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GUERRA DE CANUDOS: UMA APROXIMAÇÃO A OS SERTÕES

2 AS REVOLTAS CAMPONESAS NA FORMAÇÃO DA REPÚBLICA

3.1 GUERRA DE CANUDOS: UMA APROXIMAÇÃO A OS SERTÕES

Guerra de Canudos é um drama, dirigido por Sérgio Rezende, de roteiro escrito por Paulo Halm e Sérgio Rezende, lançado no ano de 1997. No elenco estão presente os atores José Wilker (Antônio Conselheiro), Cláudia Abreu (Luíza), Paulo Betti (Zé Lucena), Marieta Severo (Penha), Selton Mello (Alferes Luis), José de Abreu (Gen. Artur Costa), Tuca Andrada (Arimatéia) e Tonico Pereira (Cel. Moreira César).

O enredo conta a saga de uma família nordestina que se integra ao povoado de Canudos, exceto a filha mais velha, Luiza, que se recusa a acompanhar os pais e seus irmãos na peregrinação liderada por Antônio Conselheiro. Luiza foge e nao adere ao

movimento dos revoltos. Sua família passa a residir em Belo Monte, região da localização do povoado, onde Conselheiro e seus fiéis resistem às normas republicanas, estruturam as suas condições de existência e resistência às forças militares enviadas com o intuito de extinguir o povoado.

Luiza, depois perambular alguns meses no sertão, abriga a sua vida na prostituição. Em seu prostíbulo conhece Arimatéia, um soldado do Exército, os dois se casam e Luiza passa a acompanhar as tropas, junto com as demais famílias dos soldados envolvidos no conflito. Quando o marido de Luiza morre em combate, esta passa a se prostituir para os soldados e, neste contexto, o jovem alferes Luis se apaixona por Luiza.

Belo Monte foi atacada por três vezes, porém não conseguiram derrotar a guarda formada pela insurreição de Conselheiro. Os soldados só conseguiram aniquilar Canudos na quarta investida contra o povoado, colocando ao chão as aspirações dos revoltos e estabelecendo a ordem desejada pelos coronéis-fazendeiros, pelos latifundiários e as forças militares da nascente Republica Brasileira.

Há uma diversidade de documentários e de outros filmes de ficção que englobam este mesmo tema. Nesta lista, encontramos o clássico Deus e o diabo na terra do sol (produzido no ano de 1964) de Glauber Rocha. Nessa obra, severamente crítica, encontramos, devido à censura exercida pelo regime militar que se estabelecia no Brasil, uma alusão à causa de Conselheiro e seus seguidores, onde um beato é capaz de reunir homens e mulheres espoliados pela estrutura latifundiária e patriarcal dos sertões (BRASIL, Umbelino, 2006).

O filme A Guerra de Canudos é, segundo muitos pesquisadores que já analisaram a obra, comprovadamente apegado à versão tradicional da história que relata o período referido. A autora Lícia Soares de Souza (2007) chega a usar as expressões “reforço da história oficial” e “obra estatal”. De fato, como na maioria das grandes produções nacionais, a obra se beneficiou de inúmeros patrocinadores, entre eles, instituições federais. A autora relata que o

Estado da Bahia apoiou a produção por várias formas: o Senador Antonio Carlos Magalhães conseguiu o apoio da Petrobrás para o filme e, durante as gravações, o Estado fez deslocar um efetivo de policial e cavalaria para fazer parte da figuração, instalando também redes de eletricidade e telefonia no sertão junto às locações (SOUZA, 2007, p. 81-82).

Analisamos o filme de Sérgio Rezende sob a perspectiva de como, em se tratando de uma obra cinematográfica, ainda que balizada na mesma direção da história tradicional, ampara ou nega a pesquisa historiográfica sobre a Guerra de Canudos. Através do diálogo abaixo, retirado da cena em que Zé Lucena e sua família se questionam sobre como seria o mar, desconhecido por eles, percebemos a mesma direção de Os Sertões e a mesma tentativa de demonstrar o choque da cultura do interior (sertão baiano) em oposição ao litoral (centro brasileiro “civilizado”).

- Já viu o mar meu pai?

- Ainda não, mas dizem que é um desmazelo de água, verdinho que nem depois de chuva, dizem também que nele vivem os bicho grande, peixe do tamanho de vaca, inté maior.

- Eu queria conhecer;

- Não precisava nem de ser o mar.. a cidade grande, saí do meio desse mato nem que seja só por um só dia.

(Diálogo da família de Zé Lucena, Filme Guerra de Canudos, 1996)

A família do interior desconhece o mar. Compara-o com veneração às coisas do seu dia a dia e do seu mundo real. Distante como o mar, está também a “cidade-grande”, que significa a esperança de sair da realidade que não oferece opção. Conforme nos afirma Hauser, “Canudos tem antes a ver com a personagem do Conselheiro e particularmente com os seus privados. Contenta-se com a insinuação vaga de que a guerra era o conflito entre a civilização e a barbárie” (HAUSER, 2001, p. 167). O mar, a cidade grande e o mundo civilizado são a realidade dos grupos mentores da estruturação republicana e apenas uma construção feita no mundo das idéias pelos sertanejos.

As primeiras cenas do filme mostram as autoridades republicanas cobrando impostos e confiscando bens e outras propriedades da população sertaneja. Conselheiro surge desafiando as autoridades e passa a ser venerado pela população. As suas pregações e suas práticas levam à crença que o seu seguimento promove a salvação das misérias dos camponeses do sertão baiano, ilustrando o que encontramos na bibliografia sobre o caráter messiânico do líder de Canudos.

Na cena em que reza em torno da fogueira, após pedir água para seus fiéis na propriedade de Zé Lucena, observamos a fascinação que exercia ao povo que passava a segui-lo. Apesar de não alterarem as suas drásticas situações de sobrevivência, os sertanejos encontravam nas promessas de Conselheiro e no refúgio de Canudos o que a vida miserável não podia lhes dar. Os seus fiéis aderem ao movimento de Conselheiro

indignados com a nova situação social, que se impunha sobre a população, vinda da implantação da República e queda do regime monárquico.

Segundo Villa

Depois de 1889, Antônio Conselheiro continuou a percorrer cidades, vilas e arraiais, reformando igrejas e cemitérios, sendo cada vez mais ouvido pelos sertanejos e consolidando a sua liderança religiosa. Com a intensificação dos conflitos intra-oligárquicos e a reorganização do Estado o embate com os novos donos do poder era inevitável. (VILLA, 1999, p. 54)

A fotografia da película, ao recriar Belo Monte, retrata a paisagem árida e de poucos recursos disponíveis do sertão baiano. No filme, encontramos, no cenário, a representação da seca permanente do sertão, e como os sertanejos sobrevivem no meio dessa dificuldade. Os retirados em Canudos constroem suas casas de tijolos de adobe num meio de incrível adversidade em que a escassez atinge a todos os níveis.

Euclides da Cunha, em Os Sertões, também ressalta este aspecto em sua obra, nos trechos de seu registro da guerra, o autor nos fala que “é natural que as vicissitudes climáticas daqueles nele se exercitem com a mesma intensidade, nomeadamente em sua manifestação mais incisiva, definida numa palavra que é o terror máximo dos rudes patrícios que por ali se agitam – a seca” (CUNHA, 2007, p. 64). O autor, ao descrever a Geografia do povoado, ainda complementa que

[...] ao mesmo tempo espelha-se o regime excessivo: o termômetro oscila em graus disparatados passando, já em outubro, dos dias com 35º C à sombra para as madrugadas frias. No ascender do verão acentua-se o desequilíbrio. Crescem a um tempo as máximas e as mínimas até que no fastígio das secas transcorram as horas num intermitir inaturável de dias queimosos e noites enregeladas. (CUNHA, 2007, p. 59)

O filme mostra Antônio Conselheiro pregando ao seu povo, nessas pregações, ele alerta, por meio de profecias, sobre as invasões que sofrerá o povoado: “Virão quatro fogos, os três primeiros eu vou cuidar, o quarto eu deixo nas mãos do bom Jesus”. As investidas contra Canudos no filme mostram que as tropas do Exército, apesar de melhor armadas não estavam aptas ao combate na realidade do terreno desértico. Com isso se mostravam desgastadas, exaustas e famintas. A cena que retrata os soldados comendo vorazmente o que encontram na moradia, ao invadirem uma das casas do povoado, vem exemplificar tal fato.

Uma das derrotas também pode ser atribuída à ganância do coronel Moreira César (chamado no filme de o corta-cabeças) que não dá o devido tempo de descanso

aos soldados nem a si mesmo, já que havia sofrido um ataque de nervos, subestimando a capacidade de defesa dos sertanejos. Uma aproximação dessa representação do filme com a bibliografia sobre o assunto é o que relata Villa sobre as estratégias militares que envolveram o Exército Brasileiro no combate ao povoado.

Absorvidos pelas tarefas de rotina, sem um programa de aperfeiçoamento e distantes da especialização nos diversos campos da arte militar do final do século XIX, o Exército vegetou à margem dos conflitos entre as frações da classe dominante. Nas repressões às revoltas ocorridas durante o período regencial atuou como agente do poder executivo, restabelecendo a ordem e impondo à força das armas o projeto de Estado nacional unitário e centralizado. (VILLA, 1999, p. 93)

Em posição contrária, a Guarda Católica, encarregada pela proteção de Canudos lutava com o favorecimento do conhecimento do terreno e da árida paisagem onde se encontrava, além das bênçãos e da proteção do messias. Conselheiro abençoava os que guardavam o povoado. “Eles vão vestir o manto azul de Nossa Senhora”, disse o beato, em diálogo do filme, aos fiéis encarregados de chefiar a guarda ao receberem novos combatentes chegados das redondezas. Os fiéis acreditavam que a morte em defesa do povoado levaria à salvação. Eis um diálogo que nos leva a melhor entender isso.

- 600 soldados e não acabaram com eles?

- A gente fez o que pode, viu moço, mas eles eram o mundo todo. - E o armamento?

- A arma deles foi coragem, foi não Zé... Eles brigavam com pedaço de pedra, com pau, tinha um trabuco que outro, mas eles não tinham medo de morrer. Eles vinham pra cima da gente e a gente mandando chumbo, eles pra cima da gente e a gente mandando chumbo... Até quando eu fiquei sem bala e me ocorreu uma idéia, que era isso que eles queriam, que a gente gastasse a munição toda pra ter que recuar. Dito e feito, daí quem correu, correu, quem não correu, morreu. (Diálogo de Arimatéia no prostíbulo, Filme Guerra de Canudos, 1996)

Em outro momento do filme, Zé Lucena demonstra a resignação ao seu líder, quando já na quase aniquilação de Canudos conversa com um de seus companheiros que traz as notícias da saúde de Antônio Conselheiro. Segundo Roberto Ventura:

A destruição de Canudos se deveu menos ao anti-republicanismo do Conselheiro do que a fatores políticos, como os conflitos entre facções partidárias na Bahia, a atuação da Igreja contra a atuação pouco ortodoxa dos beatos e pregadores e as pressões dos proprietários de terras contra a comunidade, cuja expansão trazia escassez de mão-de-obra e rompia o equilíbrio político da região. (VENTURA, 1997, p.167)

As estruturas agrárias do latifúndio, o quadro de marginalização social dos sertanejos, a disputa de poder oriunda das novas ordens republicanas e a liderança exercita por Antônio Conselheiro e suas conturbadas reverberações sociais fizeram parte da natureza, resistência e destruição do povoado de Canudos. O líder exercia, através de suas práticas religiosas, uma fascinação em seus seguidores e com isso engajou seus fiéis em um quadro de maior proporção, recusando o sistema estabelecido e criando as suas próprias normas e práticas sociais. Euclides da Cunha descreve Antônio Conselheiro como

[...] o anacoreta sombrio, cabelos crescidos até os ombros, barba inculta e longa, face escaveirada, olhar fulgurante, monstruoso, dentro de um hábito azul de brim americano; abordoado ao clássico bastão em que se apóia o passo tardo dos peregrinos (CUNHA, 2007, p. 194)

De maneira similar este se encontra representado no filme, José Wilker (ator que representa este papel) tem barbas e cabelos compridos, usa manto, crucifixo no pescoço e aparece sempre com seu cajado. Seu olhar parece ver, ao mesmo tempo, as suas promessas e vidências futuras e os sofrimentos dos sertanejos que guia, transfigurando- se em um deslumbramento e fascinação para o povo que cativa.

Antônio Conselheiro e seus seguidores (Fonte: Meu Cinema Brasileiro)

O filme expressa também as conturbações do contexto da recém-implantada República em substituição à Monarquia. A repulsa pela Monarquia era considerada tarefa do Exército Brasileiro, também em estruturação. O coronel Moreira César sofre

um ataque de nervos ao relatar para o alferes Luiz a sua ambição e planos para a captura de Antônio Conselheiro.

- Pois preste atenção meu rapaz. Nenhum desses soldados aí fora sabe o que viemos fazer aqui. Seu pai sabe, eu sei... Me diga, o que nós viemos fazer aqui? Pois muito bem meu rapaz, se você perguntar pra qualquer praça, até mesmo pros oficiais, eles dirão que viemos combater Canudos e matar Conselheiro. Mas você sabe o que eu vou fazer aqui? Eu não vou matar, eu vou prender, eu vou botar Conselheiro numa gaiola e vou desfilar com ele sobre esse sertão, e vou desfilar com ele na capital, na Rua do Ouvidor, pra que o povo veja o que é a Monarquia: loucura! A Monarquia não passa de um velho repelente comido pelos piolhos.

(Diálogo do Cel. Moreira César antes do ataque de nervos, Filme Guerra de Canudos, 1996)

No filme, pode-se perceber, por parte dos membros do exército e políticos, a crença em sua tarefa: levar a igualdade da República para os cidadãos. O jovem alferes Luis, personagem vivido por Selton Mello, ao pedir água e comida na propriedade de Arimatéia e Luíza, fala sobre as condições da guerra:

- Mas nós vamos voltar lá...

- Vamos varrer esse lixo do mapa do Brasil, arrasar aquele antro.

- Não é só arrasar, nossa missão aqui é bem maior, esses sertanejos também são cidadãos brasileiros.

- É um bando de doido...

- É possível que muitos sejam, mas outros não. É dever da República resgatar essa gente da miséria, trazer a luz da civilização para esses confins. A República é isso moça: progresso, bem-estar, felicidade.

(Diálogo do Alferes Luis e um de seus soldados, Filme Guerra de Canudos, 1996)

Ainda neste sentido, antes de uma batalha o general ordena que cantem o Hino Nacional e tragam a Bandeira do Brasil, dois símbolos brasileiros instituídos a partir da proclamação da República. A fotografia aparece no filme como uma novidade tecnológica, associada ao progresso oriundo da ordem republicana, trazida a população pelo jornalista que no meio do conflito se torna correspondente de guerra.

Em contrapartida, os revoltos associam todas as mazelas sociais à formação da República. A frase “o Anticristo da República” é repetida várias vezes no filme e a família de Zé Lucena se questiona: “Foi a República que levou Luiza embora?”, referindo-se à filha mais velha do casal, que não quis acompanhá-los ao se retirarem do povoado de Canudos com Antônio Conselheiro. Na cena em que o exército confisca a propriedade de uma sertaneja devido ao fato desta não pagar os impostos, Conselheiro profere:

- O beato! Dê a seus fiéis um bom conselho, que paguem em dia seus impostos.

- Como devem pagar a quem nada lhes deu?!

- É justo que os brasileiros não respeitem as leis da República. Quem tirou o Dom Pedro do trono, lhe tirando o direito divino de governar sobre o Brasil? Foi o Anti-cristo da República. Quem inventou o casamento civil, fora da igreja? Foi o Anti-cristo da República. E os impostos, quem inventou? Foi o Anti-cristo da República.

- Eis aí o que a República é: o cativeiro. Trabalhar somente pro governo. É a escravidão, anunciada pelos mapas que começam. Veja aí essa véia, ela é branca, religiosa, por tanto a escravidão não respeita ninguém. Mas eu creio, eu nutro a esperança que mais cedo ou mais tarde Deus fará a devida justiça. A República há de cair por terra.

(Diálogo de Antônio Conselheiro, Filme Guerra de Canudos, 1996)

Eli Napoleão de Lima, ao analisar as bases do novo regime, diz que estas “eram frágeis, pois a República se instaurara sem um projeto político claro e alternativo à Monarquia”. Ainda complementa que as crises políticas “se inscreveram no amplo processo de desestabilização e reajustamento social que marcou o advento da ordem republicana” (LIMA, 2008, p. 242).

Outro fato a ser analisado no filme, é como reverberava as notícias de Belo Monte. Primeiramente, elas corriam no prostíbulo onde trabalhava Luíza, depois elas eram levadas, ainda que censuradas, manipuladas ou privadas da veracidade total, pelo correspondente de guerra que acompanhava o Exército e era obrigado a obedecer aos coronéis. Essas notícias enalteciam a República, o Jornalista tece um comentário sobre a imprensa carioca, que tendenciava os noticiários: “Não sei como eles sabem de tal fato, nem eu sei”.

Os Sertões, livro estrito a partir dos relatos da guerra por Euclides da Cunha, é considerado uma das principais referências sobre o registro do episódio. O autor, nas notas finais de sua obra, ao esclarecer a procedência da obra relata que

Este livro, secamente atirado à publicidade, sem amparo de qualquer natureza, para que os protestos contra as falsidades que acaso encerasse se exercitassem perfeitamente desafogados (...) os únicos deslizes apontados pela crítica são, pela própria desvalia, bastante eloquentes no delatarem as seguranças das idéias e proposições aventadas. Não tive o intuito de defender os sertanejos porque este livro não é um livro de defesa; é, infelizmente, de ataque. Ataque franco e, devo dizê-lo, involuntário. Nesse investir, aparentemente desafiador, com os singularíssimos civilizados que os sertões, diante semibárbaros, estadearam tão lastimáveis selvatiquezas, obedeci ao rigor incoercível da verdade. Ninguém o negará (CUNHA, 2007, p. 601).

Obviamente Euclides da Cunha não possui a veracidade historiográfica absoluta, nem expressaria em seu livro as suas reais intenções de posicionamento ideológico. Por isso, o historiador, ao avaliar e analisar em Os Sertões o aspecto científico, deixando de lado os aspectos voltados à produção artístico-literária, deve perceber a importância informativa e jornalística abrangidos na totalidade referencial. No filme o correspondente de Guerra remete o seu personagem a figura de Euclides.

Luiza, em todos os momentos do filme, cultiva o ódio contra conselheiro, tanto que insiste que seu esposo Arimatéia aliste-se na milícia que auxiliava o Exército, para acompanhar de perto a morte do líder político-religioso. Ao encontrar seus familiares em Canudos, pede a eles para se retirem do povoado, alertando-os que virão o reforço do Exército para a aniquilação dos sobreviventes. Zé Lucena não aceita a proposição, a filha, então condena o pai e culpa-o por toda a sua desgraça de vida e de sua família, já que foi por opção dele que sua mãe, irmão e irmã se auto-exilaram em Belo Monte.

Outro aspecto importante que o filme retrata são os danos sofridos por ambas as frentes envolvidas no conflito. As cenas da enfermaria, a morte de Luis pelas mãos de Luiza (os quais antes tinham vivido um romance) para sua sobrevivência, o choro da esposa de Zé Lucena sobre o filho morto no amontoado de corpos, as degolas, as crianças envolvidas no combate e as demais desumanidades que o filme apresenta podem despertar a sensibilidade das perdas que a Guerra de Canudos acarretou para toda a população envolvida.

O autor Marco Antônio Villa, ao relatar o final da guerra, nos diz que

Apesar da desproporção de forças, o Exército teve grande número de baixas. Só o 39° Batalhão de Infantaria teve 29 mortos e 53 feridos, perfazendo um total de 82 baixas. O panorama do arraial era ainda mais desolador: mortos espalhados pelas casas e ruas, prisioneiros com ferimentos gangrenados, escombros e incêndios por toda a parte (VILLA, 1999, p. 207).

O fanatismo de ambas as partes envolvidas: os revoltos de Canudos pela causa proposta por seu líder Conselheiro e os soldados pela república se contrapõem a todo o momento nesta obra cinematográfica. A morte na defesa do povoado levava a salvação, enquanto as invasões do Exército Brasileiro, junto com demais forças militares envolvidas se justificavam pelo estabelecimento da ordem republicana.

Em diálogo de um dos fiéis com Conselheiro, à mercê do massacre ao povoado, o homem mostrava-se desesperado dizendo: “É o fim meu pai”. Conselheiro com resignação respondeu: “Ou o começo, a gente nunca sabe”.

No filme, Antônio Conselheiro não morre pela mão, fogo ou espada de nenhum militar, isola-se em sua fé, escreve uma carta despedindo-se de seu povo e falece sozinho em seus aposentos. As cenas de extinção do povoado foram regadas a desespero misturado a rezas. Alguns fugiam, outros se entregavam, ainda lutavam entre si pelas decisões ambíguas. Ao final da guerra, o coronel do Exército carrega a cabeça de Conselheiro em uma lata, exposta como símbolo da vitória do Exército Brasileiro e da ordem republicana. Segundo Villa, “no dia 6, logo pela manhã, foi achado o corpo de Antônio Conselheiro ao lado de uma parede do santuário, enterrado de lado em uma

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