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século XXI impactaram na política externa francesa para a África durante os governos de

Capítulo 3 “A política africana de Nicolas Sarkozy”

3.7. A França além do pré-carré

Um aspecto inegável da política africana de Nicolas Sarkozy é tentativa de expandir a influência francesa para além da sua tradicional zona francófona. Nos últimos anos, países como Angola, África do Sul e Nigéria apresentaram taxas consistentes de crescimento e abriram novas oportunidades de negócios para empresas francesas, principalmente no setor energético. A França passou a mirar de maneira mais contundente espaços além da zona francófona como forma de competir com outras potências pelo acesso aos mercados e

130 No original: “Military action against Libya began two days later, and by October Col. Muammar al-Qaddafi

oportunidades de negócios na África. Este movimento de expansão para além da zona tradicional de influência aponta para a tendência do distanciamento de uma política de “laços compartilhados” e para o fortalecimento de uma política voltada para os interesses econômicos.

No entanto, nota-se, durante a gestão Sarkozy, uma dualidade para se relacionar com o continente africano. Sarkozy buscou uma abordagem mais individualizada para cada país, utilizando diferentes abordagens, desde uma abordagem mais normalizada, ou seja, respeitando os canais formais de diplomacia, até abordagens “à moda antiga francesa”. Esta dualidade demonstra uma instrumentalização dos laços compartilhados entre a França e a África. Por diversas vezes Sarkozy invocou a memória dos laços históricos que unem o país europeu e o continente africano para justificar a presença e a necessidade francesa de intervir no continente, como ocorrido durante a intervenção na Costa do Marfim. Porém, Sarkozy não exitou em invocar a necessidade de normalização das relações franco-africanas quando estas eram demasiado custosas econômica ou politicamente.

Cabe ressaltar que a busca de Sarkozy de expansão da influência francesa não está restrita ao continente africano. Desde início de seu governo, Sarkozy demonstrou interesse em retomar as relações com os Estados Unidos, com quem a França possui uma animosidade histórica, e construir um eixo Washington-Paris. Além disso, Sarkozy explicitou este objetivo ao reintegrar a França à estrutura de comando da OTAN e no anúncio do “retorno da França para a Europa” como forma de dirimir a rejeição francesa ao referendo de 2005 da União Europeia (ROWDYBUSH e CHAMOREL, 2012).

3.7.1. A Union Méditerranéenne

Em seu discurso de posse em 16 de maio de 2007, Nicolas Sarkozy anunciou a iniciativa da União do Mediterrâneo. Esta iniciativa, em um primeiro momento, abrangeria apenas os países da costa do Mediterrâneo e buscaria discutir uma união política, econômica e cultural dos estados banhados pelo mar Mediterrâneo, abrangendo países europeus, africanos e parte do Oriente Médio. No entanto, a iniciativa de Sarkozy não foi prontamente aceita por outros importantes membros da UE, especialmente a Alemanha. Para eles, a proposta excluía

do processo os países-membro não situados às margens do Mediterrâneo, marginalizava as principais iniciativas europeias de integração e relacionamento entre a Europa-Mediterrâneo e negligenciava a existência de outras estruturas institucionais que tratavam do assunto, como o processo de Barcelona e a Política Europeia de Vizinhança (European Neighbourhood Policy- ENP) (EMERSON, 2008).

A declaração de Barcelona identificava três objetivos centrais para a parceria Euro-Mediterrânea. 1) estabelecimento de uma área comum de paz e estabilidade por meio do fortalecimento do diálogo político e securitário. 2) criando uma área de prosperidade compartilhada por meio de uma parceria econômica e estabelecimento gradual de uma área de livre-comércio e 3) reunindo pessoas por meio de uma parceria humana, cultural e social buscando promover o entendimento entre culturas e trocas entre sociedades civis (MANGALA, 2010, p.171. tradução nossa ). 131 A Alemanha, sob o comando da chanceler Angela Merkel, adotou uma postura crítica em relação à proposta de Sarkozy por acreditar que tal iniciativa criaria um subgrupo dentro da UE (EMERSON, 2008; BICCHI, 2011).

Não foi de surpreender que o projeto tenha encontrado uma relutância inicial por parte dos outros estados membros europeus e da Comissão, principalmente porque a proposta inicial deixou de fora a UE. Os parceiros europeus da França reagiram com igual insatisfação, assim como alguns dos países parceiros do Mediterrâneo. O excessivo unilateralismo do presidente francês, juntamente com natureza do projeto que parecia competir diretamente com a atual política mediterrânea da UE, a exclusão dos parceiros europeus não mediterrâneos, o unilateralismo na concepção e apresentação, e a grandiloqüência com a qual foi esboçado, trouxeram medo de um retorno a uma Paris mais individualista (DELGADO, 2012, p.11, tradução nossa ). 132

Grande parte da apreensão dos outros membros da UE em relação à iniciativa de Sarkozy se deve a falta de amadurecimento da proposta no momento do seu anúncio. Este comportamento impulsivo do presidente francês em anunciar propostas pouco amadurecidas e

131 No original: “The Barcelona Declaration identified three main objectives to the Euro-Mediterranean

Partnership: (1) establishing a common area of peace and stability through the reinforcement of political and security dialogue; (2) creating an area of shared prosperity through an economic partnership and the gradual establishment of a free-trade area; and (3) bringing people together through a social, cultural, and human partnership aimed at promoting understanding between cultures and exchanges between civil societies.”

132 No original: “It was not surprising that the project met with initial reluctance from the other European

member states and the Commission, mainly because the initial proposal left out the EU. France’s European partners reacted with equal disaffection, as did some of the Mediterranean partner countries. The excessive unilateralism of the French president, together with the nature of the project that seemed to compete directly with existing EU Mediterranean policy, the exclusion of the non-Mediterranean European partners, the unilateralism in the design and presentation, and the grandiloquence with which it was outlined, all brought fears of a return to a more individualistic Paris.”

sem uma estratégia sólida em que pudesse se basear, mostrou-se recorrente durante a administração Sarkozy (EMERSON, 2008). Porém, isto mostra-se mais uma questão de estilo de condução política do líder do que uma característica da política externa francesa.

Após um período inicial de apreensão por parte dos demais membros da União Europeia e dos demais países às margens do mediterrâneo, em grande parte devido a falta de clareza da proposta francesa e da incerteza quanto ao papel dos demais envolvidos neste processo, uma nova abordagem foi adotada pelos diplomatas franceses e um intenso processo de negociações teve início. A retórica francesa tomou então uma direção mais inclusiva e menos individualista e tentou incluir os demais membros de UE na definição dos contornos da nova instituição. A Itália e Espanha juntaram-se a França na construção da nova instituição, no entanto, ambas impuseram como condição a completa participação da União Europeia, a alteração do nome da instituição de “União do Mediterrâneo” para “União para o Mediterrâneo” e que esta nova instituição fosse complementar e não substituta do Processo de Barcelona (DELGADO, 2011).

Por um lado, a França consolidou o seu papel de genuína empreendedora, fazendo concessões e demonstrando uma atitude menos rígida e mais cooperativa. Por outro lado, a França não renunciou ao papel de primus inter pares. Paris retomou o nome e o desenho institucional consolidando a abordagem intergovernamental (DELGADO, 2011, p. 52, tradução nossa ). 133

Mesmo com o apoio italiano e espanhol e o capital político e diplomático despendido pela França, a viabilidade da instituição só pôde ser alcançada devido a participação de outros importantes atores da UE, principalmente a Alemanha e os países nórdicos. A iniciativa União para o Mediterrâneo foi oficialmente lançada em 13 de julho de 2008 pelo presidente Nicolas Sarkozy (BICCHI, 2011) e conta com a participação dos 28 membros das União Europeia e mais 15 países localizados na margem sul e leste do mediterrâneo . 134

133 No original: “on the one hand, France consolidated its role as a genuine entrepreneur, making concessions and

showing a less rigid and more cooperative attitude. On the other hand, France did not renounce the role of primus inter pares. Paris got back the name and the institutional design consolidating the intergovernmental approach.”

134 De acordo com o website oficial da União para o Mediterrâneo, fazem parte da organização: Albânia, Argélia,

Áustria, Bélgica, Bósnia e Herzegovina, Bulgária, Croácia, Chipre, República Tcheca, Dinamarca, Egito, Estônia, Finlândia, Alemanha, Grécia, Hungria, Irlanda, Israel, Itália, Jordânia, Lituânia, Luxemburgo, Malta, Mauritânia, Mônaco, Montenegro, Marrocos, Holanda, Palestina, Polônia, Portugal, Romênia, Eslováquia, Eslovênia, Espanha, Suécia, Tunísia, Turquia e Reino Unido. A Síria, apesar de ter participado inicialmente da organização, foi suspensa em 01 de dezembro de 2011.

A iniciativa de Sarkozy pode ser inserida em uma estratégia de resgate da influência francesa dentro da União Europeia, que teve o seu número de membros ampliado de 15 para 27 e mostrava-se cada vez menos disposta a seguir a liderança francesa, além de estar relacionada à retórica defendida por Sarkozy de reformas e mudanças na política interna e externa francesa. A escolha do mediterrâneo como zona estratégica, pode ser relacionada ao pertencimento desta região ao “guarda-chuva” de atuação francês, o que lhe daria legitimidade, dentro da União Europeia e em relação aos outros países mediterrâneos não europeus, quanto a esta iniciativa (DELGADO, 2011; BICCHI, 2011). Além de representar uma política diferenciada para a porção norte do continente, essa iniciativa demonstra a importância do continente africano para a projeção internacional francesa, tanto no contexto regional da União Europeia, quanto em um contexto global.

A iniciativa de Sarkozy de propor e articular a criação da União para o Mediterrâneo

também pode ser entendida como uma tentativa de estreitar laços com os países do norte da África, região que, apesar de participar da francofonia, a França possui uma influência reduzida quando comparada à sua influência na porção subsaariana do continente. Além disso, a criação da base militar de Abu Dhabi no contexto da revisão dos acordos de defesa franceses, demonstra o interesse francês em projetar sua presença militar para além da sua tradicional zona de influência, expandindo sua presença para a região do Oriente Médio (DELGADO, 2011).