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Revoltas camponesas: cinema e ensino de história

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Academic year: 2021

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UNIVERSIDADE REGIONAL DO NOROESTE DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL – UNIJUÍ

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO NAS CIÊNCIAS

REVOLTAS CAMPONESAS: CINEMA E ENSINO DE HISTÓRIA

ALEXANDRE DOS SANTOS

Orientadora: DRA. NOELI VALENTINA WESCHENFELDER

IJUÍ - RS 2011

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ALEXANDRE DOS SANTOS

REVOLTAS CAMPONESAS: CINEMA E ENSINO DE HISTÓRIA

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Educação nas Ciências da Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul - UNIJUÍ, como requisito parcial à obtenção do título de Mestre em Educação nas Ciências.

Orientadora: Dra. Noeli Valentina Wenchenfelder.

IJUÍ – RS 2011

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FOLHA DE APROVAÇÃO:

ALEXANDRE DOS SANTOS

REVOLTAS CAMPONESAS: CINEMA E ENSINO DE HISTÓRIA

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Educação nas Ciências da Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul - UNIJUÍ, como requisito parcial à obtenção do título de Mestre em Educação nas Ciências.

Banca Examinadora:

... Profa. Dra. Noeli Valentina Wenschenfelder - Orientadora

... Profa. Dra. Elza Maria Fonseca Falkembach - UNIJUÍ

... Prof. Dr. Walter Frantz - UNIJUÍ

... Prof. Dr. Delmir José Valentini - UFFS

IJUÍ – RS 2011

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DEDICATÓRIA:

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AGRADECIMENTOS:

A minha família, minha afilhada Olívia – mais novo presente da família Santos Tridapalli – aos meus orientadores Paulo e Noeli, aos meus tios Cláudio e Ercília, à Lexotrio, aos meus colegas de curso e aos meus verdadeiros amigos.

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“Fui à floresta porque queria viver de verdade, eu queria viver profundamente e tirar toda a essência da vida, fazer apodrecer tudo o que não era vida e, não, quando eu morrer, descobri que não vivi.”

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RESUMO:

Esta pesquisa consiste numa análise de como os filmes possuem a capacidade de expressar as manifestações culturais, sociais, políticas e econômicas, bem como auxilia na Educação, neste caso, especificamente o Ensino de História. Para isso, torna-se pertinente a discussão de como ocorre o processo dos acontecimentos históricos se tornaram produções cinematográficas, no caso específico deste trabalho, como as Revoltas Camponesas são retratadas no Cinema Brasileiro. Analisaremos o caso específico de três obras: Canudos, A Guerra dos Pelados e Cabra marcado para morrer e como estas adquirem um potencial histórico e educacional, ou seja, como acontece a sua interação e a sua intersecção com a historiografia e as práticas pedagógicas.

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ABSTRACT:

This research is an analysis of how the movies have the capacity to express the cultural, social, political and economic manifestations, and as they suport the Education, in this case, specifically the teaching of History. For this, it´s pertinent discuss as the process of historical events turn the movies, in the specific case of this work, as the Peasant Revolts are portrayed in Brazilian Cinema. We will analyze the specific case of three movies: Canudos, Cabra marcado para morrer e A guerra dos pelados and how this movies obtain a historical and educational relevation, meaning the interaction and the intersection at the historiography and the pedagogical practices.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO 11

1 CINEMA E ENSINO DE HISTÓRIA ... 17

1.1 O CINEMA COMO MANIFESTAÇÃO CULTURAL ... 17

1.2 O CINEMA NA EDUCAÇÃO E NO ENSINO DE HISTÓRIA ... 23

1.3 CINEMA E HISTÓRIA ... 31

2 AS REVOLTAS CAMPONESAS NA FORMAÇÃO DA REPÚBLICA BRASILEIRA ... 41

2.1 A GUERRA DE CANUDOS ... 47

2.2 A GUERRA DO CONTESTADO ... 53

2.3 AS LIGAS CAMPONESAS: O CASO DO ENGENHO DA GALILÉIA ... 61

3 O CINEMA BRASILEIRO E AS REVOLTAS CAMPONESAS ... 67

3.1 GUERRA DE CANUDOS: UMA APROXIMAÇÃO A OS SERTÕES AMPARANDO O ENSINO DE HISTÓRIA ... 68

3.2 A GUERRA DOS PELADOS: FIDELIDADE HISTORIOGRÁFICA ENCONTRADA NAS ESCOLHAS DO DIRETOR ... 78

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3.3 CABRA MARCADO PARA MORRER: UMA “RE-RE-CONSTRUÇÃO”

DOCUMENTAL ... 84

CONSIDERAÇÕES FINAIS 90

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INTRODUÇÃO

Qual a relação entre Cinema e História? Como o ensino de História se favorece com o Cinema? Qual a conexão entre a Historiografia e as obras cinematográficas?

Nos diversos recursos e metodologias existentes para a análise e o ensino de História encontramos o Cinema, interpretado aqui, como qualquer texto fílmico produzido. Ao adentrar para a sala de aula, a obra cinematográfica passa a ser lida para servir de auxílio, da maneira mais adequada, ao ensino de História. Ao estudar este processo, emerge a interação entre a Historiografia e o Cinema e como ambos se dão suporte e se relacionam. Esta pesquisa consiste numa análise de como os filmes, por possuírem a capacidade de expressar as manifestações culturais, sociais, políticas e econômicas do contexto correspondente a sua produção, auxiliam na Educação, neste caso, especificamente o Ensino de História.

Para isso, torna-se pertinente a discussão de alguns questionamentos acerca do processo que torna os acontecimentos históricos o foco de algumas produções cinematográficas e como os filmes, nas suas mais diversificadas formas, passam a servir de novas abordagens para a pesquisa histórica. Devida a complexidade do tema e ao seu vasto objeto de estudo, neste trabalho delimitamos a discussão sobre algumas das Revoltas Camponesas narradas no cinema brasileiro.

O contexto dos dois primeiros filmes, que corresponde a formação e estruturação da República brasileira corresponde ao período histórico abordado, nele estão potencializadas as questões de disputa pela posse das terras e conflitos de natureza agrária em diversas partes do território brasileiro. O terceiro filme tem como pano de fundo a questão agrária brasileira e a luta pela terra nos anos 60.

Foram escolhidos três episódios, retratados através de três narrativas fílmicas, correspondentes a Guerra de Canudos, no sertão baiano nas últimas décadas do século XIX, a Guerra do Contestado, na disputada região entre os estados do Paraná e Santa Catarina e, ainda, o caso da desapropriação de terras do Engenho da Galiléia, movimento impulsionado pela Liga Camponesa de Sapé, no interior de Pernambuco, fato de cara referência para as lutas camponesas no país.

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Esses grupos precisam ser conhecidos e estar presentes, transformados em objeto de estudo/aprendizagem para as novas gerações. Estas frentes de contestação representam uma parte do quadro político do Brasil, devem ser vistos como constituidores de identidades (por identificações ou não identificações). As lideranças de Antônio Conselheiro em Canudos, José Maria no contestado e João Pedro Teixeira representam os grupos humanos aparentemente “vencidos”. Aparentemente, pois apesar de serem mortos pelo poder social vigente, esses grupos adquirem êxito servindo de modelo contestatório e desapertam a sensibilidade de mudança e movimentação na estrutura social.

Nesta dissertação analisaremos três produções cinematográficas: Guerra de Canudos, dirigido por Sérgio Rezende, A Guerra dos Pelados, de direção de Sylvio Back e Cabra Marcado para Morrer do diretor Eduardo Coutinho. Esses três filmes foram escolhidos por, contendo cada um, maneiras particulares de ilustração, possuir grande potencial educacional, podendo interagir com a metodologia e as práticas pedagógicas, e também, tornando-se importantes fontes de análise.

Nosso objetivo nesta pesquisa é analisar a intersecção entre a bibliografia e os filmes mencionados, reconhecer os elementos que tornam essas três obras novas formas de abordagem e evidenciar como estas películas podem ser criticadas pela historiografia. Com isso, emergem as fundamentações teóricas e sugestões para os educadores que almejam à aplicação desses filmes em classe. As análises foram exercidas pelo víeis social (cinema como uma expressão da conjuntura social) e como a cultura cinematográfica passa a interagir com a ciência e o ensino de História.

O Cinema, por se mostrar uma manifestação artística e cultural atrativa para os alunos, quando exercidas as devidas contextualizações, pode servir como uma preciosa fonte de escolha do professor com o intuito de sensibilizar os seus alunos, pois os filmes possuem muitas particularidades para tal feito, além de proporcionar ao processo de ensino/aprendizagem habilidades restritas apenas a esse tipo de expressão artística.

A experiência do mestrado em Educação nas Ciências proporciona, através de suas disciplinas, o contato com acadêmicos de diversas áreas, que interagem com inúmeros recursos e metodologias na apresentação das atividades, expondo trechos de filmes, vídeo-clipes musicais, reportagens, imagens entre outras formas cinematográficas trazidas à produção do conhecimento. Este fato fomenta ainda mais a criatividade em usar esse recurso para a atividade pedagógica.

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A escolha temática está ligada com a formação em licenciatura em História e pela prática docente em sala de aula, fato que nos faz recorrer a novas formas metodológicas no ensino de História. Neste mesmo sentido, soma-se a oportunidade, vivenciada no estágio de docência oferecido pelo programa de Pós-Graduação em Educação nas Ciências na disciplina de História Contemporânea, nesta instituição, no qual as atividades foram conduzidas com o filme Hair e a sua relação com a Guerra do Vietnã, evidenciando uma experiência docente da força do cinema no Ensino de História.

Este trabalho adquire importância na medida em que serve de modelo analítico das obras em questão, bem como fonte de consulta e/ou catálogo de como estas podem ser analisadas e recorridas na educação e no ensino de História. A educação, potencializada no viés do ensino de História, quando se insere na cultura cinematográfica pode aguçar o processo de aprendizagem, atingindo sensibilidades essenciais à formação do senso crítico e intelectual dos indivíduos envolvidos.

A tríade formada pela arte, educação e sociedade favorece o processo do conhecimento histórico. Cabe a esse trabalho ressaltar as relações desse triângulo, aqui representados pelas lutas camponesas no Brasil, por sua abordagem nas obras cinematográficas citadas e por sua pertinência didático-pedagógica em sala de aula, especificamente, em aulas de História1.

O professor desestrutura o filme nas aulas de História, dissecando-o em possibilidades e transformando-o em conhecimento histórico. Obras cinematográficas, narrativas, suas representações, conjunturas sociais e História se fundem a todo o momento. Para essa fusão, utilizam a sala de aula e o potencial dos indivíduos envolvidos neste processo.

. . .

“Quem é aquela no quadro dona Maria? Aquela era eu, quando era nova, bonitinha...”.

(Documentário Babilônia 2000 / Eduardo Coutinho)

. . .

1 As citações do corpo do trabalho seguem as normas da ABNT, aqui na introdução foram assim

distribuídas para compor uma opção diferente de apresentação da dissertação. Elas são compostas por trechos de livros e diálogo de filmes, onde os diálogos dos filmes estão ordenados por: (Personagem / Ator – Filme / Diretor). As citações de historiadores estão ordenadas por (Autor – Texto).

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“O problema que eu gostaria de discutir aqui é aquele de se fazer uma narrativa densa o bastante, para lidar não apenas com a seqüência dos acontecimentos

e das intenções conscientes dos autores nesses acontecimentos, mas também com as estruturas – instituições, modos de pensar etc, - e se elas atuam como um freio ou um

acelerador para os acontecimentos. Como seria uma narrativa desse tipo?” (Peter Burke - A História dos acontecimentos e o renascimento da narrativa)

. . .

“Uma fotografia podia mudar minha vida, mas na Cidade de Deus se correr o bicho pega, se ficar o bicho come, e sempre foi assim, desde que eu era criança.”

(Buscapé / Alexandre Rodrigues – Cidade de Deus / Fernando Meirelles)

. . .

“Como devemos escrever a história da sociedade? Não me é possível produzir aqui uma definição ou modelo do que queremos dizer com sociedade, ou mesmo uma lista de

checagem do que queremos saber sobre sua história. Mesmo que pudesse, não sei o quanto isso seria proveitoso. Porém, pode ser útil apresentar um pequeno e diversificado sortimento de placas de direção diferente ou advertência para o trânsito

futuro.”

(Eric Hobsbawm – Da história social à história da sociedade)

. . .

“Não lemos nem escrevemos poesia porque é bonitinho, lemos e escrevemos poesia porque somos humanos e a raça humana está repleta de paixão (...) poesia,

beleza, romance e amor, é para isso que vivemos.”

(John Keating / Robbin Willians – Sociedade dos Poetas Mortos / Peter Weir)

. . .

“Não nos enganemos: a imagem que fazemos de outros povos, e de nós mesmos, está associada à História que nos ensinaram quando éramos crianças. Ela nos marca

para o resto da vida. Sobre essa representação, que é para cada um de nós uma descoberta do mundo e do passado das sociedades, enxertam-se depois opiniões, idéias

fugazes ou duradouras, como um amor... mas permanecem indeléveis as marcas das nossas primeiras curiosidades, das nossas primeiras emoções.”

(Marc Ferro – A manipulação da História no ensino e nos meios de comunicação)

. . .

Esta dissertação está divida em três partes. A primeira, que compõe o primeiro capítulo, apresenta a relação entre Cinema e História. O primeiro capítulo tratará do cinema enquanto uma manifestação cultural e intenta verificar como ele contribui para o ensino de História, propondo-se a discutir qual a maneira correta da entrada do Cinema em sala de aula e como este se relaciona com a Historiografia.

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O segundo capítulo, se encarregará do embasamento historiográfico acerca das revoltas camponesas ocorridas durante a formação da república brasileira. Para isso, emerge as considerações à respeito dos camponeses e a questão fundiária no Brasil. No caso desse trabalho, mais precisamente, a Guerra de Canudos, a Guerra do Contestado. A Liga Camponesa de Sapé em Pernambuco, ocorrida nos anos 60, revela a continuidade das lutas na questão fundiária.

Por fim, o terceiro e último capítulo contêm a análise de três filmes: Guerra de Canudos, A Guerra dos Pelados e Cabra Marcado para Morrer, referentes à delimitação temática escolhida. Os três filmes exemplificam, de maneiras diferente, a relação entre Cinema e História e como as reflexões que se fizeram pertinentes ao objetivo da pesquisa.

Faz-se importante nesse momento, elucidar as escolhas teóricas que nortearão a dissertação. Para suportar e sustentar as análises presentes neste texto serão utilizadas idéias e concepções de autores que tratam da temática desta pesquisa. O cinema será tratado como uma linguagem textual, uma possibilidade narrativa. As relações que o Cinema (texto fílmico) exerce com a cultura e como os filmes se manifestam como uma representatividade narrativa e discursiva ficarão a cargo de Stuart Hall e Jean Claude Bernardet.

As aproximações entre Cinema e História, sob o ponto de vista da produção cinematográfica se tornar uma ampliação e uma nova perspectiva na investigação histórica é sustentada por Marc Ferro e Peter Burke, pela contribuição de seus trabalhos buscando novos métodos de historiar os acontecimentos. A inserção do cinema em sala de aula terá suporte numa investigação com base na regulamentação brasileira do ensino de História e uma crítica à proposição de Marcos Napolitano de como os filmes devem ser aplicados em sala de aula, para essa modalidade melhor se tornar um recurso pedagógico.

Para historiografar o contexto das revoltas camponesas envolvidas no trabalho, foram trazidos a discussão autores como Euclides da Cunha, e algumas críticas historiográficas a Os Sertões, sua obra que ainda hoje é respeitada como uma das principais fontes da Guerra de Canudos. Para a questão da Guerra do Contestado recorremos a Paulo Pinheiro Machado e Delmir Valentini. Textos sobre a história do campesinato no Brasil e a obra de Francisco Julião explanam o histórico da luta das Ligas Camponesas, esclarecendo o contexto referido. Inclui-se aqui, Eric Hobsbawm e Jim Sharpe, sustentando a História vista de baixo, corrente historiográfica que

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corresponde ao perfil dessa pesquisa. O apoio para as análises dos filmes foi encontrado na análise de sinopses, resenhas críticas, artigos, ilustrações e outros materiais que auxiliaram nas suas interpretações.

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1 CINEMA E ENSINO DE HISTÓRIA

1.1 O CINEMA COMO MANIFESTAÇÃO CULTURAL

A arte invade nosso cotidiano na mesma medida em que invadimos o seu universo. Com a arte transcendemos a nossa compreensão de sociedade, precisamos da arte porque nela despejamos os anseios que ninguém é capaz de nos suprir, precisamos da arte porque nela expressamos o nosso modo de pensar. Interpretando ou produzindo arte, somos capazes de tudo.

Estamos acostumados com obras literárias, filmes, músicas, pinturas, esculturas, entre outras produções artísticas que utilizam temas e contextos históricos como pano de fundo para suas inspirações. Trilhas sonoras, poesias, fotografias, canções, gravuras, cenários, figurinos, cores e ritmos refletem o contexto social e cultural em que estão inseridos quando de sua criação, assim como as pessoas absorvem como valores as marcas deixadas por essas obras artísticas.

O nascimento do cinema apresenta ao mundo uma nova arte, uma nova tecnologia e uma nova mídia. O conjunto de inovações, desde a invenção do Cinetoscópio2, o seu aperfeiçoamento do Cinématographe3 pelos irmãos Lumière penetrou no convívio comportamental e interagiu, das mais variadas formas, com diversos tipos de culturas, investindo grande poder de fascinação em nosso cotidiano.

A indústria do cinema centrou-se em Hollywood um pouco antes da I Guerra Mundial, devido à mudança de vários produtores independentes graças à liberdade e o espaço de criação oferecido aos diretores pela região. A indústria cinematográfica passou a delimitar parâmetros, modelos, valores e outros fatores de forte influência na vida das pessoas em todo o mundo. Os grandes problemas sociais e a sua relação com o

2 Dispositivo com visor e dentro do qual um rolo de 1,5m de filme rodava ininterruptamente. Os

primeiros filmes eram de dançarinas, animais amestrados e homens trabalhando. Cinema: Guia Ilustrado

Zahar.

3 O Cinématographe, inicialmente uma câmera com projetor, foi patenteado em nome dos irmãos

Lumière, sua primeira apresentação pública, em 1895, na cidade de Paris, durou 20min. Em 1900 na Feira Mundial de Paris, um Cinématographe gigante é apresentado a 1,5 milhões de pessoas. Guia Ilustrado

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cinema tornaram-se latentes desde as primeiras décadas de produção4. Com a chegada do som e do Cinema Technicolor5 os astros do cinema atingiram e passaram a ser expoentes para as outras formas de mídias sociais. A dublagem chega às telas, e com ela dublam-se culturas.

Na década de 1940, o cinema dos EUA, com a entrada do país na guerra, recuperou-se da crise e grande parte das obras incorporou o contexto da II Guerra Mundial6. Com o surgimento da televisão, os cinemas sofreram uma queda na bilheteria, perdendo parte do seu público frequentador, para superar essa crise, as produções cinematográficas se refinaram e os filmes passaram a ser anunciados na TV. O Oscar, maior premiação do cinema mundial, existente desde a década de 1930, passou a ser televisionado, aumentando a idolatria e o glamour em torno da sétima arte. A partir da década de 1960, as obras retratam a nudez, o sexo e a violência presentes na sociedade mundial, tendência francesa absorvida pelos cineastas em todo o mundo. Na década de 1980, Ronald Reagan (um astro do cinema) se torna presidente dos EUA.

Vivemos um tempo em que as locadoras de filmes e as salas de exibição são franquias multinacionais, as inovações com o consumo de filmes e com a produção dos gêneros são altíssimas. A filmagem digital já foi superada pelo cinema 3D, que somente encontramos nas salas de cinemas das grandes cidades. É deste cinema que nos tornamos espectadores, que absorvemos valores estéticos, que nos tornamos frequentadores. É este cinema que interage com nossas vidas, influenciando o nosso modo de conviver em sociedade.

Esta parte da dissertação tem o intuito de analisar como a obra cinematográfica possui a capacidade de expressar as manifestações culturais presentes na sociedade, ou seja, como o cinema pode ser visto como uma das formas artísticas presente e expressado na cultura. Que questionamentos e indagações as obras cinematográficas nos trazem? De que forma os filmes estão presentes na história social? Quais as relações sociais que se encontram implícitas nesse processo? Ao longo do tempo, evidenciam-se aspectos e fatos importantes da evolução histórica do cinema que mudaram a nossa

4 Um dos maiores ícones do cinema, Charles Chaplin, fundou juntamente com Mary Pickford, Douglas

Fairbanks e D. W. Griffith uma espécie de produtora independente, a United Artists, em 1919. Seus filmes, através da sátira e da crônica, críticavam e ressaltavam os problemas sociais da época, como é o caso dos filmes Em busca do Ouro (1925) que relata a miserável vida da mineração, e Tempos Modernos

(1936) sobre a grande crise da economia americana pela quebra da bolsa de NY em 1929.

5 Nos anos 30, o Technicolor, processo cinematográfico de sucesso, tornou-se o nome genérico de

qualquer filme colorido.

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Um ano após o ataque de Pearl Harbor, quase 1/3 dos filmes de longa-metragem de Hollywood eram sobre a II Guerra Mundial.

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vivência social e comportamental. Neste aspecto, até que ponto os marcos da histórica social do cinema inserem marcos na nossa cultura global?

Luiz Carlos Merten nos fala da importância do cinema para o conhecimento pessoal, da transposição de sonhos entre espectador e a obra cinematográfica a qual assiste. Segundo ele (2005, p. 08), cinema é “para sonhadores, uma ferramenta para o conhecimento pessoal e do outro”. Através do cinema nos transpomos a realidades diferentes, criadas pela fascinação da absorção da linguagem. Com o cinema nos transpomos a vivências diferentes, a visões diferentes e a objetos diferentes, fazendo com que este se torne um meio para transcendermos a nossa compreensão social.

O cinema é uma “fabrica de sonhos”, conforme comparação feita pelo autor Jean-Claude Bernardet. No processo de interação que se estabelece entre filme e espectador, este não é apenas passivo, mas sim modifica o filme segundo suas inspirações. Segundo o autor,

É preciso não esquecer que um espectador cinematográfico nunca é exclusivamente um espectador cinematográfico. O cinema entra na sua vida como um dos elementos que compõe a sua relação com o mundo, (...) o espectador não é necessariamente passivo. No ato de ver assimilar um filme, o público transforma-o, interpreta-o, em função de suas vivências, inquietações, aspirações, etc. (BERNARDET, 2006, p. 80).

O cinema se torna uma linguagem, através da qual, pode imprimir uma realidade, através da produção, da direção e das escolhas envolventes na criação da obra cinematográfica. Com isso, adquire características pelas quais pode representar uma força de dominação ideológica e comercial. A arte passa a servir um produto, esta arte tem suas cópias multiplicadas e espalhadas para várias culturas globais. A dublagem, entendida aqui como qualquer tradução linguística, um recurso da linguagem cinematográfica, na formação de seu discurso e de seu texto fílmico carrega, intrinsecamente, uma forma de homogeneização, através da transposição cultural, e passa a representar uma possibilidade de imposição de valores sociais.

Ao compararmos os filmes a um espetáculo teatral, uma obra cinematográfica é oriunda de um processo um pouco diferente, principalmente no que tange ao resultado final. O resultado final da peça teatral sofre um processo dinâmico de modificar-se, reinterpretar-se e aperfeiçoar-se a cada exibição. O filme, depois de finalizado é estanque, está e permanecerá pronto. O seu sucesso depende da conquista do público. Entre o longo processo de criação do projeto e resultado final se encontra, dentre outras

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escolhas, a linguagem, e esta interagirá com os telespectadores. A linguagem cinematográfica possibilita que o cinema conte histórias, ela apresenta e vende o filme, e busca estar apta a cumprir com o seu maior objetivo, que é a conquista do público. Segundo Bernardet,

Uma linguagem, evidentemente, não se desenvolve em abstrato, mas em função de um projeto. O projeto, mesmo que implícito, era contar estórias. O cinema tornava-se como que o herdeiro do folhetim do século XIX, que abastecia amplas camadas de leitores, e estava se preparando para se tornar o grande contador de estórias da primeira metade do século XX. A linguagem desenvolveu-se, portanto, para tornar o cinema apto a contar estórias, outras opções teriam sido possíveis, que o cinema desenvolvesse uma linguagem científica ou ensaística, mas foi a linguagem da ficção que predominou. Os passos fundamentais para a elaboração dessa linguagem foram a criação de estruturas narrativas e a relação com o espaço. (BERNARDET, 2006, p. 32-33)

Cada filme, vindo de um projeto, é definido a partir de muitos interesses. Os interesses modificam-se dependendo dos tipos, funcionais ou de gêneros, da produção cinematográfica. Além de optar e ir à busca de apanhar esses interesses, o cinema passa a ocupar uma nova forma, devido ao seu crescimento e evolução, principalmente no gênero da ficção, de composição de mídia social. A linguagem cinematográfica passa a relacionar e convergir de acordo com a realidade cultural. O cinema, por este motivo, adquire um caráter de expressão artística discursiva.

Jean Claude Bernardet nos diz que o cinema impõe um ritmo na sociedade, esse ritmo está vinculado ao compasso das implicações econômicas, políticas, estéticas e ideológicas das diversas realidades sociais as quais tem a pretensão de ser atingido. Segundo ele,

Esses diversos fatos a que aludimos sobre a linguagem-mercadoria não estão sem profundas conseqüências políticas, ideológicas e estéticas. As formas narrativas encampadas pela indústria, tal como tratadas principalmente por Hollywood e seus seguidores, determinaram um certo tipo de ritmo, bastante acelerado, a que o público foi se habituando. (BERNARDET, 2006, p. 81).

Essas consequências políticas, ideológicas e estéticas da linguagem cinematográfica estão relacionadas com o protagonismo cultural a que pertencem. Sabemos que a consideração sobre o significado de cultura oferece uma grande discussão em torno de sua conceitualização, devido à diversidade de interpretações que essa análise traz implícita. A complexidade dessa discussão deve-se ao fato da dinamização dos grupos de pessoas, das comunidades, dos setores ou classes sociais,

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dos blocos políticos, dos componentes econômicos, ou como quer que chamemos esses elementos latentes do movimento cultural. Não é o objetivo desta pesquisa, submeter discussões em torno do conceito de cultura, mas sim apresentá-la e conceituá-la a partir do viés de análise considerado mais caro para esta dissertação.

Entendemos, assim como Peter McLaren, que a cultura é o conjunto de símbolos e rituais herdados de todas as nossas vivências e influências, através do nosso convívio em sociedade. Essas marcas e características exercem autoridade na formação de nossos valores e significados. Segundo o autor,

A cultura é formada fundamentalmente por rituais inter-relacionados e sistemas de rituais, é um padrão historicamente transmitido de significados encarnados em símbolos, um sistema de concepções herdadas, expressas em formas simbólicas por meio dos quais os homens comunicam, perpetuam e desenvolvem seu conhecimento e atitudes em relação à vida. A cultura é uma construção que permanece como uma realidade consistente e significativa através da organização abrangente de rituais e sistemas simbólicos (MCLAREN, 1991, p.32-33).

Este conjunto de significados pertence a um dos fatores do processo histórico que, por afinidades e inter-relações, aproximou e organizou, os grupos sociais. A diferenciação entre os diversos grupos sociais permitiram a formação de nacionalidades, estas são compostas de um conjunto de representações. Essas representações, que não necessariamente são diretamente proporcionais às fronteiras nacionais, imprimem sentidos à nação. Stuart Hall (2006), neste mesmo raciocínio, compreende que as identidades são construídas a partir da absorção dos valores impostos por intermédio da cultura global. A cultura nacional está associada a um discurso, a uma construção de sentidos. Esses sentidos são compostos e exercem organização na concepção dos sujeitos, através da identificação, da memória coletiva e do imaginário construído. Segundo o autor,

[...] uma cultura nacional é um discurso – um modo de construir sentidos que influencia e organiza tanto nossas ações quanto a concepção que temos de nós mesmos. As culturas nacionais, ao produzir sentidos sobre “a nação”, sentidos com os quais podemos nos identificar, constroem identidades. Esses sentidos estão contidos nas estórias que são contadas sobre a nação, memórias que conectam seu presente com seu passado e imagens que dela são construídas (HALL, 2006, p.51)

Na perspectiva que propõe o autor, o cinema pode ser interpretado como uma manifestação, uma expressão e uma absorção do meio social, político, cultural e econômico no qual o indivíduo estaria inserido nas relações sociais que o cercam. Nesse

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sentido, as obras artísticas (filmes, músicas, pinturas ou outras representações) são consideradas discursos que emergem de um contexto, reflexões sobre uma cultura vigente, elaboradas e interpretadas com uma finalidade definida. As suas criações e as suas utilizações possuem a capacidade de sustentar ou criticar esta construção (contexto), ou pelo menos, reformular e questionar a imposição da estrutura social.

O Cinema representa uma idéia, oriunda de uma opinião, esta opinião está vinculada à cultura. Neste sentido, nós espectadores absorvemos a linguagem cinematográfica e nos tornamos parte dela à medida que a modificamos segundo os nossos olhares, os nossos interesses e as nossas raízes culturais. A linguagem utilizada pelo cinema está presente em nossa vida, nas mais variadas formas. Conforme nos afirma Luiz Carlos Mertem,

Os filmes modificam-se ao contato com o espectador, o que é uma forma de dizer que, no cinema, reformulando os códigos propostos pelo diretor, levando-os adiante, todos nós, críticos e espectadores, somos também autores, co-autores, seja lá o que seja (MERTEN, 2005, p.13).

No Brasil, o cinema7, tendência absorvida pelo cinema mundial, dos anos 60 substitui as chanchadas8, conquistando as elites. Essas elites passaram a encontrar no cinema uma força cultural, capaz de exprimir suas inquietações políticas, estéticas, antropológicas. “A elite, por ser dependente dos centros culturais dos países industrializados, hesitava em aceitar o Cinema Novo. A repercussão internacional dos filmes deu-lhe uma certa segurança. Se a Europa elogiava, é que algo de elogiável devia haver.” (BERNARDET, 2006, p. 102).

Uma cultura nacional, geralmente está vinculada com a formação e a construção de sentidos que esta cultura exerce na nação. Com isso, essa cultura forma e constrói padrões para a educação nacional. Conforme nos afirma Stuart Hall,

A formação de uma cultura nacional contribui para criar padrões de alfabetização universais, generalizou uma única língua vernacular como o meio dominante de comunicação em toda a nação, criou uma cultura homogênea e manteve instituições culturais nacionais, como, por exemplo, um sistema educacional nacional (HALL, 2006, p.50).

7

Cinema Novo é um movimento cinematográfico brasileiro, influenciado pelo Neo-realismo italiano e pela "Nouvelle Vague" francesa, com reputação internacional. Cineastas do Rio de Janeiro e da Bahia, (Glauber Rocha, Ruy Guerra, entre outros) resolveram elaborar novas ideais ao cinema brasileiro. Tais ideais, agora, seriam totalmente contrários aos caríssimos filmes produzidos pela Vera Cruz e avessos às alienações culturais que as chanchadas refletiam.

8

Chanchada é o espetáculo ou filme em que predomina um humor ingênuo, burlesco, de caráter popular. As chanchadas foram comuns no Brasil entre as décadas de 1930 e 1960.

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Com isso o cinema (de maior aceitação e influência na nação) sofre e/ou exerce um processo de incorporar a cultura. Neste processo, o cinema absorve, interpreta, reinterpreta e expressa a cultura, por ser um trabalho a contribuir com a educação, é importante salientar que, essa é a cultura em que as escolas e todas as demais instituições de ensino estão inseridas.

Os símbolos estão ligados à cultura dominante, às ideologias que regem as estruturas sociais. O poder do conjunto das mídias elege os símbolos nacionais e as culturas dominadas também constroem seus símbolos. Segundo a autora Selva Guimarães Fonseca (2003, p. 31), “educação, memória e cultura se determinam, complementam-se, uma não pode ser pensada sem a outra e toda a reflexão sobre uma desemboca imediatamente na consideração da outra”. O cinema, então, aproxima a cultura escolar, a cultura a que ele está inserido às atividades pedagógicas; nesse processo, ajuda a formular um dos principais objetivos das instituições educacionais, que é o de promover o acesso de todos os homens aos bens culturais.

1.2 O CINEMA NA EDUCAÇÃO E NO ENSINO DE HISTÓRIA

Nesta parte do trabalho, nos dedicaremos à análise de como os filmes auxiliam na Educação, neste caso, especificamente, no Ensino de História. Dissertaremos sobre a importância da inserção das obras cinematográficas nas metodologias do ensino e das práticas pedagógicas. Nesse momento, cabe a reflexão sobre como os filmes servem de auxílio para a atividade educacional? Como a regulamentação educacional brasileira vê o cinema como modalidade, princípio ou suporte educativo? Como o cinema aparece e/ou devia aparecer na educação?

A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) define e regulariza o sistema de educação brasileiro com base nos princípios presentes na Constituição. O nosso objetivo ao analisá-la é perceber como a educação republicana de nosso país regulamenta a inserção de novas metodologias ligadas às formas artísticas, no caso de nossa pesquisa, dando ênfase ao Cinema na escola brasileira?

Na LDB podemos observar alguns trechos que mostram a preocupação e a regulamentação da conscientização e aprendizado dos educandos através de formas (ou modalidades) artísticas. No primeiro artigo, encontramos que a abrangência da educação tange os processos na vida familiar, na convivência humana, no trabalho, nas

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instituições de ensino nas organizações e movimentos sociais e nas manifestações culturais.

Art. 1º - A educação abrange os processos formativos que se desenvolvem na vida familiar, na convivência humana, no trabalho, nas instituições de ensino e pesquisa, nos movimentos sociais e organizações da sociedade civil e nas manifestações culturais. (BRASIL, 2011).

O cinema enquadra-se no aspecto das manifestações culturais. Em outro trecho da LDB, no que compete à educação básica, encontramos a preocupação com o ensino da arte, no vigésimo sexto artigo da legislação, encontramos que “Art. 26 - O Ensino da arte constituirá componente curricular obrigatório, nos diversos níveis da educação básica, de forma a promover o desenvolvimento cultural dos alunos.” (BRASIL, 2011).

Neste sentido, a arte ensinada na escola incorpora o cinema para as suas criações e as suas produções. O cinema também é encontrado na LDB de maneira indireta quando esta, nos artigos que competem ao ensino fundamental, disserta acerca da compreensão do ambiente social, da tecnologia, do sistema político, das artes e dos valores em que se fundamenta a sociedade, pois, como já vimos anteriormente, são nessas esferas que as obras cinematográficas permeiam os seus enredos e suas histórias, consoante dispõe o inc. II do art. 32 da referida lei: “Art. 32. [...] II - a compreensão do ambiente natural e social, do sistema político, da tecnologia, das artes e dos valores em que se fundamenta a sociedade.” (BRASIL, 2011).

Neste ponto de vista o cinema se torna um suporte para a compreensão social e cultural. Ainda na LDB, em uma das seções dedicadas ao Ensino Médio podemos constatar a preocupação do desenvolvimento do pensamento crítico e da autonomia intelectual dos alunos, conforme dispõe o inc. III do art. 35: “Art. 35 III – o aprimoramento do educando como pessoa humana, incluindo a formação ética e o desenvolvimento da autonomia intelectual e do pensamento crítico.” (BRASIL, 2011).

Nesses trechos da LDB, percebemos a preocupação da inserção das modalidades artísticas no currículo escolar. Este é um dos objetivos da aplicação dos filmes em sala de aula. A proposta pedagógica adotada pela escola passa pelo planejamento e pela adequação dos conteúdos curriculares à realidade dos alunos. O cinema vem a cumprir esta tarefa.

A Literatura e a Educação Artística exercem grande importância por preocuparem-se com a inclusão da arte em sala de aula. Por possuir esse caráter, tornam-se diferentes das outras disciplinas. Ao mesmo tempo em que nos dão esse

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espaço, representam também uma lacuna, pois são as únicas produções artísticas formais, legalmente incluídas no currículo escolar. Onde estão as outras? As inclusões de modalidades artísticas, como o teatro, o cinema, as artes plásticas, entre outras como atividades complementares nas demais disciplinas auxiliam no cumprimento desse vazio.

Agora passaremos a analisar como o cinema aparece e/ou deveria aparecer no Ensino de História, e como ele transcende a outras formas artísticas no ensino. O uso do cinema na escola pode servir para contextualizar, ilustrar e elucidar os conteúdos explanados. No ensino de história, os filmes adquirem o valor de representar as novas fontes históricas, outras formas de análise e interpretação.

Os filmes ganham a importância da ilustração e da representação do passado, se tornando uma alternativa de estudo e ilustrativa da História. O papel do cinema na história passa a ser o da propaganda política, a transmissão da ideologia e do conteúdo sociopolítico e cultural expressos pela linguagem cinematográfica. Ao longo de sua existência, as obras cinematográficas tornaram-se um dos meios de comunicação utilizados na escola, pois elas detêm uma capacidade notável de tornar os conteúdos interessantes. Os conteúdos, quando interligados aos filmes passam a ser absorvidos pelos alunos através da iconografia, da montagem e da reconstrução de cenários, transpondo-os para vivências atuais.

O uso do filme em sala de aula, pela sua capacidade de absorção multidisciplinar traz uma forma de contar multilinguística. A arte da obra, que atinge todos os sentidos do aluno, é uma história narrada através de representações visuais, ou seja, através das imagens em movimento, traduzindo um enredo inspirado em aspectos sócio-culturais de pessoas inseridas em contextos que podem colaborar na construção do conhecimento desde que a reflexão seja estimulada e utilizada de maneira adequada. “O vídeo passa pelo sensorial, emocional, intuitivo e por fim o racional, formando um elo entre o presente (momento da projeção), passado e futuro (objetos de reflexão)”. (FERRAZ, 2006, p. 6)

Ainda neste viés de análise, é preciso estar ciente da linguagem cinematográfica, para não reduzir a exibição do filme em sala de aula a mera ilustração, para realmente trazer aos alunos o contexto de uma época (referente ao estudo proposto), a obra cinematográfica deve ser lida criticamente, nos seus aspectos menos perceptíveis, articulando o tema, a bibliografia com a vivência dos educandos. Neste sentido calha assinalar a lição de Fonseca:

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Precisamos ter claros os limites próprios da linguagem, não a reduzindo a mera ilustração, nem tampouco exigindo dela a transmissão objetiva e sistematizada de determinado conteúdo. Em outras palavras, como manifestação, registro e leitura de uma época, a obra cinematográfica deve ser lida de forma cautelosa e criticamente, pois, assim como um texto de época, ela permite desvendar a realidade nos seus aspectos menos perceptíveis. Para tanto, exige uma articulação com a vivência e a motivação de alunos e professores, com a bibliografia selecionada, além de demandar uma adequação à temática em estudo (FONSECA, 2003, p. 180).

As adequações do uso das obras cinematográficas às diretrizes e normativas curriculares se tornam, juntamente com os demais recursos didáticos e metodológicos da atualidade, um dos principais elementos das novas políticas educacionais, pois passam a veicular propostas culturais, ideológicas e pedagógicas. A autora complementa dizendo que “o filme, didaticamente, apresenta os conceitos por meio de um jogo de narração/imagens, deixando ao espectador a possibilidade de cotejar, relacionar e articular as ideias transmitidas oral e visualmente” (FONSECA, 2003, p. 181), passando, portanto, a representar um grande poder de penetração e mudança na realidade escolar.

A História, com disciplina escolar, também é histórica. Isto é, também ela, como campo de conhecimento, passa por mudanças e transformações que a fazem filha do seu tempo. As novas abordagens, os novos objetos, outras fontes, outras linguagens foram se incorporando ao ensino de História (ABUD, 2003, p. 183).

A História não se mostra estanque ao longo do tempo, ela se transforma enquanto disciplina, se aperfeiçoa, ou ao menos pretende atingir esse objetivo. Encontramos essa preocupação, tanto por parte de pesquisadores das práticas pedagógicas quanto nas regulamentações atuais do ensino, pela inserção das novas metodologias, e a forma adequada de suas aplicações, no ensino brasileiro. Abud nos diz que:

É necessário que se destaque a introdução e a permanência, nos documentos curriculares, de orientações sobre o uso das novas linguagens, a despeito da inércia da organização escolar no sentido de consolidá-las como práticas cotidianas (ABUD, 2003, p. 184).

O auxílio no desenvolvimento das noções culturais, do senso crítico e da formação do cidadão é obrigatoriedade daqueles responsáveis pela educação em nosso país, em qualquer nível que essa educação esteja. A emancipação do ser humano passa

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pela reformulação dos valores familiares, religiosos e morais e esta é uma tarefa oficialmente regulamentada pela legislação do nosso país. O educador tem a possibilidade de questionar as noções de verdade, ou segundo o autor, saber como algo se tornou ou se mostrou verdadeiro.

Tomaz Tadeu da Silva questiona as noções de verdade criadas culturalmente. O autor ressalta a importância de não somente questionar a noção de verdade, mas também de analisar o processo que levam as coisas a formularem as verdades. Segundo o autor, “a questão não é, pois, a de saber se algo é verdadeiro, mas, sim, de saber por que esse algo se mostrou verdadeiro” (SILVA, 2002, p.124).

O autor também relaciona educação, currículo e cultura, pois estas devem estar interligadas. A cultura, o currículo e a educação são correlacionados e exercem uma ação de dependência.

[...] a instituição do currículo é uma construção social como qualquer outra, o conteúdo do currículo é uma construção social. Como toda construção social, o currículo não pode ser compreendido sem uma análise das relações de poder que fizeram e fazem com que tenhamos esta definição determinada de currículo e não outra, que fizeram e fazem com que o currículo inclua um tipo determinado de conhecimento e não outro. (SILVA, 2002, p. 135).

Dissertando no mesmo sentido de análise, Silva transfere a função pedagógica da educação para as outras instâncias culturais, segundo o autor, a educação e cultura estão juntas nos processos de transformação da identidade e da subjetividade. A cultura em geral é interpretada como uma forma de pedagogia, simultaneamente, a pedagogia é interpretada como uma forma cultural.

Tal como a educação, as outras instâncias culturais também são pedagógicas, também têm uma pedagogia, também ensinam alguma coisa. Tanto a educação quanto a cultura em geral estão envolvidas em processos de transformação da identidade e da subjetividade. Agora a equiparação está completa: através desta perspectiva: ao mesmo tempo em que a cultura em geral é vista como uma pedagogia, a pedagogia é vista como uma forma cultural (SILVA, 2002, p. 139).

A construção social e cultural do currículo permeia pelas opções pedagógicas. Este é o ponto de encontro da estrutura curricular com a produção da obra cinematográfica, sua utilização, com re-significações no ensino, seja em qualquer nível de aplicação. Para isso, Napolitano (2005) disserta que a escolha dos filmes a serem exibidos em sala de aula pode considerar a articulação do currículo e do conteúdo

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envolvido com as habilidades que são pretendidas, os conceitos e a adequação a faixa etária dos alunos, para ele

[...] ao escolher um ou outro filme para incluir nas suas atividades escolares, o professor deve levar em conta o problema da adequação e da abordagem por meio da reflexão prévia sobre os seus objetivos gerais e específicos. Os fatores que costumam influir no desenvolvimento e na adequação das atividades são as possibilidades técnicas e organizativas na exibição de um filme para a classe, a articulação com o currículo e/ou conteúdo discutido, com as habilidades desejadas e com os conceitos discutidos e a adequação à faixa etária e etapa específica da classe na relação ensino-aprendizagem (Napolitano, 2005, p.16).

Quando aplicados, os filmes devem ser expostos, aliados com seus objetivos, descrevendo o que será visto. Isso é fundamental para não descaracterizar o cinema como um objeto cultural. O professor pode antecipar para a turma os elementos históricos, aproximações sobre o meio em que a obra surgiu (diretor, vivência e outras obras do diretor, comentário sobre os atores, ilustrações, fotografia, caracterização técnica, curiosidades de produção e época de lançamento e a relevância). O professor pode ser um espectador crítico, mediador da exposição dos alunos frente ao que veem.

São diversos os gêneros que podem contribuir para o processo de ensino/aprendizagem, somados às diversas possibilidades de formulações metodológicas de trabalho, direcionados ao ensino de História, é importante que, nesta dissertação, utilizemos a mesma diferenciação que Cristiane Nova (2006). Segundo a autora, existem os filmes de Reconstrução Histórica: aqueles que abordam acontecimentos históricos cuja existência é comprovada pela historiografia e que contam com a presença de personagens históricos reais no seu enredo (interpretados por atores), cuja fidelidade é relativa e se modifica de um filme para outro. Não se trata apenas dos filmes em que se realiza uma reconstrução audiovisual do passado (o que dificilmente é levado às últimas consequências) ou mesmo dos fatos, mas também daqueles em que são esboçadas interpretações históricas, utilizando fatos comprovadamente reais.

As obras de Biografia Histórica são caracterizadas por tratarem-se dos filmes que se debruçam sobre a vida de um indivíduo e as suas relações com os processos históricos. Na maior parte dos casos, esses filmes se limitam à abordagem da vida dos chamados "grandes homens", ou seja, aqueles indivíduos destacados pela historiografia escrita e, principalmente, a tradicional.

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Os Filmes de Época compreendem aqueles filmes cujo referencial histórico não passa de um elemento pitoresco e alegórico, e cujo argumento nada possui de histórico no sentido mais amplo do termo. Já a Ficção histórica abarca os filmes cujo enredo é ficcional, mas que, ao mesmo tempo, possui um sentido histórico real. Os Filmes-mito são aqueles filmes que se relacionam com a mitologia e que podem conter elementos importantes para a reflexão histórica. Muitas vezes, o mito é apresentado em paralelo a fenômenos históricos reais. O gênero de Filme Etnográfico agrupa os filmes realizados com interesses científico-antropológicos e as adaptações literárias e teatrais, ainda englobam os filmes que são oriundos de uma adaptação de obras literárias e teatrais do passado.

Kátia Maria Abud nos explica que estes “filmes históricos” se equiparam ao valor didático de um livro de História. A linguagem construída a partir de um contexto histórico dá credibilidade e auxilia na exposição do que está sendo estudado. Segundo a autora

O documentário e os filmes de época ou históricos têm, para a maior parte dos professores que utilizam a filmografia em sala de aula, o mesmo valor didático de um texto de um livro de História. O filme é mais utilizado como um substituto do texto didático ou da aula expositiva, ou é ainda considerado uma ilustração que dá credibilidade ao tema que se está estudando. Contudo, é certo que hoje se admite que a imagem não ilustra nem reproduz a realidade, ela a constrói a partir de uma linguagem própria que é produzida num dado contexto histórico. (ABUD, 2003, p. 189).

O intuito do uso dos filmes em sala de aula é transformar a informação em formação, isto consiste numa atividade cognitiva, desenvolvendo estratégias de exploração, buscando as informações pertinentes e estabelecendo relações com os conteúdos desenvolvidos. Os filmes utilizados, encarados como documentos, se tornam uma nova forma para a construção do conhecimento histórico, aguçando a percepção e auxiliando no aprendizado. Os efeitos do cinema no aprendizado histórico partem do pressuposto de que o audiovisual assume o papel de forte influência no aprendizado. O texto fílmico passa a complementar e/ou substituir o texto escrito.

Se a inteligibilidade do texto verbal faz uso principalmente de representações mentais da natureza lingüística, como conceitos, proposições e também representações de imagens, a análise do texto fílmico, que mobiliza principalmente as representações imagéticas, não pode dispensar as de natureza lingüística. [...] Em ambos, as representações mentais mobilizadas por um indivíduo dependem das competências que ele pode desenvolver em relação a cada um dos modos de expressão (ABUD, 2003, p. 191).

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O gênero documentário surge como outra forma de narrativa, auxiliando na reconstrução da memória local, regional, biográfica, global etc. a que se refere. Os filmes de ficção que estabelecem uma tentativa ou comprometimento de reconstrução temporal, ainda que não obrigatoriamente tenham a veracidade e a fidelidade aos acontecimentos históricos, servem como ilustrações, pois os figurinos, os cenários, as trilhas sonoras e as demais reconstruções dos contextos, retratam os recortes temporais a que se referem.

O benefício dos filmes didáticos, paradidáticos e os de curta metragem é que a exibição, a discussão e os exercícios de aplicação e fixação podem ser aplicados em uma só aula. Os desenhos animados ou similares, desde que mantenham o cunho histórico, estão mais perto da realidade dos alunos da educação fundamental. Em qualquer um desses casos, além de aumentar as fontes documentais, as obras auxiliam na formação pessoal dos alunos. O que não é algo imediato, mas construído a partir de todas as suas vivências escolares e das demais influências culturais.

O cinema também pode contribuir nas instituições de ensino, nas demais formas de expressão artística. As demais disciplinas utilizam a literatura, a música, o teatro, a pintura, a leitura de imagens, entre outras formas empregadas ou produzidas a partir do ambiente escolar. Estas podem conter aspectos do cinema e a experiência cultural produzida pelo cinema pode se reproduzir nas demais atividades.

De que forma estas experiências são levadas em conta? Como os alunos transpõem os conhecimentos adquiridos dos filmes para as outras formas artísticas? Os alunos despertam a curiosidade de como os personagens são construídos? Como estes estão no cotidiano? Que estética, ética, valores, moral as obras originam? Como as emoções são transmitidas? Como elas chegam aos alunos? Como elas se refletem no convívio social?

O uso das obras cinematográficas também pode exercer um importante auxilio nas técnicas multidisciplinares. A aproximação dos educandos com a linguagem artística acontece também através das obras cinematográficas, pois ela é abordada e acontece nas demais disciplinas, Artes e Língua Portuguesa principalmente. Através do cinema, os alunos, com o auxílio do professor, analisam as escolhas dos diretores, tais escolhas interferem, criam e reconstroem os seus valores sociais.

O cinema acaba incorporando outras instâncias de referência, como comportamentos, moda, vocabulário, gostos, ritmos, entre outros e esses aspectos adentram nas demais disciplinas do currículo escolar. As imagens ocupam lugar na sala

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de aula porque sua leitura nunca é passiva, elas provocam uma atividade de seleção e de relação entre as vivências particulares de cada indivíduo com o filme assistido.

Os educandos não têm o mesmo acesso a outras expressões artísticas como têm ao conjunto de expressões artísticas utilizados pelo cinema, pois este, com o passar dos anos, foi popularizado pela mídia. O cinema utiliza-se de vários discursos artísticos e esses discursos são absorvidos e reinterpretados. Baseando-se no fato de que o roteiro é escrito similarmente a obras literárias, a autora Selva Guimarães Fonseca salienta que:

O discurso histórico e o literário têm em comum o fato de ambos serem narrativos. O discurso histórico visa explicar o real por meio de um diálogo que se dá entre o historiador e os testemunhos, os documentos, que evidenciam o acontecido. Com base nesse diálogo o pesquisador explicita o real em movimento, a dinâmica, as contradições, as mudanças e as permanências. A obra literária não tem o compromisso, nem a preocupação de explicar o real, nem tampouco de comprovar os fatos. Trata-se de uma criação, um “teatro mental” (FONSECA, 2003, p. 165).

Esta liberdade de criação presente nos filmes permite aos alunos reinterpretar os personagens assistidos nos filmes quando instigados a produzir outras formas artísticas. Os personagens passam a inspirar paródias, desenhos, pinturas, teatros, danças, canções e as demais atividades lúdicas que acontecem no ambiente educacional.

1.3 CINEMA E HISTÓRIA

Nesta parte do trabalho analisaremos qual a leitura que é feita por Marc Ferro9, nossa principal referência e suporte teórico para o tema História e Cinema. A Historiografia contribui para o cinema, bem como os filmes passam a ser considerados novas fontes de análise e interpretação, assim, podemos inter-relacionar a produção historiográfica com as obras cinematográficas.

Em nossa dissertação, tomamos posse de duas interpretações do autor Marc Ferro para as relações entre Cinema e História. A primeira é a leitura do filme na direção do que foi produzido; a segunda é a leitura do filme enquanto um discurso do passado, ou seja, a história lida pelo cinema. Segundo ele (1990), “leitura histórica do

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Marc Ferro é um historiador francês, um dos principais nomes da 3ª geração da Escola dos Annales, movimento historiográfico que se constitui em torno do periódico acadêmico francês Annales d'histoire économique et sociale, tendo se destacado por incorporar métodos das Ciências Sociais à História. A escola des Annales renovou e ampliou o quadro das pesquisas históricas ao abrir o campo da História para o estudo de atividades humanas até então pouco investigadas, rompendo com a compartimentação das Ciências Sociais (História, Sociologia, Psicologia, Economia, Geografia humana e assim por diante) e privilegiando os métodos pluridisciplinares.

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filme e a leitura cinematográfica da história: esses são os dois eixos a serem seguidos para quem se interroga sobre a relação entre cinema e história” (p.28). A relação entre cinema e história se dá a partir da interpretação do filme a partir da sua pertinência histórica e da explicação de como as obras cinematográficas absorvem e refletem os fatos históricos aos quais se referem.

Nesse momento, se faz necessário algumas considerações acerca do conceito de Historiografia. A Historiografia designa não apenas o apontamento escrito da História, a memória apreendida pela própria humanidade através da escrita do seu passado, mas também a ciência da História. A consideração mais cara a cerca desse conceito para esta pesquisa são as considerações de Peter Burke. Para ele, a problemática que merece discussão é a narrativa que infere além da sequência das intenções e dos acontecimentos e aborda o conjunto de estruturas e como estas interferem nos acontecimentos. Segundo o autor:

O problema que eu gostaria de discutir aqui é aquele de se fazer uma narrativa densa o bastante, para lidar não apenas com a seqüência dos acontecimentos e das intenções conscientes dos atores nesses acontecimentos, mas também com as estruturas – instituições, modos de pensar etc, - e se elas atuam como um freio ou um acelerador para os acontecimentos. Como seria uma narrativa desse tipo? (BURKE, 1992, p. 339)

A escrita da História enriqueceu com a ampliação de sua temática. A busca de novas formas da narrativa dos acontecimentos históricos foi adequada às novas abordagens dos historiadores, estas novas abordagens incluem diferentes formas de narrativa, incluindo a análise de diferentes parâmetros, apresentando os mesmos acontecimentos a partir de diversificados pontos de vista. Segundo Burke:

A escrita da história foi imensamente enriquecida pela expansão de seu tema, e também pelo ideal da “história total”. Entretanto, muitos estudiosos atualmente consideravam que a escrita da história também tem sido empobrecida pelo abandono da narrativa, estando em andamento uma busca de novas formas de narrativa que serão adequadas às novas histórias, que os historiadores gostariam de contar. Estas novas formas incluem a micronarrativa, a narrativa de frente para trás e as histórias que se movimentam para frente e para trás, entre os mundos público e privado, ou apresentam os mesmos acontecimentos a partir de pontos de vista múltiplos. (BURKE, 1992, p. 347)

Marc Ferro, ao criticar a historiografia tradicional, traz a discussão da problemática da escrita da historia tradicional estar a cargo das estruturas formadoras do

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conjunto social. Ferro disserta sobre como a história auxilia na homogeneização das intenções sociais, segundo o autor,

Educar o Príncipe e os meios dirigentes para governar bem, ensinar o povo a obedecer; procurar, com ou sem ele, o sentido e as leis da História para melhor comprendê-la, seja como for, o cuidado com a eficácia aparece em todos os casos. Desde seu aparecimento, os historiadores trabalham por conta do Estado que os emprega: em Florença, Leonardi Bruni; em Paris, Ètienne Pasquier, ambos recomendaram ao historiador que abandonasse a língua latina pela vulgar, assim eles seriam “mais eficazes”. Na aurora do século XX, quando o historiador, sempre por conta do Estado, glorifica a nação, as instruções ministeriais deixam claro que, se os ensinamentos da história não atingirem um resultado, “o mestre terá perdido seu tempo”. (FERRO, 1992, p.80)

Geralmente nessas condições, formou-se a construção da memória histórica, ao longo do tempo, na maioria dos espaços. A história, que veste um ponto de vista, defende algum ponto vista. As forças que determinam a conjuntura social formam as noções de unidade, verdade, valor, ética e coerência no convívio em sociedade.

A história é compreendida do ponto de vista daqueles que se encarregaram da sociedade: homens de Estado, magistrados, diplomatas, empreendedores e administradores. Foram eles, precisamente, que contribuíram para a unidade da pátria, para a redação de leis sagradas que nos fazem livres, etc. (FERRO, 1992, p. 82).

O autor, dando procedência em sua criticidade, em entrevista publicada no livro Cinema e História, faz considerações sobre a posição do historiador frente aos novos documentos e seu caráter ideológico. Segundo ele, a principal função do historiador é devolver para a sociedade a História que os aparelhos institucionais retiraram. Ao invés de utilizar os arquivos, o historiador deve construí-los e criá-los, filmando e interrogando os indivíduos que não tiveram acesso à constituição desses arquivos. Neste sentido, apresentam-se e surgem os filmes como novas possibilidades de análise histórica.

O historiador tem por função primeira restituir à sociedade a História da qual os aparelhos institucionais a despossuíram. Interrogar a sociedade, pôr-se à sua escuta, espôr-se é, em minha opinião, o primeiro dever do historiador. Em lugar de se contentar com a utilização de arquivos, ele deveria antes de tudo criá-los e contribuir para a sua constituição: filmar, interrogar, aqueles que jamais têm direito à fala, que não podem dar seu testemunho (FERRO, 1992, p. 76).

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O historiador deve desconstruir os modelos ideológicos do monopólio existente, esses aparelhos ideológicos (estado, instituições religiosas, partidos políticos, órgãos de segurança pública, entre outros) atribuíram aos próprios historiadores uma tradição historiográfica, com poder de persuasão social para que se consagre uma versão oficial da História. Este modelo historiográfico acaba por também atingir a formação da consciência social, por isso o historiador deve também, ajudar a sociedade a tomar consciência dessa mistificação.

Um outro fato se verifica nas histórias da História. O historiador escolheu esse ou aquele conjunto de fontes, adotou esse ou aquele método de acordo com a natureza de sua missão, de sua época, trocando-os como um combatente troca de arma ou tática quando aquelas que utilizava perdem sua eficácia” (FERRO, 1992, p. 81)

O filme contribui com elementos que remetem a uma análise social de maneira diversificada da proposta pelos seus segmentos que o autor chama de “contra-análise de sociedade”. As obras cinematográficas, por carregar essa habilidade que lhe é peculiar, atingem as estruturas sociais e se mostram como um contra-poder. Pelo modo como são produzidas a contra-análise é fornecida de várias maneiras pelo documento fílmico, pelas diversas características e informações que carregam em seu cunho. Gestos, objetos, logo-marcas, comportamentos, músicas, cores, componentes étnicos, tendências e vários outros fatores são transmitidas no filme, e passivas de crítica.

Neste foco de historicidade, o historiador deve analisar o filme não somente segundo a abordagem que se faz necessária, deve utilizar a aplicação desses métodos, interrogar a essência e as bases que o formam e quais as relações presentes em seus componentes. Analisar na obra todos os seus componentes, inclusive o que não é filme, ou seja, o conjunto de fatores que o produziu.

Nessas condições, não seria suficiente empreender a análise de filmes, de trechos de filmes, de planos, de temas, levando em conta, segundo a necessidade, o saber e a abordagem das diferentes ciências humanas. É preciso aplicar esses métodos a cada um dos substratos do filme (imagens, imagens sonorizadas, não-sonorizadas), às relações entre os componentes desses substratos, analisar no filme tanto a narrativa quanto o cenário, a escritura, as relações do filme com aquilo que não é filme: o autor, a produção, o público, a crítica, o regime de governo. Só assim se pode chegar à compreensão não apenas da obra, mas também da realidade que ela representa. (FERRO, 1992, 87)

O documento fílmico ao ser produzido sofre um processo diferente do documento escrito que possui a mesma origem. O primeiro carrega as informações que

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vão contra as intenções daquele que filma, ou da empresa que mandou filmar. Embora o documento escrito também possua lapsos e lacunas, o filme sofre um processo diferente, porque nele existem lapsos a todo o momento.

A câmara revela o funcionamento real daquela, diz mais sobre cada um do que queira mostrar. Ela descobre o segredo, ela ilude os feiticeiros, tira as máscaras, mostra o inverso de uma sociedade, seus “lapsus”. É mais do que preciso para que, após a hora do desprezo venha a da desconfiança, a do temor [...]. A idéia de que um gesto poderia ser uma frase, esse olhar, um longo discurso é totalmente insuportável: significaria que a imagem, as imagens [...] constituem a matéria de uma outra história que não a História, uma contra-análise da sociedade. (FERRO, 1976, p. 202-203)

Um “deslize” de um filme “de tema histórico” que representa uma “realidade” contemporânea no passado, por meio de representações de origem imagéticas e/ou linguísticas como textos, falas, cenários, figurinos, conceitos, cenas completas etc. evidencia a historicidade que caracteriza qualquer bem cultural. “Tais deslizes podem também ser considerados como expressão das próprias concepções (horizonte conceitual - ideológico) daqueles que estiveram envolvidos na sua realização” (ABDALA, 2008, p. 20)

Torna-se importante, então, saber como a historiografia deve proceder ao analisar os filmes, considerados a partir de agora, novos objetos de pesquisa. O primeiro passo é não olhar as imagens apenas como uma ilustração, como mera confirmação ou negação das luzes oriundas dos documentos escritos. As imagens devem ser consideradas como novo objeto de interpretação, para junto com outros saberes, originarem uma nova compreensão. Segundo o autor,

[...] partir da imagem, das imagens. Não buscar nelas somente ilustração, confirmação ou o desmentido do outro saber que é o da tradição escrita. Considerar as imagens como tais, com o risco de apelar para outros saberes para melhor compreendê-las (FERRO, 1992, p. 86).

O cinema, por possuir essa particularidade, mostra o latente por trás do aparente, o não-visível através do visível. Desconsidera-se o filme uma obra de arte, agora ele é encarado como um produto. Se compararmos sua essência com uma oração, na análise semântica, a imagem é a classe hábil a designar o sujeito. Suas significações não são somente cinematográficas, suas virtudes são alcançadas com a totalidade do que ele testemunha somada a abordagem sócio-histórica que autoriza. Para a sua análise e

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