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AS LIGAS CAMPONESAS: O CASO DO ENGENHO DA GALILÉIA

2 AS REVOLTAS CAMPONESAS NA FORMAÇÃO DA REPÚBLICA

2.3 AS LIGAS CAMPONESAS: O CASO DO ENGENHO DA GALILÉIA

As ligas camponesas constituíram uma das mais importantes formas organizativas de trabalho rural do Brasil. Essas organizações, no seu tempo de criação e existência, lutaram pela dignidade do trabalho do homem do campo e contribuíram para as reivindicações pela reforma agrária. Neste item, faremos uma conceituação dessas associações e também nos dedicaremos a elucidar um pouco sobre o seu papel representativo nas lutas camponesas.

As ligas tiveram origem na Alemanha com a opressão dos príncipes, senhores feudais e da Igreja aos trabalhadores do campo. No Brasil, há muitos anos a tentativa foi orientada no sentido de constituir sindicatos rurais, mas não chegaram a ter sucesso. As primeiras Ligas Camponesas surgiram no Brasil, em 1945, logo após a redemocratização do país, após a ditadura do presidente Getúlio Vargas. Camponeses e trabalhadores rurais se organizaram em associações civis, sob a iniciativa e direção do recém legalizado Partido Comunista Brasileiro (PCB). Foram criadas ligas e associações rurais em quase todos os estados do país (JULIÃO, 1962).

A organização das ligas não representava uma novidade, pois, na década de 1940, houve um processo similar, com o apoio do Partido Comunista Brasileiro - PCB. Nos tempos de sua criação as ligas representavam uma tentativa de ampliação de sua fundamentação política, com o intuito de concretizar a união de operários e camponeses para enfrentar as dificuldades latifundiárias e imperialistas da conjuntura social.

Constituídas pelo PCB, representavam naquele período um esforço dos comunistas na tentativa de ampliar suas bases políticas, cujo objetivo primordial era o de fundamentar a aliança operário-camponesa para fazer face ao latifúndio e ao imperialismo de acordo com a visão de revolução encampada pelo partido (MOTTA, ESTEVES, 2009, p. 244-245).

A estratégia escolhida pelo PCB foi a de proporcionar aos trabalhadores do campo formas associativas, constituídas a partir de lapsos presentes no Código Civil, já que a legislação permitia a criação de associações rurais, desde que não ficassem evidentes os fins sindicais. O partido protagonizou a luta contra o sistema que impunha inúmeros obstáculos para a sindicalização do trabalho rural.

A saída para os militantes do PCB foi promover no campo formas organizativas de cunho associativista, constituídas aproveitando brechas legais existentes no Código Civil, cuja legislação permitia a criação de

associações rurais desde que não ficasse evidente que se tratava de organizações de trabalhadores com fins sindicais (MOTTA, ESTEVES, 2009, p. 245).

Em 1948, no entanto, com a proscrição do PCB houve o desmoronamento dessas organizações de trabalhadores no Brasil. Num momento posterior, surge a Sociedade Agrícola de Plantadores e Pecuaristas de Pernambuco (SAPP), que devido a repressões e conflitos ideológicos com as autoridades locais, seus associados acabaram se engajando politicamente com as lideranças camponesas de Recife, formando o embrião das futuras ligas camponesas em todo o Brasil. Em janeiro de 1955, a criação da SAPP, sita no Engenho da Galiléia, em Vitória de Santo Antão, Pernambuco, reverbera e provoca o ressurgimento das Ligas Camponesas no Nordeste.

A busca de melhoria de suas condições de vida levou um pequeno grupo de foreiros a formar uma associação – Sociedade Agrícola de Plantadores e Pecuaristas de Pernambuco (SAPPP). Como sociedade civil de cunho beneficente, a associação objetivava criar principalmente um fundo funerário para o pagamento do enterro de seus associados e fundar uma escola. (MOTTA, ESTEVES, 2009, p. 244)

Estava recriado o projeto das Ligas Camponesas no Brasil. A liga criada no Engenho da Galiléia surgiu como uma sociedade beneficente, de auxílio mútuo, seu objetivo era lutar pelos direitos dos trabalhadores rurais daquela região. O movimento tinha como objetivos básicos lutar pela reforma agrária e a posse da terra, além de outras peculiaridades e particularidades para a melhoria do trabalhador camponês. Segundo Francisco Julião.

No Engenho da Galiléia havia 140 famílias camponesas, totalizando quase mil pessoas. As autoridades negavam-lhes o direito de ter filhos diplomados, graças ao foro arrancado anualmente daquela pobre gente, também não cumpria o artigo da Constituição Federal que obriga todo estabelecimento agrícola com mais de 100 trabalhadores a manter escola gratuita para eles e os filhos (JULIÃO, 1962, p. 24)

Em artigo sobre as Ligas Camponesas, para a coleção Formas de resistência camponesa: visibilidade e diversidade de conflitos ao longo da historia, os autores Márcia Motta e Carlos Leandro da Silva Esteves dissertam sobre o surgimento das ligas, dizendo que a associação criada em Vitória do Santo foi criada, primeiramente, devido a exploração exercida na propriedade, principalmente pelo sistema de arrendamento e o preço do foro

As Ligas Camponesas, como foram denominadas e seriam nacionalmente conhecidas, surgiram no ano de 1954, em Pernambuco, em razão do conflito ocorrido no Engenho da Galiléia, localizado no município de Vitória de Santo Antão. Galiléia era, em princípios da década de 1950, uma propriedade rural cuja exploração se dava pelo sistema de arrendamento, onde o valor do aluguel das parcelas de terra era em muito superior às possibilidades de pagamento dos arrendatários. (MOTTA, ESTEVES, 2009, p. 244)

A figura de Francisco Julião se plasma como líder das ligas no plano nacional. A atuação de Julião em benefício das Ligas Camponesas inicia quando ele, juntamente a políticos e profissionais liberais, se propõe a oferecer respaldo legal para as organizações surgidas em Pernambuco. O engajamento e o empenho nas causas camponesas fazem que Julião aglutine o movimento em torno do seu nome e de sua pessoa, conseguindo reunir idealistas, estudantes, alguns intelectuais e projetando-se como presidente de honra das Ligas Camponesas, posto enaltecido com o seu cargo de deputado.

Franciso Julião fazia parte de início de um grupo de políticos e profissionais liberais que se constituiu com vistas a oferecer respaldo legal à organização dos camponeses em Pernambuco (...) Advogado e deputado pelo PSB, Julião logo seria escolhido presidente de honra das Ligas por sua projeção e empenho na defesa dos trabalhadores rurais, fato que se explicitava não apenas nas lutas travadas nos tribunais, como na costumeira disponibilidade com que recebia os trabalhadores rurais em sua casa e a conduta que demostrava em relação a todos aqueles que recorriam a sua intervenção (MOTTA, ESTEVES, 2009, p. 246)

A partir daí, as Ligas Camponesas expandiram-se para diversos municípios de Pernambuco e também para outros estados brasileiros. Na Paraíba, onde o núcleo de Sapé foi um dos mais expressivos e importantes, chegou a congregar mais de dez mil membros. Além da Paraíba, as principais ligas se concentraram no Rio Grande do Norte, na Bahia, no Rio de Janeiro (na época Estado da Guanabara), em Minas Gerais, em São Paulo, no Paraná, no Rio Grande do Sul, em Goiás, no Mato Grosso, no Acre e também no Distrito Federal.

A Liga Camponesa da Galiléia encontrou a resistência dos latifundiários, por incentivar o “comunismo”, por isso, para a segurança de seus membros, agia na clandestinidade. Suas principais ações eram a efetuação e circulação de boletins, com a intenção de se comunicar com outras regiões que enfrentavam as mesmas dificuldades. Também denunciavam e protestavam judicialmente contra os crimes e os maus tratos exercidos aos camponeses. Seu trabalho era direcionado por três frentes: no campo, na

Justiça e na Assembléia. No campo interagiam diretamente com o camponês, na Justiça promoviam ou contestavam ações judiciais e, na Assembléia, denunciavam e protestavam contra a repressão aos seus pertencentes. Julião nos relata sobre a atuação das ligas.

No campo, mantendo contato direto com os camponeses, escrevendo boletins [...] na Justiça, promovendo ou contestando ações que se multiplicavam rapidamente com o alastramento das Ligas por outros municípios do Estado. Na Assembléia, fazendo denúncias e protestos contra as violências,a s arbitrariedades, as prisões e os assassinatos impunes dos camponeses que se destacavam pela coragem e resistência contra o capanga e a polícia. (JULIÃO, 1962, p. 26-27)

A Liga Camponesa da Galiléia teve, desde sua formação, conflitos (de todas as naturezas) com as autoridades de segurança. Por isso enfrentaram a dificuldade de divulgação e difusão, também devido ao alto índice de analfabetismo e falta de acesso dos camponeses. A saída encontrada para suprir essa carência foi, em seu discurso, agregar elementos do folclore popular (como canções, repentes, poesias e outras representações).

As Ligas Camponesas, depois de se tornarem assunto diário da imprensa brasileira, pondo em relevo a questão da reforma agrária, deram motivo ao surgimento de inúmeras associações agrícolas que hoje se espalham por todo o território nacional com os nomes mais diversos. (JULIÃO, 1962, p. 46)

O combate ideológico da imprensa contra o seu crescimento foi constante. O nordeste foi o foco e o alvo da imprensa nacional, evidenciando o combate ideológico sofrido pelas organizações. As associações “depois de se tornarem assunto diário da imprensa brasileira, deram motivo ao surgimento de inúmeras associações agrícolas que hoje se espalham por todo o território nacional com os nomes mais diversos”. (JULIÃO, 1962, p. 46). Além do monitoramento e policiamento resultante do combate ao funcionamento das ligas exercido pelas autoridades e pelo regime militar, as Ligas Camponesas significaram também uma ameaça à Igreja Católica e ao imperialismo dos Estados Unidos.

Os padres que imigraram da Europa para o Brasil no período em estudo, vinham como missionários. Atendiam a um apelo da Encíclica Fidei Domun e, nesse sentido, estavam conscientes da importância da sua missão no sentido de barrar o avanço do comunismo, principalmente no Nordeste do Brasil, onde as Ligas Camponesas (1955) transformaram-se numa grande ameaça à hegemonia católica. Isto porque, o discurso das Ligas não apontava

produzia um discurso criticando proprietários e padres. (MONTENEGRO, 2008, p.12)

No ano de 1959 ocorreu a desapropriação do Engenho da Galiléia, fato de grande representação social. Tal feito gera o entusiasmo dos camponeses, incentivando a criação de muitas outras ligas camponesas no nordeste. A repressão e a violência dos donos das terras aumentaram, pois estes estavam assustados e tentavam conter a explosão da causa camponesa. A vitória da Liga Camponesa no Engenho da Galiléia, e a desapropriação das terras do engenho, constituiu-se um marco das lutas camponesas no país. “Para os setores mais conservadores, a decisão judicial teve como efeito a propagação de um movimento subversivo e o desrespeito à propriedade particular” (MOTTA, ESTEVES, 2009, p249) Os setores detentores dos direcionamentos da concentração de propriedades temiam a propagação e a desapropriação de outros engenhos por todo o país.

Em 1959, o suplente de Francisco Julião, o deputado Carlos Luiz de Andrade, apresentou um novo projeto de desapropriação, baseando-se no artigo da Constituição que assegurava a desapropriação. Por interesse social, mediante justa e prévia indenização em dinheiro. Esse momento pode ser considerado um verdadeiro marco na trajetória das Ligas Camponesas. (MOTTA, ESTEVES, 2009, p. 249)

Na análise dos escritos de Julião na obra O que são as Ligas Camponesas? É evidente a tentativa de conquista do trabalhador do campo. A obra prove uma forma de divulgação, um clame pela participação do mundo do camponês. Ela possui uma linguagem singela, se comunicando e convidando os camponeses ao engajamento da luta. Julião escreve seu livro com a estratégia pedagógica de ser lido pelos e para os camponeses (ciente do alto índice de analfabetismo). Estes objetivos podem ser evidenciados na Carta de Alforria ao Camponês, como podemos observar neste trecho:

És tu quem mata a fome. E morre de fome. És tu quem nos veste. E vive de tanga. Dás o soldado para defender a Pátria. E a Pátria te esquece. Dás o capanga para o latifúndio. E o capanga te esmaga. Dás a esmola para a igreja. E a igreja te pede resignação em nome de Cristo. (...) Muitos são os caminhos que te levarão à liberdade, Liberdade quer dizer terra. Quer dizer pão. Quer dizer casa. Quer dizer remédio. Quer dizer escola. Quer dizer paz. Eu te apontarei esses caminhos. (...) Mas eu te digo e repito: não adianta a viagem se tu fores sozinho. Convida seu irmão sem-terra ou de pouca terra. E pede que ele convide outro. No começo serão dois. Depois, dez, depois cem. Depois, mil. E, no fim, serão todos (JULIÃO, 1962, p. 69).

Na historiografia brasileira, fica evidenciado o esforço de vários autores em reconstruir a conjuntura brasileira antes do golpe militar de 1964, em especial, no que se refere às lutas em torno da reforma agrária. Nesta dissertação, priorizamos os escritos de Julião, interpretados como a base ideológica do movimento, e algumas outras abordagens para evidenciar o campo de atuação das ligas. A importância das Ligas Camponesas também é reconhecida por estas serem as precursoras dos movimentos sociais rurais brasileiros surgidos a partir de 1980, incluindo o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra (MST).

Francisco Julião e aquele grupo de trabalhadores jamais poderiam imaginar que a luta de um grupo de camponeses nas terras de um engenho de Pernambuco se transformaria em tema da imprensa não só regional, mas nacional e mesmo internacional, e viria a mudar completamente suas vidas. (MONTENEGRO, 2008, p. 4)

Com o golpe militar de 1964, as Ligas Camponesas são julgadas subversivas pelo exército e pelos políticos detentores do controle da nação. Seus líderes passam a ser perseguidos e suas ações operadas na clandestinidade e sobre pena de severa repressão e punição. O movimento, assim, foi desarticulado e proscrito, sendo seu principal líder (Julião) preso e exilado.

O movimento funcionou ainda durante algum tempo, como uma organização política clandestina, que possuía uma direção nacional formada por assalariados rurais e camponeses, que se infiltraram em sindicatos agrícolas, passando a ajudar presos e perseguidos políticos.

3 O CINEMA BRASILEIRO E AS REVOLTAS CAMPONESAS

O presente capítulo apresenta a discussão e a análise de três obras cinematográficas: Guerra de Canudos, A Guerra dos Pelados e Cabra Marcado para Morrer. O foco de análise é a crítica historiográfica acerca dessas três obras, ou seja, como as obras retratam, apresentam, sustentam, comprovam ou de que maneira estas obras diferem dos acontecimentos históricos e das revoltas abordadas, segundo a bibliografia apresentada neste trabalho. Outro fator, despertado pela análise fílmica, são as sugestões que emergem como possibilidades de fundamentação pedagógica. Sugestões essas que poderão contribuir para os educadores quando da utilização desses filmes em sala de aula.

A escolha desses três filmes foi considerada mediante a sua importante contribuição para a pesquisa e o ensino de História, servindo como novas possibilidades de abordagem e como novas formas metodológicas do processo de construção da aprendizagem histórica por meio da ilustração historiográfica. Originando assim, questionamentos sócio-políticos que auxiliam na formação do conhecimento dos contextos abordados pelas obras em questão.

Nosso objetivo nesta parte do trabalho é construir uma interseção entre os contextos históricos apresentados no segundo capítulo – Guerra de Canudos, a Guerra do Contestado e o caso da desapropriação do Engenho da Galiléia, em Pernambuco – com os filmes mencionados. Para isso, procuramos o esclarecimento de como essas três obras servem de objeto de análise histórica, como estes filmes podem ser criticados pela historiografia e como esses fatores sustentam a fundamentação teórica dos professores, tornando-se possibilidades metodológicas.

Nesse sentido, alguns elementos tornam-se visíveis e constituem o foco dessa atividade: a percepção dos fenômenos ou práticas importantes para a reconstrução histórica que os filmes possuem o potencial de revelar, e em que elementos estas podem ser criticadas, e ainda como o Ensino de História poderá fazer uso dos mesmos, incluindo-se aí educadores e educandos, vistos como sujeitos construtores desse processo de conhecimento histórico, bem como a herança cultural que os mesmos estão atrelados.

Sendo assim, torna-se importante evidenciar as escolhas de direção e roteiro, tanto aquelas que fizeram os filmes serem escritos e conduzidos dessa maneira, quanto as que foram deixadas de lado. Nosso intuito também é elucidar a importância dos personagens e como estes se inserem nas representações sociais, históricas e culturais dos períodos retratados.

Ao analisarmos a fotografia de cada película, a mesma nos permite refletir sobre a representação da paisagem e do cenário das revoltas camponesas e dos movimentos sociais abordados. As experiências de instrução e formação pessoal dos diretores, as tendências ideológicas de suas demais obras mostram-se importantes para a análise do meio cultural que originou as escolhas para a criação e para a produção dos filmes. As trilhas sonoras podem também elencar alguns aspectos mais sutis da cultura que cada obra intentou expressar.

Estas três produções vêm ilustrar os conflitos sociais, políticos, econômicos e culturais presentes na história do problemático contexto agrário brasileiro. Nesses filmes, encontram-se explícitos a resistência contra a ordem vigente, expressa na luta de Antonio Conselheiro e os retirados de Canudos contra a implantação da República, nos seguidores do Monge José Maria, sua peleja contra o imperialismo das multinacionais e, em outro momento, a luta do líder camponês paraibano João Pedro Teixeira por melhores condições de vida dos trabalhadores rurais de sua região. Esses três momentos compartilham o conflito dos trabalhadores camponeses contra o latifúndio. A partir dessas análises, faremos possíveis aproximações entre história, sociedade, revoltas sociais, cinema, cultura e ensino de história.

3.1 GUERRA DE CANUDOS: UMA APROXIMAÇÃO A OS SERTÕES

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