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2 AS REVOLTAS CAMPONESAS NA FORMAÇÃO DA REPÚBLICA

2.2 A GUERRA DO CONTESTADO

religiosidade com as necessidades materiais de um povo sofrido, abandonado pelo poder público, que só aparecia para escolher impostos, acabou transformando o arraial e a mensagem de seu líder em sinônimo de liberdade para o sertanejo, oprimido pelo latifúndio, pelo Estado e por uma Igreja distante e ausente (VILLA, 1999, p. 244).

Euclides da Cunha, ainda que com os seus artefatos literários e tomado de certo posicionamento, também relata o aniquilamento do povoado de Canudos

Sabia-se de uma coisa única: os jagunços não poderiam resistir por muitas horas. Alguns soldados se haviam abeirado do último reduto e colhido de um lance a situação dos adversários. Era incrível: numa cava quadrangular, de pouco mais de metro de fundo, ao lado da igreja nova, uns vinte lutadores, esfomeados e rotos, medonhos de ver-se, predispunham-se a um suicídio formidável. Chamou-se aquilo o hospital de sangue dos jagunços. Era um túmulo. De feito, lá estavam, em maior número, os mortos, alguns de muitos dias já, enfileirados ao longo das quatro bordas da escavação e formando o quadrado assombroso dentro do qual uma dúzia de moribundos, vidas concentradas na última contração dos dedos nos gatilhos das espingardas, combatiam contra um exército. (CUNHA, 2007, p. 596)

Apesar de seu extermínio, Canudos representou e, até hoje, constitui um modelo de resistência contra o poder público, contra o latifúndio, contra o Estado e contra a Igreja. A religiosidade, resignação e modo de vida proposto por Antônio Conselheiro, supria as carências do povo sertanejo que viveu no povoado uma alternativa de melhores condições de vida.

2.2 A GUERRA DO CONTESTADO

A Guerra do Contestado recebeu esse nome devido às conturbações da disputada região entre os estados de Santa Catarina e Paraná. A miscigenação oriunda do longo processo de colonização e o contato das etnias chegadas do continente europeu com o indígena do planalto serrano catarinense fez do caboclo o predominante grupo que passou a habitar a região.

Os elementos advindos da mesclagem dos primitivos moradores da floresta ombrófila mista com os pioneiros espanhóis e portugueses que palmilharam o Sul do Brasil são remotos e acompanham o processo lento de conhecimento, de povoamento e de ocupação dos espaços ocupados primitivamente pelos grupos indígenas. Na região do Contestado, são marcantes os traços da cultura do cabloco. (VALENTINI, 2009, 36)

Segundo Valentini (2009), a presença de benzedores, rezadores, curandeiro e dos monges fazia parte das práticas religiosas do sertanejo. Nesse contexto, surge a figura

de um peregrino (conhecido pelas suas peregrinações de cura desde 1846) conhecido como João Maria. Segundo o historiador Osvaldo Rodrigues Cabral “vestia um hábito, talvez franciscano, sobre o qual caíam-lhe os cabelos compridos e a barba longa. Dormia sobre uma tábua e alimentava-se de frutos, além de algumas dádivas dos sitiantes próximos” (CABRAL, 1979, p. 109), surgiu primeiramente em Sorocaba, depois no Rio Grande do Sul e Santa Catarina. Segundo Machado (2008, p. 262), “pregava aos párocos locais, recomendava uma vida de penitência e uma série de cuidados com a terra e as plantas”. Como indicava vertentes de águas para consumo da população, em várias localidades, essas fontes passaram a ser denominadas “águas santas”. João Maria provia cura com a “água santa”.

Devido a um incidente com o General Soares D´Andrea, presidente da província do Rio Grande do Sul, em 1949, João Maria passou a ser perseguido pelas autoridades locais. Por isso, não permitiu que os caboclos promovessem aglomerações por onde ele passava. Essas aglomerações dos pobres e doentes nos locais passaram a ocorrer devido à procura do monge e de suas práticas de cura. Conforme Paulo Pinheiro Machado, a prisão de João Maria estava ligada a uma intervenção armada no Prata e a reunião dos devotos do monge poderia atrapalhar as estratégias das operações militares.

O rezador itinerante foi capturado pelas tropas do governo e enviado para a província de Santa Catarina. Naquela oportunidade Soares d`Andrea preparava uma grande força armada para a intervenção no Prata e não desejava a formação de um “ajuntamento de fanáticos” que poderia atrapalhar os preparativos das operações militares cujo alvo era a derrubada dos governos de Oribe, no Uruguai, e de Rosas, em Buenos Aires. (MACHADO, 2008, p. 262)

João Maria passou a ser vigiado, se tornando um viajante e ficando pouco tempo nos locais por onde passava, apesar disso, continuava suas práticas religiosas. A partir de 1870, esse João Maria não foi mais visto, as causas de sua morte levam a diferentes hipóteses historiográficas pela ausência de registros mais precisos.

Na década de 1890, outro rezador, de semelhança física com o primeiro, passou a circular pelas mesmas regiões. Segundo Paulo Pinheiro Machado:

Apesar de manter práticas semelhantes às do primeiro João Maria – como batismos de crianças, a ereção de cruzeiros e conselhos para uma vida com respeito e justiça – este andarilho passou a divulgar um discurso apocalíptico que identificava na República um dos sintomas da proximidade do fim do mundo e da “noite dos três dias” (MACHADO, 2008, p. 263).

Este segundo, agora assumiria o caráter messiânico, pois além de surgir como curador, ter a fama espalhada pelos arredores e exercer práticas semelhantes a do primeiro João Maria, em seus discursos assumiria o tom apocalíptico identificando a República como um dos sintomas que causaria o fim do mundo. Encontrava-se nesta junção de práticas ligadas a fé popular e o seu engajamento com as causas sociais, os anseios da população cabocla do planalto catarinense.

Para João Maria de Jesus, o fim da monarquia representava o prenúncio de grandes catástrofes que atingiriam o mundo. São anunciadas epidemias, pragas na lavoura e na criação, a vinda de máquinas monstruosas como corvos de aço (aviões), gafanhotos de ferro (serrarias) que acabariam com as florestas. Uma inversão de valores e comportamentos também aconteceria: os homens seriam cada vez mais parecidos com as mulheres e vice-versa. Uma longa noite que duraria três dias levaria à morte a maioria da população, todos seriam julgados, os pecadores iriam para o inferno, só sobreviveriam os penitentes que levassem uma vida justa e plantassem cruzes frente as casas (MACHADO, 2001, p. 159)

Por estabelecer essas novas práticas, este segundo João Maria foi extremamente hostilizado pelo clero (principalmente os franciscanos alemães). O desejo dos padres era de retomar as práticas de domínio sobre a comunidade, como a missa, a comunhão, a confissão, o casamento religioso, entre outras. Por isso, hostilizavam as práticas religiosas populares como as festas, os batismos por leigos, casais “amasiados ou casados unicamente no civil. Neste contexto, os clérigos queixavam-se do desleixo da população pobre e também de alguns ricos fazendeiros do planalto catarinense com as práticas católicas, pois viviam à espera de alguma visita de João Maria. A difamação de João Maria por meio dos líderes religiosos ocorreu por estes estarem assustados com o fanatismo da população pelo monge (MACHADO, 2008).

A fusão de dois em um ficou envolta em mistérios assim como o desaparecimento deste segundo profeta caboclo. Este último sumiu da mesma forma imprevista como que chegava e partia por todos os lugares que andou e simplismente desapareceu sem deixar rastro de si. Muitos acreditam que tenha se recolhido para o Morro encantado do Taió; outros, acreditam ter partido para o Mato Grosso onde teria acabado os seus dias; ainda outros afirmam estar enterrado em lagoa Vermelha, Rio Grande do Sul (VALENTINI, 2009, p 48)

Cabral (1979), assim como outros pesquisadores, afirma que outros indivíduos assumiram a identidade de João Maria, porém a crendice popular é de que só existiu um, o “São” João Maria. Os devotos consideram que João Maria ainda vive “encantando”, com mais de duzentos anos, no morro do Taió, em Santa Catarina.

A Guerra Federalista12 significou a disputa pelo poder regional entre as duas principais forças políticas das classes dominantes locais. De um lado, os Federalistas ou Maragatos, herdeiros políticos do partido liberal do Império, e do outro lado os Republicanos ou Pica-Paus, formado pelo conjunto de novas lideranças (militares, profissionais liberais e antigos políticos conservadores). Com o aumento da proporção da guerra e envolvimento da população, João Maria passou a cuidar dos ferimentos de alguns combatentes maragatos na região do Rio do Peixe, região apelidada de “Território do Monge”. Quando indagado se era partidário dos federalistas, João Maria disse que não tinha partido “mas era a favor dos mais fracos e dos que sofrem” (MACHADO, 2008). Os problemas da concentração da propriedade da terra acentuaram-se em Santa Catarina com o fim da Guerra Federalista.

Um povoado em Lages, fundado e liderado por um indivíduo que apresentava- se como primo-irmão de João Maria reuniu, também por práticas religiosas alheias à ordem católica, a população errante dos arredores, exemplificando a identificação da população e o envolvimento desta nas lutas em nome do São João Maria. Este povoado acabou por unir duas tradições marginalizadas da época: a tradição federalista e a tradição religiosa de João Maria. A imprensa chamou este movimento de “Canudinho” de Lages, fazendo referência ao arraial fundado por Conselheiro no interior da Bahia. Tal povoado foi arruinado pela Brigada gaúcha.

O movimento do “Canudinho” de Lages pode ser observado, externamente, na capacidade de gerar uma reação enérgica, desproporcional e rápida dos governantes. É muito provável que o ambiente de quase histeria nacional, que animou a quarta expedição à Canudos, tenha contribuído marginalmente para legitimar a chacina de Entre Rios (MACHADO, 2001, p. 167)

Além desses fatores responsáveis pelas conturbações locais, surge a construção da estrada de Ferro São Paulo / Rio Grande. O ramal sul-norte, entre Marcelino Ramos e União da Vitória, foi construída entre 1908 e 1910, e o ramal leste-oeste, entre União da Vitória e Rio Negro foi realizada entre 1910 e 1913. A companhia concessionária –

12 A Revolução Federalista ocorreu no sul do Brasil logo após a Proclamação da República, e teve como

causa a instabilidade política gerada pelos federalistas, que pretendiam "libertar o Rio Grande do Sul da tirania de Júlio Prates de Castilhos", então presidente do Estado.

Empenharam-se em disputas sangrentas que acabaram por desencadear uma guerra civil, que durou de fevereiro de 1893 a agosto de 1895, e que foi vencida pelos pica-paus, seguidores de Júlio de Castilhos. A divergência teve inicio com atritos ocorridos entre aqueles que procuravam a autonomia estadual, frente ao poder federal e seus opositores. A luta armada atingiu as regiões compreendidas entre o Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Paraná.

Southern Brazil Railwaym – adquiriu um contrato no qual em troca da construção da estrada receberia garantia de juros por parte do governo federal e, além disso, o direito ao usufruto de até 15 Km de terras devolutas de cada lado do leito da estrada de ferro, atingindo grande número de lavradores caboclos (VALENTINI, 2009).

A Brazil Railway criou uma empresa subsidiária – Brazil Lumber and Colonization – para explorar as madeiras destas terras e lotear os terrenos para vendê- los a imigrantes europeus. Além disso, construiu duas grandes serrarias (em Calmom e Três Barras) e criou um regimento de segurança maior que o efetivo da polícia catarinense.

O contato com os centros urbanos quebrou o isolamento secular da população que vivia na Região. Neste sentido, a Ferrovia São Paulo-Rio Grande carregou em seu bojo a exploração comercial da madeira, a colonização e a institucionalização da propriedade privada, fatores esses decisivos na deflagração da crise que submeteu o sertanejo á progressiva marginalização. Esta foi, pois, a principal causa da eclosão do maior conflito brasileiro da República Velha, denominado Guerra do Contestado. (VALENTINI, 2009, p. 202)

Neste contexto, surge a figura do curandeiro José Maria. Segundo Machado, (Machado, 2008) todos sabiam diferenciar José Maria de João Maria. José Maria não era rezador, não batizava nem dava conselhos comportamentais, porém, a sua aparência física de um homem idoso e de barbas e a tragédia do Irani13 em 1912 levaram a população a uma identificação com João Maria. Como os dois primeiros monges, é uma figura de passado desconhecido, pouco se sabe sobre suas origens. Sua aparição na região contestada ocorreu apenas no ano de 1912, ano que ocorreram diversos episódios que precipitaram a guerra sertaneja.

Sobre a figura deste monge a sociedade sertaneja se divide: muitos afirmam que São João Maria já havia previsto que surgiriam falsos profetas para explorar a boa fé do povo, e era o caso de José Maria, cujo nome consta ser

13 José Maria percebeu que a localidade do Irani, que encontrava-se na jurisdição do Paraná e tinha com

Santa Catarina questões jurídicas não resolvidas por conta de divisas territoriais, representava uma possibilidade de ocupação daquelas terras. Várias tropas do Regimento de Segurança do Paraná são enviadas para o local, a fim de obrigar os invasores a voltar para Santa Catarina. Com isso, inicias-se o confronto entre tropas do governo e fiéis do Contestado. Ao término da luta, morrem dezenas de pessoas, de ambos os lados. Incluindo-se o monge José Maria.

José Maria foi enterrado com tábuas pelos seus fiéis, a fim de facilitar a sua ressurreição, já que os caboclos acreditavam que este ressuscitaria acompanhado de um Exército Encantado, vulgarmente chamado de Exército de São Sebastião, que os ajudaria a fortalecer a Monarquia Celeste e a derrubar a República, que cada vez mais acreditava-se ser um instrumento do diabo, dominado pelas figuras dos coronéis.

Miguel Lucena de Boaventura, homem que se apresentou na região informando ser irmão de João Maria. (MACHADO, 2001, p 157)

José Maria foi acusado pelas autoridades de charlatanismo e pedofilia, com o intuito de desprestigiar o seu poder de liderança perante a população. Ivone Cecília D´avila Gallo, nos traz mais informações sobre as profecias de José Maria, o líder que pela crendice popular assumira a figura de João Maria, também com a identidade político-religiosa. Segundo a autora, José Maria pregava que

[...] o fim do mundo estaria próximo segundo uma avaliação, semelhante às feitas pelos profetas bíblicos, em que doenças, a forte tributação, o despotismo dos coronéis, as secas, as enchentes e a violência da Guerra Federalista (1893-1895) compunham um quadro catastrófico. A noite que duraria três dias levaria à morte os pecadores e impenitentes, só se salvariam os verdadeiros devotos, que viveriam dez séculos de felicidade (GALLO, 1999, p. 84).

Os caboclos sem-terra da região trabalhavam, sobre duras condições, para os fazendeiros locais e para as duas empresas norte-americanas que ali atuavam (a Brazil Railway e sua subsidiária Southern Brazil Lamber and Colonization) na construção da estrada de ferro. Com a acentuação da problemática da concentração da propriedade da terra, abrigaram-se na prática messiânica, que sofreu a hostilização do clero e das autoridades.

A atuação da Brazil Railway e da Lumber na região do plantalto catarinense intensificou os conflitos resultantes da política de terras do período republicano e operou profundas modificações na economia da região. Grande número de sertanejos, muitos dos quais já não tinham terras próprias para trabalhar, foram empregados na construção das linhas, pontes e estações da estrada de ferro. Ao final das obras, restavam milhares de desempregados (MACHADO, 2008, p. 270).

A desocupação de lavradores dos leitos dos rios, os problemas sociais e a disputa pela terra agravaram-se quando a empresa Brazil Railway contratou trabalhadores de outros estados para a construção da estrada de ferro, pagando baixos salários. Em 1910, quando a ferrovia ficou pronta, a empresa mandou embora os funcionários (cerca de 8 mil homens). Sem casa, sem dinheiro e sem ter como voltar para seus estados, eles passaram a perambular pela região, saqueando, invadindo propriedades e até oferecendo-se como jagunços aos coronéis. Tudo isso fez crescer muito as tensões sociais e políticas na região.

Ainda outro aspecto pertencente às causas da Guerra do Contestado, foi o conflito entre os pecuaristas e os pequenos posseiros que tiveram a sua produção agrícola devastada pela invasão do gado. Com o estabelecimento da Constituição de 1891 e a Lei Catarinense de Terras, os indivíduos que tinham conhecimento jurídico e aproximação com as autoridades legitimavam, por meio da grilagem e da usurpação, as terras ocupadas pelos pequenos posseiros. Os posseiros até tentavam legitimar as suas terras, mas esbarravam em inúmeras burocracias, geralmente as que diziam respeito à apresentação de documentos.

Com a República, pelo que foi definido na Constituição de 1891, o governo central passou para os estados a capacidade de legislar sobre terras e colonização. A primeira Lei Catarinense de Terras (Lei Estadual nº 173 de 30.9.1895) definia um prazo para a legitimação de antigas posses, sesmarias e títulos do Império, além de prever a venda de terras devolutas para novos proprietários. A legitimação de antigas posses era uma janela aberta à grilagem e usurpação, sobretudo nas regiões de fronteira agrícola. Indivíduos que tinham aproximação com cartórios, administrações municipais e outros órgãos de Estado conseguiam legitimar como propriedades seus territórios ocupados por pequenos posseiros. (MACHADO, 2008, p. 268).

José Maria reuniu mais de 20 mil sertanejos e fundou com eles alguns povoados que compunham a chamada “Monarquia Celeste” ou “Monarquia Santa”. A “monarquia” do Contestado tinha um governo próprio e normas igualitárias, e assim como em Canudos, não obedecia, as ordens das autoridades republicanas. O principal povoado da “Monarquia Santa” era Taquaruçu, resguardando nele caboclos migrados de outras localidades. Nele foram instituídas normas para reger a vida dos sertanejos nos redutos, estas normas modificar-se-iam com o tempo, entre elas, “a que identificava como irmão quem raspasse a cabeça e andasse com fita branca no chapéu” (VALENTINI, 2009, p. 207), por isso foram chamados de “pelados”.

Os povoados foram violentamente perseguidos pelos coronéis e fazendeiros, além dos donos das empresas estrangeiras, com o apoio das tropas do governo. O objetivo era destruir a organização comunitária a expulsar os caboclos das terras que ocupavam.

Diante da miséria provocada pela falta de milho, devorado pelos ratos, dos pinhões, pela derrubada dos pinheiros e pelos despejos das terras onde viviam, o quadro dos “errantes do novo século” foi perambular pelos sertões e buscar em José Maria a esperança de um tempo de Justiça e de felicidade na imaginação e na criação de uma cidade santa, ambiente místico, esse que

confortava os atribulados sertanejos da Região do Contestado (VALENTINI, 2009, p. 206).

Após a morte de José Maria na região do Irani, o monge, pela crendice dos revoltos, passou a se comunicar através de mensagens através de sonhos, transes e visões com as virgens e os comandantes de reza. Através dessa prática, as lideranças religiosas prosseguiram o caráter messiânico da Guerra do Contestado. Existiram vários líderes nos diversos redutos da “Monarquia Santa”, o último foi Adeodato, cuja lembrança está associada aos mais duros momentos da experiência cabocla. Adeodato foi julgado o mais sagaz dos rebeldes pelas notícias oficiais, “A liderança de Adeodato ocorreu durante os últimos 13 meses do conflito desde o auge da fúria cabocla à decadência total” (VALENTINI, 2009, p. 234). Entre os “vandalismos” dos caboclos estão os ataques às madeireiras da Brazil Southern and Colonization, Conforme afirma Valentini

Entre os dias 5 e 6 de setembro de 1914, um grupo de mais de duzentos sertanejos atacou e incendiou as estações ferroviárias de Calmon e São João dos Pobres, atual cidade de Matos Costa. Em Calmon, além da estação, queimaram a madeireira Lumber, que fazia parte da Southern Brazil lumber e Colonization Company (VALENTINI, 2009, p. 219)

O conflito entre “posseiros, matutos e atrasados” e a “estrada de ferro”, o “governo” e o “progresso” (CARVALHO, 2008) exemplificava a desordem social e as contradições trazidas pela republica emergente.

A resposta a esta contradição, em nosso entendimento, reside na relação entre a Guerra do Contestado e o processo de construção do Estado Republicano. O alvorecer da República brasileira foi marcado também pela imposição de um determinado projeto hegemônico, calcado não mais na oposição escravo versus livre, mas sim no binômio moderno versus arcaico, construção discursiva que visava ao estabelecimento de identidades, na medida do possível, esvaziadas de seu conteúdo de classe e, justamente por isso, capazes de ocultar a dominação então estabelecida (CARVALHO, 2008, p. 302).

Em 1916, os últimos núcleos foram arrasados por tropas de 7 mil homens armados de canhões, metralhadoras e até alguns aviões de bombardeio que, pela primeira vez, foram usados como arma de combate no Brasil. Assim, findava a Guerra do Contestado, mais uma tentativa de resistência contra o sistema oligárquico e o latifundiário, manipulador das funções políticas, econômicas e sociais da nação brasileira.

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