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século XXI impactaram na política externa francesa para a África durante os governos de

Capítulo 3 “A política africana de Nicolas Sarkozy”

3.5. A revisão dos Acordos de Defesa

No tocante aos assuntos de defesa, a administração Sarkozy deu continuidade às reformas iniciadas nos anos 1990. Durante a campanha presidencial, Sarkozy havia prometido renegociar e publicizar os acordos de defesa franceses, reduzir a presença militar francesa e priorizar o apoio à construção de capacidades militares africanas e dar continuidade ao movimento de priorização de atuações multilaterais sobre as unilaterais (CUMMING, 2013). A decisão de rever os acordos de defesa e submetê-los ao parlamento francês representou um importante passo em direção à normalização das relações franco-africanas por dar a estes relacionamentos uma maior transparência e controle em oposição ao seu caráter historicamente personalista e secreto.

Outro ponto importante da reforma militar conduzida por Sarkozy foi o fechamento de bases militares francesas espalhadas pelo continente africano. A França possuía bases militares no continente africano localizadas ao longo de sua zona de influência em Dakar, Senegal; Abidjan, Costa do Marfim, Djibouti e Gabão. Com a reforma, são mantidas apenas as bases do Djibouti e Gabão. Em consonância com a busca da multilateralização da presença militar francesa no continente em detrimento de intervenções unilaterais, a reforma conduzida por Sarkozy buscou adaptar a presença militar francesa para apoiar estruturas africanas de administração de crises por meio do apoio à estruturas que compõe Arquitetura Africana de Paz e Segurança (CUMMING, 2013).

A França adaptou sua presença militar para apoiar administração de crises africanas, não apenas os esforços da União Africana para construir suas próprias estruturas institucionais, a Arquitetura Africana de Paz e Segurança. As forças francesas agora apoiam quatro componentes da força africana de estabilização: com o Gabão cobre a Comunidade Econômica dos Estados da África Central (CEEAC); Djibouti apoiando

118 No original: “La stabilité de l’Afrique du Nord, et tout particulièrement du Maghreb, est d’une importance

particulière pour l’Europe et la France, en raison de notre proximité et des liens étroits tissés de part et d’autre de la Méditerranée, historiques ou culturels, mais aussi politiques et économiques. Or, cette région connaît une évolution contrastée, avec : une transition démographique en cours, mais une forte pression migratoire venue d’Afrique subsaharienne ; un dynamisme économique inégal, mais de forts déséquilibres sociaux (notamment en termes d’emploi); un risque terroriste persistant et sans doute plus internationalisé (qu’illustre le rôle d’«Al Qaïda au Maghreb islamique »). À long terme, la réforme politique, la capacité à anticiper sur la dégradation environnementale, le développement de l’éducation, l’amélioration de la gestion du développement urbain seront des facteurs importants de l’évolution de cette sous-région.”

as organizações regionais da África Oriental (IGAD e EASBRIG); Senegal cobrindo a Comunidade Econômica dos Estados da África Ocidental (CEDEAO/ ECOWAS) e a base em Réunion (território francês) reforçando a Comunidade para o

Desenvolvimento da África Austral (SADC) (DE ROHAN 2011 apud CUMMING,

2013, p.29, tradução nossa ).119

Além do maior apoio à organizações regionais africanas e à União Africana, o governo francês buscou cada vez mais angariar apoio de seus parceiros membros da União Europeia e da Organização das Nações Unidas como estratégia para reduzir os custos políticos e econômicos de sua presença militar no continente e também trazer uma maior legitimidade a ela.

No entanto, Sarkozy trabalhou na ONU, EU e organizações regionais para perseguir objetivos franceses. Isto permitiu a França manter uma importante voz no futuro da arquitetura de paz africana, mesmo com a redução física de sua presença no continente. A França também alargou seu foco econômico para além de seus tradicionais parceiros francófonos, para alcançar as maiores economias subsaarianas, a África do Sul e a Nigéria. (MELLY e DARRACQ, 2013, p. 5, tradução nossa ) 120 Porém, estas reformas francesas devem ser analisadas com cuidado e parcimônia. Mesmo com o fechamento de bases militares e a redução do número de tropas, a França pode mobilizar uma quantidade significativa de tropas e material bélico no continente africano em um curto período de tempo - forças de ação rápida- o que faz dela a principal força militar estrangeira no continente. Além disso, a França se mostra particularmente disposta a empregar sua força militar e engajar em conflitos no continente africano, o que faz dela um parceiro potencial para questões que envolva paz e segurança no continente.

Mesmo com alguns países africanos despontando como potências militares regionais, a exemplo da África do Sul e Nigéria, estes países não possuem uma infraestrutura militar que possa fazer frente à capacidade militar francesa na região. Mesmo a União Africana, principal organização multilateral africana, enfrenta limitações quanto a possibilidade de atuação militar devido à restrições financeiras para arcar com os altíssimos custos de intervenções

119No original: “France did adapt her military presence to support African crisis management, not least the AU’s

efforts to construct its own institutional framework, the African Peace and Security Architecture. French forces now support the four regional components of the African standby force: with Gabon covering the Economic Community of Central African States (CEEAC); Djibouti supporting East Africa’s regional organisations (IGAD, EASBRIG); Senegal covering the Economic Community of West African States (ECOWAS); and the base in Re´union (French sovereign territory) bolstering the South African Development Community (SADC).”

120 No original: “However, Sarkozy did also work through the UN, EU and regional organizations to pursue

French objectives. This allowed France to maintain an important voice on the future of Africa’s security architecture, even as it reduced its physical military presence on the ground. France also widened its economic focus away from traditional francophone partners, to reach out to the largest subSaharan economies, South Africa and Nigeria.”

militares. Assim, a França permanece como uma importante força militar no continente e uma importante parceira das organizações regionais e multilaterais africanas na condução da sua política de paz e segurança.

Outro ponto que carece que especial atenção é a busca por apoio multilateral em organizações como a União Europeia e Organização das Nações Unidas. No primeiro caso, nota-se a busca por contrapartida financeira para arcar com os custos do envolvimento militar e até mesmo uma participação de menor expressão de outras potências europeias nas operações, desde que esta não comprometa a liderança francesa na condução de assuntos militares (RIEKER, 2017). Um sinal desta estratégia foi a transformação do programa RECAMP em EURORECAMP. Em 2008 Sarkozy promoveu a europeização do programa RECAMP com a alteração do seu nome para EURORECAMP e o colocando sob a responsabilidade do Conselho Europeu (CHAFER, 2016). Nota-se também a busca por legitimidade por meio da chancela internacional como forma de reduzir os custos políticos envolvidos neste tipo de engajamento.

Europeização sempre foi vista como um meio para evitar a acusação de

neocolonialismo, além do mais uma operação militar da União Europeia não teria a mesma associação direta com a França e deveria ser vista como politicamente “neutra”. Além do mais, do ponto de vista francês, europeização assim como africanização, significa divisão de custos: divisão de riscos e custos de operações militares na África com outros membros da UE (CHAFER, 2016, p.130, tradução nossa ). 121

Com a transformação do programa RECAMP em EURORECAMP, a França passa a cooperar de maneira mais profunda e pragmática com outro importante ator militar europeu, o Reino Unido.

Desde a cúpula franco-britânica de Saint-Malo em 1998, e especialmente desde a cúpula de Cahors em 2001, a França tem cooperado cada vez mais com o Reino Unido em questões de segurança na África (Chafer e Cumming, 2010). Cúpulas franco-britânicas agora incluem regularmente um capítulo sobre a África e pontes institucionais foram construídas através de destacamentos de pessoal e reuniões regulares que são projetadas para melhorar a compreensão dos dois países do modus operandi uns dos outros no campo da paz e segurança. Além disso, na sequência da cimeira da UE de Dezembro de 2007 em Lisboa, a França e o Reino Unido assumiram a liderança na transformação do programa de formação francês RECAMP num programa da UE, o EURORECAMP. Com sede em Paris, como a França é a

121 No original:Europeanization was also seen as a means of avoiding the charge of neo-colonialism,

insofar as an EU military operation would not have the same direct association with France and would thus be seen as more politically ‘neutral’. More generally, from a French point of view, Europeanization, like Africanization, is about burden-sharing: sharing the risks, and costs, of military operations in Africa with other EU member states.”

"nação-marco" designada pela UE, o EURORECAMP tem um general francês como seu diretor e um oficial britânico como vice-diretor (CHAFER, 2014, p.517, tradução nossa ). 122