carrascos que os espancam e os metralham nas ruas. Portanto, que cada um boicote esse desfile. Esse boicote pode passar também, sempre falando de mulheres, às moças. Aquelas que dançam com cadetes e namoram jovens oficiais. (ALVES, 1968).

Os ministros militares julgaram ofensiva a fala de Moreira Alves e exigiram sua punição. Ainda em 12 de outubro, o governo pediu à Câmara a cassação do deputado. No dia 12 de dezembro, o pedido de licença para processar o parlamentar foi votado pela Câmara e rejeitado por 216 votos a 141, resultado comemorado com hino nacional e aplausos das galerias.

Em 13 de dezembro de 1968, o país entra na fase mais violenta da ditadura militar, que decretou o Ato Institucional número 5 (AI-5), um verdadeiro ―golpe dentro do golpe‖. Esse ato institucionalizou o terrorismo de Estado, que prevaleceria até meados dos anos 70. O regime de exceção colocou em recesso o Congresso Nacional e as Assembléias Legislativas estaduais. O poder executivo passou a ter plenos poderes para suspender direitos políticos dos cidadãos, para legislar por decreto, julgar crimes políticos em tribunais militares, cassar mandatos eletivos, demitir ou aposentar juízes e outros funcionários públicos. Foi suspensa a possibilidade de ―habeas corpus‖ para crimes políticos e, ao mesmo tempo, multiplicaram-se prisões de opositores ao regime, intensificou-se o uso da tortura e do assassinato, sempre em defesa da ―segurança nacional‖.

Com o endurecimento do regime, a perseguição política fez com que inúmeros estudantes, operários, políticos, intelectuais, artistas e outros oposicionistas fossem presos, torturados, mortos ou obrigados ao exílio. A censura passou a fazer parte do cotidiano dos meios de comunicação de massa e de todo tipo de produção artística e cultural.

Nessas condições, nem os estudantes e nem os operários, que haviam protagonizado grande parte dos eventos grevistas e das manifestações de 1968, teriam como seguir com a

luta no espaço público, na visibilidade que acompanha os movimentos sociais numa sociedade democrática. Nas palavras de Antunes e Ridenti,

[...] o movimento estudantil, derrotado, engrossou as fileiras da luta armada contra a ditadura militar através de várias de suas lideranças e militantes. O movimento operário, depois das derrotas de Contagem e Osasco, refluiu fortemente e teve também vários de seus quadros mais à esquerda incorporados à luta armada. Ambos desnudaram o sentido profundamente ditatorial e terrorista do Estado brasileiro e foram, por isso, violentamente reprimidos. (ANTUNES; RIDENTI, 2007, p. 88).

É impossível deixar de levar em conta essa parcial co-incidência desses dois movimentos, ou as discussões levantadas por ela nas abordagens que foram feitas no sentido de se entender as greves operárias de 1968. A evidência da presença estudantil, articulada pelos grupos de esquerda, somente não foi devidamente analisada por um dos registros mais completos das greves de 1968, devido, talvez, à proximidade no tempo e à natural dificuldade de se ter depoimentos de envolvidos, considerando-se o regime de exceção existente na época.

Foi em 1972 que saiu a primeira análise das greves de Contagem e Osasco, de autoria de Francisco Weffort, que identificou na greve de abril, em Contagem, um caso típico de movimento espontâneo das massas populares. Segundo ele, ―ela ocorreu, como um ato espontâneo da massa operária e sua espontaneidade terminou por impor-se, mesmo àqueles que, refeitos da primeira surpresa, tentaram controlar, coordenar ou dirigir os acontecimentos.‖ (WEFFORT, 1972, p. 22). Esta é uma análise que vai ter o mérito de situar a classe operária como sujeito político, que se constrói enquanto tal, na prática e na luta, bastante coerente com uma concepção de classe como sujeito capaz de construir sua própria história. Weffort

[...] constrói uma imagem de classe que se faz na luta política de suas organizações sindicais, mesmo que sua imagem de classe seja a de um movimento subordinado pelas estruturas impositivas do estado [...] Sua classe operária é uma que sai às ruas, que faz greves apesar dos sindicatos e dos partidos, mostra energias e um ímpeto reivindicativo indisfarçável. (PAOLI; SÁDER; TELLES, 1983, p. 146).

Seguindo o raciocínio de Weffort, a reação espontânea a um contexto que envolvia ―crise econômica, crise sindical e insatisfação social‖ teria criado as condições para a greve. Ele aponta o tratamento de choque aplicado à economia pelo governo Castelo Branco como responsável por efeitos depressivos mais amplos em Belo Horizonte e região do que em outras áreas do país.

Weffort identifica também a crise sindical, observando que os sindicatos sofriam intervenções mais duradouras na região de Belo Horizonte, se comparados a outros sindicatos,

nas demais regiões do país. (WEFFORT, 1972, p. 32). Desta crise, fazem parte as eleições sindicais que deram vitória, no caso de Belo Horizonte e Contagem, à oposição sindical, a qual, por sua vez, teve a sua chapa golpeada pela cassação de quatro de seus membros eleitos. (WEFFORT, 1972, p. 31) Ao lado disso, várias empresas da região, em 1967 e 1968, estavam demitindo ou atrasando salários (WEFFORT, 1972, p. 33), contribuindo, portanto, para um clima de insatisfação e crise, que se ampliava e repercutia nos jornais mimeografados clandestinos, produzidos pelas organizações da esquerda que desenvolviam atividades na região. Na visão de Paoli, Sáder e Telles, ao pensar o lugar da classe operária como lugar político produzido na história, Weffort situa esse lugar como

[...] estritamente delimitado pelas relações instituídas pelo Estado, exigindo, portanto, que a classe, enquanto sujeito, assuma uma figuração precisa. Ela se dá

através do sindicato ou do partido. E mesmo quando (caso de ―Contagem e Osasco‖)

esse sujeito se constitui num outro espaço - a fábrica -, o significado desse lugar é expressão da impossibilidade política do sindicato. (PAOLI; SÁDER; TELLES, 1983, p. 149).

Na opinião de Grossi, Weffort

[...] parece não ter condições para perceber a greve de abril menos como resultante da conjuntura econômico-social, que de conflitos inter-grupos políticos de esquerda que atuavam nesta área. Estes grupos, compostos por operários e estudantes em sua maioria, reivindicam a hegemonia de determinado processo e tentam ser agentes da história. (GROSSI, 1979, p.51-52).

Na verdade, a atuação desses grupos tem um importante papel nas discussões que pautavam a data mais adequada para se iniciar a greve nacional, conforme mostra Neves, ao citar entrevista de um ex-militante de um deles (Polop/POC):

[...] foi a conjugação de três fatores, a oposição sindical, os grupos de esquerda e a própria conjuntura que criaram as possibilidades do surgimento da greve. As organizações de esquerda trabalhavam para a greve nacional em julho, mas havia muitas divergências entre as esquerdas, inclusive a respeito da própria data de greve. (NEVES, 1995, p. 138).

Ao que parece, é o próprio conceito de ―espontaneidade operária‖, na abordagem que dele faz Weffort, que deixa em aberto o espaço da contestação ao seu postulado, no caso da greve de abril em Contagem: segundo ele,

[...] uma greve pode ser considerada espontânea quando a massa operária decide e realiza por si própria, um movimento de defesa de interesses econômicos ou sociais. Os operários, nestes casos, contam certamente com líderes, embora desconhecidos do público e das autoridades, e com alguma forma circunstancial e elementar de

organização, mas não com uma organização corporativa (ou política). (WEFFORT, 1972, p. 22).

Assim, fica mais visível a crítica que se faz a esse autor, na medida em que, ao observar que se baseia em informações da imprensa20, ele é questionado por não tratar da

história de luta dos movimentos de esquerda da região e nem da participação efetiva de estudantes, que buscavam construir uma frente de lutas operário-estudantil contra a ditadura militar. A dificuldade em ter acesso a outras fontes e trabalhar com uma diversificação metodológica mais à altura do fenômeno observado, no entanto, não diminui o mérito do autor, na medida em que ele, ao falar da greve espontânea, lembra que ela pode representar uma forma ―embrionária de consciência social dos operários que no ato da greve abandonam a costumeira posição de submissão e assumem uma atitude de resistência coletiva aos grupos dominantes, de dentro ou de fora da empresa.‖ (WEFFORT, 1972, p.24). A validade dessa observação, no caso específico da greve de abril, mesmo não tendo sido esta uma ―greve espontânea‖, liga-se ao fato de que ela envolveu, de fato, características de iniciativa dos operários e força da categoria. Citado por Magda Neves, o sindicalista Ênio Seabra, lembra que, ―apesar da presença dos grupos de esquerda, eles eram minoria, em face da experiência dos trabalhadores. Pois estes é que enfrentavam o dia-a-dia, as péssimas condições de trabalho, a situação de arrocho, as ameaças de desemprego.‖ Ênio acrescenta: ―Nessas lutas, o objetivo era ver o trabalhador organizado. Era um ideal, uma vontade. A cada luta, a cada momento, a gente se sentia armado‖ (NEVES, 1995, p. 141).

Após a chamada abertura democrática, a anistia, o retorno dos exilados, os depoimentos dos envolvidos, lideranças sindicais da época, militantes que deram entrevistas a pesquisadores, participantes dos acontecimentos que escreveram a respeito da experiência, vieram reforçar a memória da participação dos que, embora não sendo operários, se mobilizaram e tiveram algum papel na construção daquela greve de abril. Nesse rebuscar da memória, vale lembrar aqui as palavras de Nilmário Miranda:

20Weffort menciona as limitações de método: ―[...] não foram poucas as dúvidas que tive sobre a qualidade do

material coligido e apresentado a seguir. Tive que me basear em informações da imprensa, além de umas poucas informações censitárias, e como se sabe nem sempre o interesse do jornalista coincide com o do cientista político ou do sociólogo. Além disso, é precisamente no campo das questões do desenvolvimento interno do movimento sindical onde as informações jornalísticas são menos abundantes e, ainda assim, nem sempre completamente confiáveis. Deste modo, dimensões tão importantes como, por exemplo, a dinâmica das relações sociais no interior das empresas, as relações entre liderança e base no interior dos sindicatos ou a presença de influências políticas no âmbito dos movimentos grevistas, ocupam no conjunto deste estudo um

Quarenta anos depois, as lideranças criticam o importante estudo pioneiro do cientista político Francisco Weffort (1972) sobre a greve de Contagem, pela subestimação do papel do sindicato dos metalúrgicos e dos grupos de esquerda. Dezenas de militantes das classes médias atuaram em Contagem e no Barreiro. Pessoas que renunciaram às suas carreiras, com muita coragem pessoal, viam nas favelas, nos bairros desprovidos, assolados pela poluição, o espaço coletivo da classe operária, constituída como classe, agindo como classe, liderando a revolução. Consumiam suas noites, explicando a realidade capitalista, buscando introduzir novas práticas políticas, para além da revolta individual, da sabotagem de peças. Andarilhos e missionários da revolução, que acreditavam iminente. Tinham pressa: seu tempo se conta por dias e semanas. Percorrem as portas de fábricas, ponto de

ônibus, escolas noturnas, bairros, favelas, igrejas. Nos ‖aparelhos‖, os mimeógrafos

produzem boletins que eram distribuídos nas casas. (MIRANDA, 2008).

E os grupos de esquerda, com seus representantes no meio sindical, operaram decisivamente em muitos momentos, mas sempre marcando, com as suas discordâncias de estratégias, a sua diferença na relação com os trabalhadores. Integrados, na maioria, por estudantes, esses grupos tinham alguns trabalhadores entre os seus militantes e isto significava maior envolvimento nos processos de mobilização, na preparação das greves e algumas diferenças entre fábricas, na medida em que um determinado grupo era hegemônico numa fábrica e outro tinha maior influência em outra unidade industrial. Consta, por exemplo, que a greve na Belgo-Mineira saiu na frente, porque foi liderada pelo Comando de Libertação Nacional (COLINA, dissidência da POLOP, que produzia o jornal Piquete), constituindo surpresa até para as demais organizações. Segundo um dos militantes dessa organização, também liderança na greve, ―a Colina achava que não precisava ter época para agir como as outras organizações que marcaram a greve para julho. A organização discordava dessa data. Se tinha a oportunidade, se tinha as condições, se a gente tava preparado, a gente tinha que atacar naquela hora.‖ (NEVES, 1995, p. 141). Entre os membros da direção do sindicato, estava Argentino Martins, que era da COLINA. (OLIVEIRA, 2010, p. 129). Outra organização importante no movimento operário era a AÇÃO POPULAR, que tinha entre seus quadros algumas lideranças importantes dos trabalhadores: Ênio Seabra, Mário Bento e ―integrou na produção‖ importantes quadros políticos, além de deslocar outros para atuar nos bairros e lecionar nas escolas de Contagem e do Barreiro. Os militantes da AP distribuíam o boletim Companheiro e o Bodoque. A CORRENTE REVOLUCIONÁRIA tinha o vice- presidente do sindicato, Joaquim de Oliveira, entre seus quadros, e a secretária Conceição Imaculada, que posteriormente seria trocada pelo embaixador suíço, seqüestrado numa ação conjunta da Vanguarda Popular Rrevolucionária (VPR) e Ação Libertadora Nacional (ALN). Além desses quadros que atuavam no sindicato, a Corrente tinha estudantes e, entre eles,

alguns que se tornaram operários e atuavam nas fábricas e nos bairros, alguns ministravam aulas em um colégio no Barreiro, região onde ficam as instalações da Mannesmann.

Esse grupo produzia o boletim 1º de Maio. Havia outros grupos, como o POC, Partido Operário Comunista, vindo da POLOP, que teve entre seus quadros, militantes não- metalúrgicos, dentre os quais, Alcides Oliveira, Eleonora Menicucci e Otavino Alves e que encaminhou para Contagem diversos militantes que faziam mobilização e divulgavam o boletim Combate.

Entre as organizações de esquerda, havia ainda o PCB, Partido Comunista Brasileiro, que era a presença mais antiga da esquerda entre os trabalhadores da região. Na verdade, o PCB vinha passando por cisões, desde um pouco antes do golpe de 64, quando o chamado ―conflito sino-soviético‖ repercutiu nos seus debates internos e houve a divisão que resultou no PC do B, identificado, genericamente, com a ―linha chinesa‖. Após o golpe, a derrota das esquerdas levou a uma intensificação desses debates e diversos setores do partido indispuseram-se com as orientações que defendiam a aliança com a burguesia nacional como forma de derrotar o imperialismo.

As dissidências surgiram, em diferentes regiões do país, influenciadas pelo ideário da revolução armada, do processo da Revolução Cubana e da teoria do foco guerrilheiro. Essa teoria, que alimentou os programas de diversas dissidências da esquerda ―tradicional‖ em diversos países da América Latina, fez história no Brasil.

Mantendo-se contrário à proposta da luta armada, o PCB tinha a proposta de uma frente democrática antiimperialista, que propunha envolver as classes médias, setores da burguesia nacional, para restabelecer a democracia e criar condições para a luta de massas. (FREDERICO, 1991, p. 50). Os grupos dissidentes não aceitavam mais as formas de organização legal e questionavam essa posição, chamando-a de ―reformismo‖.

A cisão foi inevitável, mas o PCB conseguiu manter quadros atuantes, sobretudo em processos de formação política e arregimentação de novos quadros militantes.21

O partido, mantendo a linha de atuação no sentido de fazer aliança com a burguesia, para a obtenção de eleições democráticas, propunha o trabalho de retomada e reabertura dos sindicatos, como forma de estabelecer instrumentos democráticos para a luta contra a ditadura. Além da participação na organização de células importantes na Mannesmann e na Mafersa (NEVES, 1995, p. 141), o PCB contava com Antônio Santana, na diretoria do Sindicato, e ele ficou no cargo de presidente, com o impedimento da posse de Ênio Seabra.

21 Memória pessoal: alguns militantes da dissidência do Partido, participaram junto com quadros do PCB, do

Portanto, militantes do PCB tiveram participação atuante nessas lutas, em que pesem as suas divergências com os que optaram pelas organizações voltadas para a luta armada.22

Ao abordar as relações entre a esquerda armada e os trabalhadores, Ridenti cita Marighella:

Refletindo teoricamente sobre a experiência das greves de Osasco e Contagem, e

sobre as greves estudantis de 1968, Carlos Marighella inseria as ‗greves e interrupções do trabalho‘ nas tarefas do guerrilheiro urbano, a quem caberia ―preparar a greve e não deixar pistas ou vestígios que permitam identificar os

dirigentes da ação. (RIDENTI, 1993, p. 170).

É fora de dúvida que os trabalhadores, na sua maioria, ou mesmo a maioria dos que estivessem em greve, não estavam preocupados com as mesmas questões que preocupavam os militantes de organizações de esquerda que projetavam a luta armada.

Ao lado disso, um problema de identidade de classe atravessava essa relação, uma vez que as organizações de esquerda tinham, geralmente, maioria de estudantes entre seus quadros, e estes, sobretudo os universitários, vinham, em grande parte, da pequena burguesia. Esta era uma questão que ―incomodava‖ os grupos de esquerda. Alguns deles chegaram a discutir o problema da sua composição social. O tema foi recorrente na ―imprensa do exílio‖23. Embora alguns exilados tenham abandonado o interesse por política, a maioria o

manteve, reavaliando as suas concepções. O registro de suas reflexões traduzia uma espécie de autocrítica, bem como projetos de reorganização e rediscussão de estratégias, bem como retomava discussões sobre unificação das lutas por liberdades democráticas. As razões disso vinham com o aprendizado decorrente da derrota, como bem mostra Rollemberg:

A base social das organizações estava numa intelectualidade revolucionária, que dispunha de pouca adesão de militantes originários da classe operária. A solução para o problema, ou seja, a teoria do foco, além de se mostrar cega na avaliação da força do inimigo, demonstrava uma atitude paternalista em relação à classe operária. Daí podia-se compreender o isolamento da luta armada, cuja dinâmica superpunha- se à própria luta de classes. (ROLLEMBERG, 2007, p. 8).

Mas o fato é que essa questão se manifestava também entre os militantes que eram considerados ―reformistas‖ ou ―conciliadores‖, a começar pelo PCB, onde a presença da

22 Memória pessoal: mesmo após a cisão, de 1967, alguns companheiros do PCB consideravam os que saíram