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A “Guerra ao Terror” estadunidense e a securitização do espaço africano

século XXI impactaram na política externa francesa para a África durante os governos de

Capítulo 2 “Os desafios do século XXI”

2.1. Fatores sistêmicos

2.1.3. A “Guerra ao Terror” estadunidense e a securitização do espaço africano

Se durante a maior parte dos anos 1990 o continente africano encontrava-se na periferia dos interesses estratégicos dos Estados Unidos, esta situação é modificada após os atentados terroristas de 11 de setembro de 2001 e o lançamento da iniciativa norte-americana de “Guerra ao Terror”, também conhecida como Doutrina Bush. Durante a primeira década do século XXI a Guerra ao Terror se torna o ponto central da política externa norte-americana, assim como o anticomunismo o tinha sido durante o conflito bipolar. Durante os primeiros anos da década de 2000, viu-se uma crescente militarização da política externa norte-americana e a securitização de diversos espaços geoestratégicos como a África e Oriente Médio sob a chancela do combate ao “Terrorismo Islãmico” e dos riscos que este impunha à segurança dos Estados Unidos.

Desde o 11 de setembro não há dúvidas que o combate ao terrorismo internacional

tem sido constantemente uma prioridade para os diferentes governos

norte-americanos. Com relação à África, os Estados falidos e grandes espaços sem governo atraíram mais atenção de Washington, uma vez que de acordo com as análises estes espaço poderiam ser potenciais hospedeiros de grupos terroristas e [funcionarem como] campos de treinamento para terroristas (OLSEN, 2017, p. 6,

tradução nossa ). 70

70 No original: Since September 11 there is not much doubt that the fight against international terrorism

constantly has been a high priority of the different American administrations. In relation to Africa, the failed states and the large ungoverned spaces attracted much attention from Washington (Schraeder 2011; Ploch 2010) because of the analysis that these areas potentially could host terrorists and terrorists training camps.

O primeiro fronte de securitização do espaço africano no contexto da Guerra ao Terror

foi a região do Chifre da África e a África Oriental com o estabelecimento da base norte-americana no Camp Lemonnier, Djibouti, e da “Combined Joint task Force- Horn of Africa” (CJTF-HOA) em 2002 com o objetivo de “descobrir e destruir redes terroristas internacionais no Chifre da África, África Oriental, Iêmen e em ilhas adjacentes no Oceano Índico” (SCHMIDT, 2013, p. 215, tradução nossa ). No ano seguinte uma nova iniciativa 71

norte-americana foi lançada na região, a “East Africa Counterterrorism Initiative (EACTI)

[A East Africa Counterterrorism Initiative foi] Um programa de US$ 100 milhões para combater atividades terroristas no Quênia, Tanzânia, Uganda, Eritréia, Etiópia e Djibouti. Pessoal desses países foram treinados em segurança de fronteiras, costeira e de aviação além de trabalho de polícia em geral. o EACTI também estabeleceu programas para impedir a lavagem de dinheiro e o financiamento do terrorismo, bem como programas de educação para reduzir o apelo de ideologias extremistas (SCHMIDT, 2013, p. 2015-2016, tradução nossa ).72

No entanto, as iniciativas de securitização do espaço africano não ficaram contidas à região do Chifre e África Oriental. Também em 2002 o governo Bush lançou o “Pan Sahel Initiative (PSI)” com foco na região Sahelina e do Golfo da Guiné, centro da zona de influência francesa no continente.

Em 2005, o programa PSI foi expandido e transformado na iniciativa interagência de cinco anos de duração “TransSahara Counterterrorism Initiative (TSCTI). Assim como seu correspondente na África Oriental, a missão TSCTI era para ajudar países com grandes populações muçulmanas reduzir a proliferação de ideologias extremistas e o apelo do terrorismo estendendo ajuda aos descontentes. O programa militar do TSCTI, “Operation Enduring Freedom -Trans Sahara (OEFTS), proveu equipamentos, suporte logístico e treinamento em controle de fronteiras, capacidade de respostas rápidas e prevenção ao terrorismo (SCHMIDT, 2013, p. 216, tradução nossa ).73 No entanto, é com a criação do AFRICOM em 2008, o comando responsável especificamente pelo continente africano, que o continente se consolida como espaço

71 No original: “[CJTF-HOA’s] mission was to discover and destroy international terrorist networks in the Horn,

East Africa, Yemen, and adjacent Indian Ocean islands.”

72No original: “ a $100 million program to combat terrorist activities in Kenya, Tanzania, Uganda, Eritrea,

Ethiopia, and Djibouti. Personnel from these countries were trained in border, coastal, and aviation security and in general police work. EACTI also established programs to thwart money laundering and terrorist financing, as well as education programs to undermine the appeal of extremist ideologies.”

73 No original: In 2005, the PSI program was extended and transformed into the five-year interagency

TransSahara Counterterrorism Initiative (TSCTI). Like its counterpart in East Africa, TSCTI’s mission was to help countries with large Muslim populations curtail the proliferation of extremist ideologies and the appeal of terrorism by extending aid to the disaffected. TSCTI’s military program, Operation Enduring Freedom–Trans Sahara (OEFTS), provided equipment, logistical support, and training to regional forces in border control, rapid response capabilities, and terrorism prevention.

estratégico para os EUA. Para entender a importância estratégica do estabelecimento do AFRICOM, precisamos entender a lógica adotada pelo Pentágono. De acordo com Mcfate (2007), o Pentágono divide o mundo em “Unified Combatant Commands (COCOMs)”, os “ Unified Commands ”, cada comando é responsável por uma área designada e é o responsável por “coordenar, integrar e administrar todos os ativos e operações do Departamento de Defesa em suas áreas de responsabilidade designada” (MCFATE, 2007, p. 111, tradução nossa ) 74

Segundo o mesmo autor, existem dois tipos de “ Unified Commands ”, os responsáveis por territórios e os responsáveis por funções. Os comandos territoriais são responsáveis por espaços geográficos definidos, enquanto os comandos de função são responsáveis pelo desempenho de responsabilidades transregionais ao redor do globo (PLOCH, 2010). Como exemplo de Comando territorial tem-se o “Southern Command (SOUTHCOM)”, responsável pela América Central e do Sul e como exemplo do Comando de função tem-se o “Special Operations Command (SOCOM)” responsável pelas operações especiais norte-americanas no exterior. Atualmente existem seis comandos territoriais e 4 funcionais. Tendo sido concebidos como forma de coordenar as ações norte-americanas para a contenção da União Soviética durante a Guerra Fria, os “Unified Commands” são liderados por um General quatro estrelas e suas unidades conjuntas, envolvendo o exército, a marinha, a força aérea e os fuzileiros navais (MCFATE, 2007; PLOCH, 2010).

Até o estabelecimento do AFRICOM em 2008, o espaço africano estava dividido entre três Unified Commands: o European Command (EUCOM), Central Command (CENTCOM) e Pacific Command (PACOM). A ausência de um comando específico para o espaço africano pode ser relacionada à pouca prioridade estratégica dada ao continente pelos EUA durante o período da Guerra Fria e no imediato pós-Guerra Fria (MCFATE, 2007; PLOCH, 2010). Esta pouca prioridade estratégica atribuída ao continente africano durante a Guerra Fria pode estar relacionada à chancela norte-americana para que as antigas potências coloniais, principalmente a França, lidassem com questões africanas. Portanto, a criação do Africom pode ser entendida como a revogação da postura norte-americana de delegar aos europeus as questões africanas e passa a engajar diretamente sua presença militar na região.

74 No original: “[is responsible] for coordinating, integrating and managing all Department of Defense (DoD)

Assim, a criação deste comando se dá com o objetivo estratégico de

Trabalhar com os parceiros africanos para ajudar a fortalecer a estabilidade e a segurança na região por meio do aperfeiçoamento das capacidades de segurança e da profissionalização dos militares. Um aspecto central da missão do Comando é o seu papel de suporte para os esforços de outras agências e departamentos no continente,

mas como outros comandos de combate espera-se que o AFRICOM desempenhe

operações militares, quando direcionadas, para conter agressões e responder a crises (PLOCH, 2010, p. 1, tradução nossa ) 75

Segundo Ploch (2010), existe no AFRICOM um fator de diferenciação em relação aos tradicionais comando territoriais. De acordo com a autora, além de desempenhar as funções tradicionais de um comando territorial, como facilitar ou executar operações militares, há no AFRICOM um fator de soft power com a incorporação de uma vasta gama de agências civis do governo norte-americano objetivando a construção de um ambiente de segurança estável e por esta razão alguns oficiais do Departamento de Defesa norte-americano referem-se ao AFRICOM como um “Command plus”.

No entanto, os interesses estadunidenses na região do Sahel e na porção ocidental e central do continente africano não está restrito a questões securitárias. Como aponta González (2018), o Golfo Pérsico e a Arábia Saudita, grandes fornecedores de petróleo para os Estados Unidos, têm apresentado um declínio em sua produção petroleira nos últimos anos. Além disso, a região passa por momentos de tensão e insegurança o que teria aumentado a busca por parte dos Estados Unidos de novos fornecedores de petróleo. Ainda que o continente africano também enfrente focos de instabilidade no Sahel e na porção ocidental do continente, estes focos de instabilidade não afetam as zonas produtoras de petróleo, localizadas principalmente na Costa Atlântica. Assim, ainda de acordo com González (2018), o AFRICOM cumpriria a dupla função de combater o terrorismo islâmico na região e também garantir os interesses econômicos e militares estadunidenses na região.

O explícito e crescente envolvimento norte-americano no continente africano demonstra a mudança no perfil da interação das políticas externas estadunidense e francesa.

75 No original: “ By working with the African partners to help strengthen stability and security in the region

through improved security capability and military professionalization. A key aspect of the command’s mission is its supporting role to the other agencies’ and departments’ efforts on the continent. But like other combatant command, AFRICOM is expected to oversee military operations, when directed, to deter aggression and respond to crises. ”

Se, como demonstrado no capítulo anterior, estas políticas outrora possuíam um caráter complementar, hoje possuem um caráter competitivo, ainda que não opostos.