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Antecedentes: a região de Betim, a industrialização e a formação da classe

Algumas informações sobre o cenário em que essas lutas e essas experiências sucederam podem ser importantes para uma melhor análise de um processo de auto-afirmação e formação de uma classe, enquanto sujeito político, ou de alguns sujeitos que assumiram o protagonismo de uma classe, segundo eles mesmos deram a entender em suas entrevistas. Nos antecedentes desse processo há toda uma história de trabalho, de trabalhadores, de grupos de pessoas que vieram construir relações sociais e políticas no lugar, além das transformações nas atividades econômicas, que resultaram em transformações na composição da população, com fortes modificações nas estruturas da sociedade local. Nesse caso, adquire importância o conhecimento sobre o lugar, como se deu o povoamento, a origem dos que vieram viver nele, sua cultura, suas condições de moradia, de vida em geral, os recursos com os quais puderam contar em toda uma sucessão de acontecimentos que levaram à industrialização e à formação da classe trabalhadora local.

Localizada a trinta e um quilômetros de Belo Horizonte, a cidade de Betim teve destacado papel no processo de aceleração do desenvolvimento industrial da região, como pólo de atração de investimentos industriais, sobretudo do setor automotivo e sua cadeia produtiva, em pleno processo de internacionalização do capital. Para a o município e para toda aquela região industrial, esse processo trouxe no seu bojo as formas de exploração do trabalhador que produzem o chamado ―trabalhador de massa‖. (PALLOIX, 1982, p. 89), e trouxe o tratamento que o capital proporciona à força de trabalho nos países periféricos: baixos salários e más condições de trabalho.

Fato decisivo para a consolidação futura enquanto região industrial foi a criação da Cidade Industrial de Contagem, pelo governo estadual, em 1941. O planejamento estadual, no período, busca integrar Minas na implantação e desenvolvimento da indústria siderúrgica, no contexto das políticas de substituição de importações. A construção da fábrica da Magnesita, com a produção de refratários, na Cidade Industrial de Contagem, e a implantação da Mannesmann, no Barreiro, Belo Horizonte, na década seguinte, mostram que se procurava consolidar, na localização do processo de industrialização da Região Metropolitana, a facilidade de acesso a São Paulo. A aceleração do processo de industrialização e a política de atração do capital da indústria automobilística na segunda metade dos anos 1950 ocasionaram a ampliação e a modernização da rede rodoviária, com a construção de grandes vias asfaltadas

atravessando toda essa área industrial. Esses fatos criaram condições melhores para a implantação de uma nova fase industrial, a partir dos anos sessenta, com uma série de grandes indústrias, nacionais e multinacionais se estabelecendo na região. O processo de industrialização trouxe para Betim, a partir dessa época, inicialmente a Refinaria Gabriel Passos, da Petrobrás. Na década seguinte, o processo de industrialização se intensificou enormemente.

A política de incentivos fiscais e financiamentos que o governo mineiro vinha desenvolvendo, desde 1969, viabilizou a chamada ―Nova Industrialização Mineira‖, que atraiu inúmeros empreendimentos, com o setor mecânico apresentando a maior proporção de investimentos. Em Betim, nesse setor, podemos citar a FIAT, a Krupp e a FMB, entre outras indústrias, com uma grande capacidade de absorção de trabalhadores, o que intensificou o processo de imigração que já vinha significativo. O ramo metal-mecânico, que absorvia cerca de 25% da mão–de-obra industrial no início dos anos 70, passou a absorver 35% da mão-de- obra nos novos investimentos. (QUIRINO; MEDEIROS, 1978). Nesse ramo mecânico, é a indústria automobilística e a de auto-peças que vão garantir maior absorção de trabalhadores.

A atuação do Estado, com a Nova Industrialização Mineira, promoveu a criação de diversos distritos industriais nos municípios da Região Metropolitana, mantendo um órgão especialmente destinado a isso, que era a Companhia de Distritos Industriais de Minas Gerais (CDI). Em pouco tempo, foram criados novos distritos industriais em Contagem, Vespasiano, Santa Luzia, Belo Horizonte e Betim. Localizado próximo da FIAT, o distrito ―Paulo Camilo‖ receberia, além da Krupp e da FMB, a implantação de várias outras indústrias: Foseco, Timinas, Ritz, Cascadura Industrial, Sada, Soldering, Transauto, Polimed, Asit-Aplic, Westinghouse e Marcopolo. Ainda nas proximidades do distrito, seguindo a BR 381-262, foram implantadas: Cerâmica Fernando, Fábricas de Balanças Brasil, Siderúrgica Paraopeba, Tenda, Flex-Solas, Big Bloc, Transferminas, Manufatura Abis, Termo-dinâmica, Bemplast, BEMEC. (PINTO, 1997, p. 59-61),

Houve uma desaceleração do processo de industrialização, nos primeiros três anos da década de 80, devido a uma recessão que se refletiu em mais de mil demissões na FIAT e na desativação da Krupp. Nesse período, o número de empresas que se instalaram foi menor do que o da década anterior. São elas: Ermetra Indústria e Comércio, Peças Plásticas de Precisão, Ltda, COMEC Construções Metálicas, Transportadora Gasparzinho Ltda, Betumel Indústria e Comércio, Transportes Niquini, Nacional Implementos Rodoviários, Drill Gel Indústria e Comércio, Kaatz Produtos Metalúrgicos, Refratários BRASIL, CODEME Engenharia, Supergasbrás Distribuidora de Gás, Tropical Transportes, Empresa de Transportes Asa

Branca, B. B. Rubber Ltda, Tatiana Transporte de Líquidos. Essas empresas localizaram-se na região próxima da FIAT, e para leste, sempre próximo da BR 381. Apenas duas empresas, no período 80-83, se instalaram fora dessa região: a Iquímia e a Transportes Francisco Agenor. (PINTO, 1997, p. 60).

Segundo a mesma autora, a intensidade da industrialização de Betim é reanimada com a recuperação econômica da conjuntura mundial, nacional e municipal a partir de meados da década de 80. A reativação da implantação industrial vem com a reestruturação produtiva, que vai, em nome da ―qualidade total‖, inspirada no modelo japonês, incentivar a concentração de fornecedoras próximas das empresas como a FIAT e a Refinaria Gabriel Passos, acelerando a implantação de empresas de subprodutos da Petrobrás e de produção de autopeças. Além disso, multiplicam-se as transportadoras, que vão atender a todas as empresas, consolidando o modelo do ―just in time‖. (PINTO, 1997, p.60).

O período de 1984 a 1990 assistiu a implantação de mais 45 grandes empresas na região leste e ao longo do eixo da BR 381/BR 262. Grande parte delas era destinada atividade de transportes e a produzir embalagens para exportação, além das metalúrgicas, empresas de montagem industrial, produção de ferramentas, peças, vidros de segurança, em suma, empresas que atendem empresas, configurando mais ainda o novo desenho da organização da produção. O fato a ressaltar aqui é que o crescimento do número de trabalhadores que aconteceu em Betim, seja com a contratação para trabalhar nas empresas, seja para a construção e implantação das mesmas, veio trazendo um forte crescimento demográfico para o município, com a ocupação crescente das áreas vizinhas ao movimento da industrialização.

Os dados dos recenseamentos realizados desde 1950 são os seguintes:

Tabela 1 – Crescimento Demográfico de Betim – 1950-2010

Ano População 1950 16.376 1960 26.409 1970 37.815 1980 84.183 1991 170.934 2000 306.675 2010 378.089

Fonte: INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA

Ou seja, a população mais do que duplicou durante a década de setenta, e quadruplicou entre 1970 e 1991. A tabela nos permite, ainda, considerar o crescimento em dois intervalos de trinta anos: a população do município quintuplicou entre 1950 e 1980 e

cresceu quatro vezes e meia nos trinta anos seguintes. Trata-se de um município com elevadíssima participação de imigrantes na sua composição demográfica. O perfil dos trabalhadores que foram responsáveis pelo crescimento acelerado da força de trabalho na indústria de Betim é, então, na sua maioria, o do imigrante, de praticamente todas as regiões de Minas Gerais e do Brasil. Esses imigrantes foram ocupando regiões que eram antes inabitadas, estabelecendo novos bairros em diversas direções. Na área próxima às grandes indústrias como a FIAT, FMB, REGAP, KRUPP, que hoje a Prefeitura chama de Regional Teresópolis, surgiram os bairros Jardim Teresópolis, Vila Recreio, Alvorada, Amazonas, Vila Boa Esperança, Riacho III, Jardim Pampulha, Jardim Piemonte, e Novo Amazonas, entre outros. Essa área reuniu uma população majoritariamente imigrante, o mesmo acontecendo com alguns bairros da regional Centro, Imbiruçu, PTB e Bandeirinhas, onde várias indústrias também se instalaram.

Em decorrência dessas características, será notável, portanto, a transformação no perfil da população do município, que vai apresentar características habituais nos processos de urbanização e modernização da organização da vida, do estilo de relações sociais, de convivência, de características culturais e da relação com a política.

Segundo Terezinha Assis Pinto,

[...] o crescimento acelerado da população, nos últimos anos, provocou também, mudanças em seu modo de vida que passa a ter características de cidade grande, onde as pessoas não conhecem os vizinhos, a marginalidade social e criminal é crescente, o trânsito é confuso no centro, as pessoas correm mais para conseguir exercer suas tarefas cotidianas. Os espaços urbanos estão delineados entre bairros e favelas que também refletem a divisão de classes sociais. (PINTO, 1997, p. 31).

No dizer da mesma autora,

[...] até a década de 60, a população vivia, como em qualquer cidadezinha do

interior, distante, isto é, as diversões eram as festas religiosas, o ‗footing‘ na Praça

Tiradentes onde funcionava também o cinema, os jogos de futebol que dividiam a torcida, entre o Vera Cruz e o Industrial. Esses clubes tinham suas sedes onde

realizavam seus bailes e ‗horas dançantes‘. Os meses de maio e junho eram,

respectivamente, marcados pelas festas de coroação de Nossa Senhora e fogueiras das festas de Santo Antônio, São João e São Pedro [...] Todas as pessoas se conheciam e era comum, ao final da tarde e à noite, vizinhos se reunirem para conversar enquanto as crianças brincavam nas ruas. (PINTO, 1997, p. 59-61).

No período dos acontecimentos de que tratamos aqui, essa Betim dos anos 50 e 60 já havia ficado no passado, mas esses contingentes migratórios que povoaram a região industrial, certamente trouxeram características de outros modos de viver que fizeram parte de sua formação em regiões que não haviam passado por essas transformações. As entrevistas

que tivemos com moradores que vieram para Betim nesse período de crescimento industrial mostraram vários deles procedentes do interior de Minas. Talvez, essa população predominantemente forasteira tenha encontrado nas mobilizações, tanto de moradores quanto dos trabalhadores nas greves, alguma forma de preservar hábitos de companheirismo, amizade e solidariedade que faziam parte de suas identidades nos seus locais de origem. Voltaremos a esse ponto mais adiante, quando tratarmos da fala dos moradores. O fato é que muitos movimentos que ocorreram na sociedade brasileira, nos anos setenta e oitenta, ocorreram também em Betim, mobilizando e envolvendo trabalhadores e moradores dos bairros e das periferias urbanas que cresceram com a industrialização.