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século XXI impactaram na política externa francesa para a África durante os governos de

Capítulo 3 “A política africana de Nicolas Sarkozy”

3.6. Intervenções militares: Costa do Marfim e Líbia

3.6.2. Líbia

Diferentemente da Costa do Marfim, afetada por instabilidade política interna, os conflitos na Líbia iniciaram no contexto da chamada “Primavera Árabe”. A série de conflitos que se espalhou pelo norte da África teve início na Tunísia e Egito. Estes países norte-africanos passavam por uma grave crise econômica e social por conta da alta dos preços dos alimentos e deterioração das condições de vida das classes trabalhadoras. Segundo Joffé (2011), a alta global dos preços dos alimentos e energia atingiu de maneira contundente estes países e assim,“O efeito imediato foi uma impressionante escalada nos preços dos alimentos e da energia na região, com um impacto directo nas populações que já viviam perto do limiar de pobreza, o que acontece com frequência no Norte de África” (JOFFÉ, 2011, p.87).

O estopim para conflitos foi o suicídio de Mohamed Bouazizi, um vendedor

ambulante que ateou fogo ao próprio corpo em frente a prefeitura de Sidi Bouzid, Tunísia, em 04 de janeiro de 2011, como forma de protesto contra o preço dos alimentos e condições de vida dos trabalhadores tunisianos. Os protestos então tomaram as ruas do Egito e Tunísia (PRASHAD, 2012), no entanto não ficaram restritos a eles. Outros países do norte da África e Oriente Médio também foram atingidos pela onda de protestos, como Líbia, Argélia, Marrocos, Kuwait, Bahrein e Iêmen.

Ao contrário do que aconteceu no Egito e Tunísia, onde os protestos surgiram de movimentos sociais, na Líbia, onde não havia espaço para contestação social do regime, os protestos foram iniciados por grupos tribais contrários do regime Kadhafista na região de Benghazi (JOFFÉ, 2011). Diante das primeiras manifestações de conflito na Líbia, o então

Primeiro Ministro inglês, David Cameron, solicitou junto ao CSNU a imposição de uma “No fly zone” à Líbia. Porém, diante da pouca receptividade estadunidense em se envolver militarmente em mais um país árabe, Cameron voltou atrás de sua decisão e “anunciou em 1 de março que o Reino Unido iria restringir o seu envolvimento [no conflito líbio] ao oferecimento de apoio político aos rebeldes” (HOWORTH, 2014, p.408, tradução nossa ). 128

Ao contrário de Cameron, Sarkozy viu no conflito líbio uma oportunidade de projetar a liderança francesa e assumiu o protagonismo na reivindicação da intervenção ocidental no país norte-africano.

Foi Nicolas Sarkozy, por outro lado, em um discurso em Ancara em 25 de fevereiro, que primeiro pediu a saída de Gaddafi. Foi novamente Sarkozy quem, nos primeiros dias de março, entrou em contato pela primeira vez com o "rebelde" Conselho Nacional de Transição (CNT). Durante as duas primeiras semanas de março, o presidente francês batia constantemente o tambor de guerra, pedindo regularmente "ataques direcionados" contra as forças de Gaddafi. Ele foi amplamente visto pela mídia européia como sendo o autoproclamado líder do partido de guerra. "Parece que Sarkozy quer esmagar o ditador líbio sozinho", opinou um jornalista de Berlim, acrescentando, maliciosamente, que "alguns meses atrás, ele estaria disposto a vender-lhe reatores nucleares". Foi Sarkozy quem, em nome da França, em 10 de março, reconheceu oficialmente o CNT como o único representante legítimo do povo líbio - uma decisão tomada unilateralmente às vésperas de uma cúpula europeia convocada justamente para discutir a questão do reconhecimento. Em todos esses movimentos, primeiro-ministro do Reino Unido parecia estar atrás de seu parceiro francês (HOWORTH, 2014, p. 408, tradução nossa ). 129

Sob os auspícios da “responsabilidade de proteger” (R2P), a Resolução 1973 do CSNU foi aprovada em 17 de março de 2011 e autorizava a imposição de uma “no fly zone” à Líbia e autorizava o uso de qualquer medida necessária para proteger as populações civis das ameaças de ataques. “A ação militar contra a Líbia começou dois dias depois, e em

128 No original: “announced on 1 March that the UK would restrict its involvement to offering political support to

the rebels.”

129 No original: “It was Nicolas Sarkozy, on the other hand, in a speech in Ankara on 25 February, who first

called for the departure of Gaddafi. It was again Sarkozy who, in the early days of March, first entered into contact with the ‘rebel’ Transitional National Council (TNC). During the first two weeks of March, the French president constantly beat the war drum, calling regularly for ‘targeted strikes’ on Gaddafi’s forces. He was widely seen by the European media as being the self-proclaimed leader of the war party. ‘It seems Sarkozy wants to smash the Libyan dictator all on his own’, opined a Berlin journalist, adding, maliciously, that ‘a few months ago, he would have been keen to sell him nuclear reactors’. It was Sarkozy who, on behalf of France on 10 March, officially recognised the TNC as the sole legitimate representative of the Libyan people – a decision taken unilaterally on the eve of a European summit convened precisely to discuss the issue of recognition. In all these moves the UK prime minister appeared to be trailing behind his French partner.”

outubro o coronel Muammar al-Khadafi estava morto e o Conselho Nacional de Transição estava no poder” (HEHIR, 2013, p.138, tradução nossa ). 130

Apesar da curta duração da intervenção na Líbia, finalizada logo após o fim do regime de Khadafi, podemos inferir importantes motivações para a atuação francesa no caso líbio. O primeiro motivo pode ser relacionado à uma busca de melhora nos índices de popularidade do governo (HOWORTH, 2013). Sarkozy sofreu desde o início de seu mandato presidencial de uma baixa popularidade. Em abril de 2008, pouco menos de um ano de governo, o índice de aprovação estava em apenas 32% e a baixa aprovação do governo estava fortemente relacionada a questões econômicas e aos planos de cortes de gastos propostos pelo governo (REUTERS, 2008). A fraca performance francesa durante o início da chamada “primavera árabe” na Tunísia e Egito, também contribuiu para a baixa aprovação do governo (HOWORTH, 2013). Às vésperas da eleição presidencial, a intervenção poderia também ser uma forma de aumentar a popularidade e a aprovação do governo Sarkozy por meio da atuação internacional francesa.

O segundo motivo pode ser relacionado à questões regionais europeias. Nos últimos anos, Alemanha tem se destacado em diversas áreas da União Europeia, no entanto, o aspecto militar ainda é ponto de poder importante para a França, uma vez que ela pode tomar para si a liderança em matérias de defesa e segurança (RIEKER, 2017), e assim contrabalançar a liderança alemã no seio da organização regional.