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A GUERRA DOS PELADOS: FIDELIDADE HISTORIOGRÁFICA

2 AS REVOLTAS CAMPONESAS NA FORMAÇÃO DA REPÚBLICA

3.2 A GUERRA DOS PELADOS: FIDELIDADE HISTORIOGRÁFICA

ENCONTRADA NAS ESCOLHAS DO DIRETOR

A Guerra dos Pelados é um filme brasileiro de 1970, dirigido por Silvio Back, com o roteiro escrito por Sylvio Back e Guido Wilmar Sassi; foi filmado em Caçador (Santa Catarina) e contava no seu elenco com os atores Átila Iório, Jofre Soares, Stênio Garcia, Otávio Augusto, Zózimo Bulbul e John Herbert.

O filme, baseado no episódio histórico da Guerra do Contestado, consiste na luta dos caboclos do planalto de Santa Catarina contra a perda de suas terras, acarretada pela construção de uma estrada de ferro empreitada por duas empresas multinacionais. Os revoltos (chamados de "pelados" por rasparem a cabeça em sinônimo de irmandade) foram expropriados de suas terras pela construção da ferrovia pela Brazil Railway

Company e a Southern Brazil Lumber & Colonization. O enredo representa a resistência contra as estruturas latifundiárias formadas pelo contexto sócio-político da concentração de terras na contestada região do conflito.

O filme A Guerra dos Pelados, segundo Leila Célia Wodonos e João Carlos Corso assume a relevância de ilustrar-nos

[...] o comportamento, a visão de mundo, as identidades e as ideologias de uma sociedade ou de um momento histórico, porque mantém uma proximidade com a própria idéia de história, uma visão do presente que se volta para o passado, que procura compreender e explicar seu contexto. (WODONOS, CORSO, 2008, p.4).

O filme inicia com os soldados demarcando o território que passará a estrada de ferro que será construída pelas duas empresas multinacionais, fato que causa a contestação dos caboclos da região. “Esta terra é minha, e não da estrada de ferro e nem da Lumber” como pronuncia um dos revoltos. Após tentarem impedir a passagem dos soldados, aparecem os corpos dos mesmos pendurados em cordas, símbolo da opressão das forças militares contra os revoltos.

O processo de concentração da propriedade de terra e expropriação dos agricultores que viviam em regime de subsistência ganhou força e velocidade com o impacto da construção da Estrada de Ferro São Paulo-Rio (...) A atuação da Brazil Railway e da lumber na região do planalto catarinense intensificou os conflitos resultantes da política de terras do período republicano e operou profundas modificações na economia da região. (MACHADO, 2008, p. 270)

Segundo o historiador Paulo Pinheiro Machado (2001), José Maria (que teria assumido a posição de líder dos revoltos com práticas contestáveis) morreu após fundar o povoado de Taquaruçu no confronto de Irani. Após a morte de José Maria, a crença dos caboclos é que este passara a se comunicar com os representantes através de transes. Estes seguiam suas ordens baseados nas vidências das virgens. Conforme Delmiro José Valentini,

Tudo começou quando Teodora, uma neta de Eusébio, menina órfã de mãe, teve as suas primeiras visões; afirmou que José Maria conversou com ela. A notícia espalhou-se logo e muitos acorreram até a casa de Eusébio, buscando remédios e novidades. Sobre as visões de Teodora, ninguém duvidou: as ordens que a menina transmitia passaram a ser cegamente obedecidas. (VALENTINI, 2009, p. 207)

A representação da crença em José Maria aparece na película através de seus transes com a virgem Ana, que recebe mensagens mediúnicas do “São José Maria”, assim chamado o líder político-religioso na maioria dos trechos do filme. Isto ilustra que o caráter messiânico do líder dos revoltos caboclos transcendeu às práticas religiosas da região mesmo após a sua morte. As “ordens” das práticas de repulsa ao processo proveniente da implantação republicana são exercidas através dessa relação.

- Ana tem poderes, seu Juca diz que ela vê o monge. - O meu nenê ficou variado por ela.

- Pecado...

- Mulher, acreditam em tudo.

- Eu não digo que acredito nem que desacredito, vamos esperar.

- Nós não merecemos essa graça de falar com o monge José Maria, só os puros.

(Diálogo dos caboclos sobre as vidências da virgem Ana, Filme A Guerra dos Pelados, 1970)

O apego da população revolta às causas sociais, que emergiram das práticas do monge, contrastava com os setores conservadores da sociedade republicana em composição. Estes setores discriminavam as práticas religiosas populares. Em uma cena do filme um soldado diz ao seu oficial ao idealizarem a expulsão dos revoltos: “Não respeitam nem a igreja, inventaram até um santo, onde já se viu?!”.

Se, em vida, José Maria foi para muitos uma esperança de cura e viabilizou também a possibilidade de uma nova forma de vida em comunidade, mesmo que transitória, como na festa de Taquaruçu ou do rápido ajuntamento de Irani, seu desaparecimento passou a ser interpretado como uma possibilidade de retorno para remissão de todos os problemas. Operou-se uma profunda transformação no catolicismo popular, entendido este como um conjunto de práticas e concepções reguladoras da vida social e individual (MACHADO, 2001, p. 187).

A trilha sonora e a fotografia do filme refletem o conjunto étnico dos caboclos. Durante o filme, aparecem as danças ao som de gaita, o churrasco ao fogo de chão e o chimarrão, elementos que faziam parte da cultura miscigenada dos caboclos da região. O filme é realizado em meio a uma floresta de Araucária, paisagem típica do planalto catarinense. Estes fatores refletem os hábitos regionais oriundos da fusão entre os europeus, o indígena e outros grupos que se miscigenaram no sul do Brasil.

A ocupação humana no Sul do Brasil, que antecedeu à instalação da Lumber na floresta mista, especialmente nas associações da Araucária angustifólia em maior densidade, é descrita com a presença pioneira de antigas comunidades indígenas (...) a partir do século XVI, espanhóis e portugueses palmilharam,

conheceram e deixaram descendentes espalhados nos vastos espaços do sertão sul-brasileiro. (VALENTINI, 2009, p. 35)

As práticas religiosas são ilustradas a todo o momento no filme. O personagem vivido por Estênio Garcia acredita ingenuamente que conquistará o amor da virgem Ana (líder espiritual dos revoltos), matando o “dragão todo de ferro que gospe fumaça”, se referindo ao trem que passa nos arredores. Silvio Back utiliza-se desse recurso para exemplificar que a prática messiânica aproveita-se da miserável condição social e escassez de recursos vitais dos seus seguidores. Ela adapta-se a uma necessidade, no caso, da Guerra do Contestado, a expropriação da terra (meio de produção dos caboclos). Rodando pendurado no moinho, o personagem de Estênio Garcia diz:

- Mas ele é todo de ferro madrinha? - Inteirinho, você não precisa ter medo.

- Se ele só come terra, não pode ser gordo. Vem dragão, vem! Vem dragão que eu te mato, vem, vem!!

- É só terra que ele come madrinha?

- Dizem que é, comeu as terras do Seu Juca, comeu as terras dos vizinhos, por isso que nós temos que acabar com o bicho, porque ele pode querer vir aqui pras bandas de Taquaruçu, onde tá todo mundo quetinho.

(Diálogo em direção aos trilhos do trem, Filme A Guerra dos Pelados, 1970)

Na seqüência o personagem, ao tentar golpear o trem com o seu facão, acaba morrendo. Aqui, percebemos uma alusão à iconografia católica de São Jorge (São José Maria), à espada (facão) e aos dragões que o santo combatia (os trens provenientes da estrada de ferro). Fundem-se duas crenças: a crença católica e a crença em José Maria. A maldade está associada às imposições trazidas pelas multinacionais.

O filme mostra, o tempo todo, as batalhas entre os “pelados” e “peludos”, monarquistas da terra santa contra os republicanos da ordem vigente. Os “peludos”, assim chamados os republicanos pelos revoltos. Entre os conflitos, a obra reconstrói a invasão e incêndio da serralheria da Brazil Lumber e Colonization, onde os “pelados” acham os títulos das terras e os queimam junto com toda a serralheria, títulos estes que provavelmente foram grilados pelos latifundiários, conforme dissertamos no capítulo anterior. Isto é uma elucidação do comprometimento desta obra cinematográfica em relatar a rebeldia e a repulsa dos caboclos ao sistema estabelecido.

As cenas dos castigos contra os revoltos, chibatadas e crueldades contra os prisioneiros são comuns. Em uma sequência, os soldados ordenam que os revoltos cavem o próprio lugar onde vão ser enterrados, evidenciando a dura forma de impor a

autoridade sumária. Outro fato que exemplifica o abuso do poder é o dos soldados tirarem fotos com os inimigos mortos nas batalhas.

Uma força do governo cercou e bombardeou com artilharia a população remanescente de Taquaruçu, provocando um massacre que causou forte impacto em todo o planalto. Este ataque foi interpretado como um ato de covardia, pois em Taquaruçu só moravam mulheres e crianças, tendo a maioria dos homens seguido para construir o novo reduto. (MACHADO, 2008, p, 276)

No meio a tanta violência acontece o romance entre Ana e o seu protetor do exército revolucionário. Quando esta perde a sua virgindade, acaba o seu poder mediúnico. Ate que ponto este poder mediúnico existe ou está ligado à crença criada pela coletividade? A crença na luta pelas causas do monge José Maria é relatada a todo o momento na obra, são inúmeras as procissões, as rezas, os cantos, as pregações, o culto às imagens, entre outras práticas de fé trazidas pelo filme. São estas práticas que regem a organização política e social dos redutos da “Monarquia Santa”.

A comunidade formada em Taquaruçu reunia-se duas vezes por dia, perfilada em formas, onde homens, mulheres e crianças se colocavam em grupos separados na praça central do povoado, o “quadro santo”, um quadrilátero com cruzeiros colocados em cada vértice, tendo à frente uma igreja construída em poucos dias. Durante as formas a população praticava rezas, distribuíam-se as tarefas de trabalho e davam-se “vivas” a José Maria e à monarquia. (MACHADO, 2008, p. 273)

A Guerra dos Pelados encerra-se depois que os pelados sofreram duro golpe em Taquaruçu, no qual 700 soldados da República os fazem recuar e fugir para Caraguatá. As cenas finais são dos sobreviventes, a cavalo e a pé, rumando para o seu novo destino. Mesmo em situação de morte, os “pelados” demonstram não temê-la, pois morrem em favor da causa de “São João Maria”. Mesmo em situação de fuga e com inúmeras dificuldades, um dos revoltos carrega a imagem de um santo durante todo o tempo, exercendo a sua fé.

- É bom a gente queima esse pelado, assim ele não ressuscita. - E o santo?

- Isso não é santo benzido nem padre sacramentado, você pensa que esse santo vai andar assim de mão em mão.

(Diálogo dos soldados ao queimar o corpo de um dos revoltos juntamente com o santo, Filme A Guerra dos Pelados, 1970)

Revolto caboclo sendo capturado e morto pelos soldados do Exército. (Fonte: Meu Cinema Brasileiro)

A nossa análise de A Guerra dos Pelados teve o intuito de encontrar a fidelidade historiográfica a partir do que expomos no capítulo anterior. Tal fidelidade pode ser comprovada, principalmente pelas escolhas de representação e pelos atalhos tomados por Sylvio Back que baseia sua obra no livro Geração do Deserto de Guildo Sassi. Em sua obra, não percebemos o objetivo de elucidar toda a Guerra do Contestado, passo a passo, mas sim os elementos mais significativos e relevantes. Inteligentemente estes elementos foram explorados em um momento mais específico da Guerra (final e combate ao povoado de Taquaruçu) e trouxeram à tona todo o contexto do episódio histórico.

Neste momento, cabem as sugestões aos educadores que desejarem trabalhar com A Guerra dos Pelados em sala de aula. O filme é recomendado ao Ensino Médio e como não apresenta todo o recorte temporal e cronológico da guerra, necessita, obviamente, de um maior cuidado no embasamento teórico precedente a sua exibição em classe. Esta obra cinematográfica carrega a possibilidade de enriquecer os detalhes, os grupos e os setores sociais envolvidos no contexto.

O professor, ao interpretar as obras cinematográficas em classe, assume a posição de ser o porta-voz e propor o que vai ser discutido. Este é o momento de dialogar com os alunos sobre as alternativas e aspectos que o filme desperta nos educandos. Quando devidamente analisados, os silêncios do filme podem assumir em sala de aula também uma posição pedagógica.

3.3 CABRA MARCADO PARA MORRER: UMA “RE-RE-CONSTRUÇÃO” DOCUMENTAL

Cabra Marcado para Morrer é um filme documentário brasileiro escrito e dirigido por Eduardo Coutinho. Na produção, além do diretor e equipe técnica, encontram-se Ferreira Gullar e Tite de Lemos na narração. O enredo consiste numa narrativa da vida de João Pedro Teixeira, um líder camponês da Paraíba (assassinado em 1962) e ilustra a história da desapropriação de terras do Engenho da Galiléia. O documentário é construido a partir do depoimento de antigos moradores do engenho, Elizabeth Teixeira (viúva de João Pedro) e seus filhos, separados dela desde o Golpe Militar de 1964. Para a sua execução, contou com o apoio do Centro Popular de Cultura (CPC) e o Movimento de Cultura Popular (MCP), organizações ativistas contra o regime militar.

O primeiro projeto do filme, no âmbito da execução do roteiro, utilizou como atores os próprios moradores do Engenho da Galiléia, montando uma história baseada nos fatos reais do assassinato de João Pedro. Com isso, Coutinho, segundo Antonio Torres Montenegro, “talvez imaginasse que, assim aprendera e vivenciara diversas experiências ao longo desses anos, os camponeses/atores, inseridos em uma outra classe social, também teriam muitas e ricas vivências e experiências a narrar” (MONTENEGRO, 2001, p. 182).

Coutinho trabalha, em suas escolhas, a mesclagem da memória local, o contexto histórico abordado e suas implicações no quadro sócio-político, tanto da época referida como o tempo presente, segundo Altmann,

[...] lançando uma ponte entre o passado e o presente, restabelecendo essa continuidade interrompida. Se a criação desta ponte, enquanto denunciação de uma memória injusta e inacabada, for uma das tarefas do cinema, acreditamos que Cabra Marcado concretizou-a de forma bem sucedida. (ALTMANN, 2004, p. 101)

Com o golpe militar de 1964, os policiais militares entram em confronto com os camponeses e a produção da obra, suspendendo a filmagem. A maioria do material é salva, pois já tinha sido enviada para o laboratório e retirada do local. Em 1984, quando o regime militar estava em processo de abertura política, o filme adquire o aspecto de documentário. Eduardo Coutinho volta ao local, e em suas articulações para a reestruturação do filme, reproduz o que havia sido gravado aos atores e antigos

moradores do engenho, que participaram da primeira versão, camponeses e atuais moradores.

A partir disso o filme dá continuidade no processo de representar as minorias que não fazem parte das construções da estrutura da elite social, salientando outra característica relevante da obra que, em seus aspectos estéticos

estrutura a matéria da história de modo diferente daquele encontrado em documentos históricos das décadas de 1970 e especialmente de 1980: em vez dos grandes acontecimentos e homens exemplares, o filme se ocupa de acontecimentos fragmentários, personagens parciais e anônimos, aqueles que foram esquecidos e recusados pela história oficial e pela mídia (LINS, 2007, 31)

Agora o segundo projeto assumiria, além da reconstrução a cerca do episódio do assassinato de João Pedro e da Liga de Sapé, a reconstrução do primeiro projeto e das trajetórias particulares de cada participante (direta ou indiretamente) da primeira versão. Nas duas reconstruções encontramos a preocupação de contribuir com a historiografia no assunto correspondente às lutas camponesas no nordeste contra o latifúndio.

O primeiro passo da reestruturação do filme (documentário de 84) consistiu na reprodução das imagens para os participantes da primeira versão, numa noite de sábado, situação propícia para encontrar todos os presentes. As imagens foram produzidas exatamente como foram resgatadas, ou seja, com as cenas fora de ordem e com repetições. As entrevistas que se seguem no filme não possuíam um roteiro prévio. Nos depoimentos são encontrados os destinos e as emoções mais diversificadas.

Um morador, em seu depoimento, relata que guardou dois livros da equipe de produção. Os policiais militares ao investigar o morador o questionam se os livros pertenciam aos “cubanos”, assim chamada a equipe de produção do filme. A obra retrata, sob a forma de depoimentos, a repressão sofrida durante o regime militar. Em um desses depoimentos, sobre a perseguição dos militares exercidas à equipe técnica e à população do engenho, um dos camponeses, ao relatar os abusos sofridos nos cativeiros da ditadura, questiona Coutinho dizendo. “O que foi que eu construí na grade da cadeia pra nação?” Em umas das entrevistas de Coutinho à Elizabeth, ela manifesta a sua gratidão em relação ao processo de reabertura política, também nesse depoimento ela fala sobre a perseguição do regime militar:

- E hoje eu me encontro aqui ao lado do meu filho, me avistando com você Coutinho, hoje, que eu nunca esperava você estar aqui na minha residência. E

a quem nós vamos agradecer né? Eu não tinha mais esperança... de nunca mais encontrar nem sequer com os meus filhos, porque eu tinha medo, eu sofri muito, acho que vocês são testemunhas, eu sofri demais. A perseguição era grande, os caras tiveram muita vontade de me exterminar.

- A senhora está há muito tempo aqui? - Tô. A dezesseis anos.

(Depoimento de Elizabeth Teixeira a Coutinho sobre a perseguição do regime militar, Filme Cabra Marcado Para Morrer, 1964/1984)

João Mariano, ator que fez o papel de João Pedro, relata na retomada da produção da película, que apesar de se identificar com o personagem real, é contra a luta camponesa, por preceitos religiosos - hoje pastor de uma igreja batista - e tem aversão à revolução. Neste momento, encontramos outra das grandes significações de Cabra Marcado para Morrer: as diferentes trajetórias pessoais dos sujeitos envolvidos, desde a luta das Ligas Camponesas na década de 50 até a década de 80, quando o filme conseguiu ser finalizado. Ao se referir a João Mariano diz que

[...] a presença dele em Cabra/84 enfatiza as diferenças nas trajetórias individuais e na relação que cada um dos antigos atores estabelece com o material filmado. Ao contrário dos demais trabalhadores, não tinha inserção no movimento das ligas. Expulso de um engenho, aceitou trabalhar no filme e foi pouco a pouco se identificando com o papel de João Pedro. (LINS, 2007, p. 49)

Elizabeth Teixeira, mulher de João Pedro, ficou desaparecida durante 17 anos, mudou seu nome para Marta, sustentou-se lavando e passando roupa para terceiros e como alfabetizadora. Permaneceu no silêncio para sua própria proteção. Foi encontrada através do seu filho Abraão. Nas suas entrevistas, a riqueza manifesta-se, além da luta camponesa pela Liga Camponesa, no seu testemunho de vida junto com João Pedro e a perseguição que seu marido sofrera. Segundo palavras dela, João Pedro tinha a consciência que ia ser assassinado e disse dias antes de morrer: “Eu vejo o ódio na cara do latifúndio”. Os policiais que assassinaram João Pedro foram todos absolvidos.

A família de João Pedro, após a perseguição do regime militar, se desmembra a procura de condições de sobrevivência. Os oito filhos de Elizabeth foram partilhados entre os avós, um encontra-se em Cuba, cursando Medicina com bolsa do governo cubano. A filha mais velha suicidou-se ingerindo Arsênico por não aguentar a tristeza da perda do pai.

Elizabeth Teixeira e seus filhos, antes da morte de João Pedro e a separação de seus familiares. (Fonte: Meu Cinema Brasileiro)

O filme contribui na construção da memória do local, associada à reflexão do contexto político-social brasileiro, exemplo disso é o cruzamento de informação, presente a todo o momento, no documentário entre os depoimentos e as manchetes dos jornais sobre a apreensão de material subversivo.

Cabra Marcado para Morrer é memória uma vez que é constituído por narrativas individuais, afetivas, resultadas da lembrança e do esquecimento de seus narradores; e, é história, na medida em que o filme foi manipulado, a partir de uma operação intelectual de Eduardo Coutinho sobre depoimentos que trazem à tona o passado, e isso lhe dá um caráter universal. (DIAS, 2003, p. 178)

Eduardo Coutinho, além de entrevistar os moradores do engenho, também foi atrás dos filhos do casal para levar notícias de Elizabeth, ao reproduzir as imagens da mãe, colhe depoimentos sobre o pai e a infância em família. Neles, a história da vida de João Pedro é explanada pela memória de seus filhos. Neste contexto, surge a entrevista com o pai de Elizabeth, este nunca se relacionou bem com João Pedro, durante toda a entrevista não pronunciou o nome do genro.

A memória de cada um dos envolvidos, assim como a do próprio diretor – essenciais para o filme – surgem misturadas a acontecimentos da história brasileira daquele período. O filme articula duas formas de abordar o passado, privilegiando a memória de um grupo e levando em conta que ela conserva em relação ao passado uma abertura diferente daquela da história

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