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II. 2 “Tempo de acções e não de palavras!”: Lusotropicalismo e Ação Psicossocial

III.2 Havia guerra em Luanda?

III.2.1 A guerra nos noticiários: o que diziam os jornais?

Antes de iniciarmos uma análise sobre os periódicos produzidos em Luanda entre 1961 e 1974, convém lembrar que, logo a seguir ao ataque às prisões em 4 de Fevereiro de 1961, as autoridades coloniais se reuniram com representantes dos principais órgãos da imprensa angolana e obtiveram a garantia de que estes apoiariam inteiramente o governo306. Além disso, todos os meios de informação estavam, já desde a década de 1950, submetidos à censura prévia que, por sua vez, tornou-se ainda mais rigorosa após o início da luta de libertação. A partir de então, estampa-se em suas páginas uma pequena nota com os dizeres: “visado pela comissão de censura”.

Se olharmos para os periódicos que circulavam na capital, encontraremos uma guerra muito distante. Uma guerra entre várias outras, cujas notícias eram, às vezes, tão mais frequentes do que a própria luta relacionada ao futuro da província. É fácil perceber, por

306 Correspondência do Gabinete do Ministro do Ultramar para o Gabinete dos Negócios Políticos. 9 de

exemplo, que entre fins dos anos 1960 até 1970 a guerra civil na Nigéria aparece com mais frequência nos jornais angolanos do que a luta pela libertação de Angola. Guerra da Coreia, conflito no Oriente Médio, golpes no Congo Kinshasa, e assim por diante, ocupam seções inteiras em alguns números desses jornais307. E, no meio dessas notícias, é possível encontrar pequenas notas, e vez por outra algumas matérias, sobre a guerra que aqui nos interessa buscar308.

A leitura do jornal da tarde ABC Diário de Angola309, editado pelas Indústrias ABC, nos deixa ver o quanto a guerra era mostrada como algo fora da realidade vivida pelos habitantes da cidade. Em 1967, por exemplo, tal periódico era dividido em seções que iam do mais próximo ao cotidiano da capital até os noticiários internacionais. Primeiro, aparecia a seção Cidade, depois Angola de Norte a Sul, seguida pelo Do Mundo Português, e então vinha De Todo o Mundo. Muitos dos números silenciam a respeito da guerra. Mas o que convém chamar a atenção é que poucas eram as matérias sobre os movimentos de libertação que apareciam na seção Cidade. Quando muito, figuravam em Do Mundo Português, como, por exemplo, a matéria Desmentindo um Comunicado do M.P.L.A.310, publicada em 05 de

307 Com relação à guerra civil na Nigéria e aos golpes no Congo há uma intenção nítida na insistência dos

periódicos: a de mostrar o suposto fracasso dos países africanos independentes.

308 Os jornais aqui selecionados foram produzidos em Luanda. Marcelo Bittencourt nota, porém, através de uma

análise dos números publicados entre 1958 e 1974 do Jornal do Congo, produzido em Carmona (atual Uíge), norte de Angola, uma estratégia semelhante. Isto é, a guerra aparece na seção militar do jornal e em algumas notas dispersas, que tendem, com o passar dos anos, a tornar-se ainda mais raras. Pode-se perceber, porém, uma diferença no tom dos jornais aqui analisados e o Jornal do Congo no que se refere aos números que circularam logo após os ataques de fevereiro e março de 1961. Enquanto os periódicos luandenses não economizaram elogios à atuação das autoridades frente aos acontecimentos e insistiam no fato de que a ordem já teria sido restabelecida, no Jornal do Congo aparecem críticas à preocupação em demasia com Luanda em detrimento das demais regiões, e discute-se o fato de que responsáveis coloniais estariam informados previamente sobre os levantamentos de 15 de Março, mas nada teriam feito para evitá-los. Ver: Marcelo BITTENCOURT. “Estamos

Juntos!”: O MPLA e a luta anticolonial”. Vol.1. Luanda: Editorial Kilombelombe, 2008, 282 – 283.

309 A coleção do jornal ABC Diário de Angola está praticamente completa no acervo da Hemeroteca Municipal

de Lisboa. Para o presente trabalho, foram consultados números relativos aos anos de 1963, 1965, 1967 a 1969, e 1971 a 1974. A partir de 1971, a publicação torna-se irregular, sendo publicados dois números por ano até 1974. No inquérito feito por Ramiro Ladeiro Monteiro junto a 602 chefes de família moradores dos musseques, 29,8% alegaram ler jornais, mesmo que esporadicamente. Dentre eles, o ABC figurou como o terceiro jornal mais lido, sendo o primeiro a Província de Angola e o segundo o Diário de Luanda. Ver: Ramiro Ladeiro MONTEIRO. A

Família nos musseques de Luanda. Luanda: Fundo de Acção Social no Trabalho em Angola, 1973, p.375.

O ABC Diário de Angola, como mencionamos no capítulo anterior, era um jornal liberal. Segundo Afonso Dias da Silva, era considerado um jornal “do contra”, ou seja, um jornal que não era pró-regime, tendo sido, por isso, escolhido para a publicação do Tribuna dos Musseques – o que seria importante para dar credibilidade ao suplemento. Ver: Tribuna dos Musseques. PIDE/DGS Del.A, PInf., Proc.15.12-A/2, NT.2084, fls.15-20. Lisboa, Torre do Tombo; Afonso Dias da SILVA. Entrevista concedida a Marcelo Bittencourt e José Maria. Centro de Estudos Afro-Asiáticos. Rio de Janeiro, 13 de Março de 1996.

Não ser pró-regime, porém, não significava que fosse um jornal abertamente anti-regime – para tal, devido à censura, teria que ser clandestino. Ainda, se opor ao Estado Novo estava longe de ser sinônimo de ser pró- movimentos de libertação. A sociedade colonial angolana era mais complexa do que a dicotomia entre a favor ou contra o Estado Novo deixaria ver, o que ficará mais claro quando tratarmos do pós-25 de Abril.

310 “Desmentindo Comunicado do MPLA” IN ABC Diário de Angola. Ano IX. Número 2975. Luanda, 05 de

Janeiro de 1967. No dia 12 do mesmo mês, na mesma seção, constava a matéria Pedido à

OUA do não reconhecimento do G.R.A.E.311, que enfatizava a rivalidade entre os próprios

movimentos de libertação.

Notícias sobre os mesmos chegam a aparecer, inclusive, na seção De Todo o Mundo, como ocorreu no número de 17 de Fevereiro de 1967, quando se publicou a nota “Com o

apoio dos cubanos o M.P.L.A. tenta desalojar Mobutu do Governo de Kinshasa”312. As

intenções eram claras: primeiro, destaca-se o vínculo entre o MPLA e a Cuba comunista; segundo, as questões do MPLA não se referiam a Angola.

No dia 22 de Fevereiro de 1967, porém, uma nota aparece na seção Cidade, intitulada

“A crise da subversão dita ‘angolana’”313. Curiosamente, não obstante a seção na qual foi

publicada, o objetivo dessa matéria era mostrar que tais movimentos não eram de fato angolanos. Nela, o jornal insiste no argumento de que, localizados no estrangeiro, os movimentos sobrevivem de armas e de mercenários de fora, uma vez que nem adeptos encontram mais dentre os angolanos.

Enquanto isso, os jornais, em suas seções destinadas aos aspectos próprios a Luanda, publicam quase que diariamente notas sobre entradas em hospitais, ações da polícia e julgamentos realizados no tribunal314. Nelas, constam apenas problemas que poderiam se dizer usuais à vida de toda grande cidade, e nada que dê qualquer indicação de reflexos da guerra na capital. No tribunal, são julgados os habitantes de casas em transgressão, os infratores das leis de trânsito, os comerciantes de liamba, que conhecemos por maconha, os acusados de roubo, os que abrem suas casas comerciais fora dos horários estabelecidos ou que não possuem alvará para tal, os que têm cachorros sem licença, ou que realizam farras sem autorização, os casos de jogos de bola na praia que contrariam a proibição dos mesmos, e assim por diante. Nos hospitais, internam-se vítimas de roubo e de agressões várias, originadas por contendas entre vizinhos, brigas familiares, e, principalmente, registram-se as entradas de vítimas de atropelamentos e acidentes de carro.

311 Governo Revolucionário de Angola no Exílio, vinculado à FNLA, e criado em abril de 1962

“Pedido à O.U.A. do não reconhecimento do G.R.A.E.” IN ABC Diário de Angola. Ano IX. Número 2982. Luanda, 12 de Janeiro de 1967, p. 08.

312 “Com o apoio dos cubanos o MPLA tenta desalojar Mobutu do governo de Kinshasa” IN ABC Diário de

Angola. Ano IX. Número 3017. Luanda, 17 de Fevereiro de 1967, p. 11.

313 “A crise da subversão dita ‘angolana’” IN ABC Diário de Angola. Ano IX. Número 3022. Luanda, 22 de

Fevereiro de 1967, p. 07.

314 No Diário de Luanda e no ABC Diário de Angola, encontram-se as seções Pelo Hospital e Pela Polícia.

Neste segundo, há também Tribunal de Polícia e Dia a Dia. Já na Província de Angola, tais notas encontram-se na seção Casos do dia. Os três periódicos estão disponíveis para a consulta na Hemeroteca Municipal de Lisboa.

Essas notas são, no mais das vezes, bastante sintéticas. Em tópicos, apresentam-se casos que ocorreram em Luanda, cujas vítimas tiveram de ser levadas a um dos hospitais da capital. No geral, não se emite julgamento. Em alguns números, porém, há uma pequena introdução, na qual se admite serem as zonas limítrofes da cidade as que mais sofrem com a questão da violência315. Há também casos em que se culpa o excessivo uso de bebidas alcoólicas como a causa de elevado número de agressões316. No entanto, de modo a seguir fielmente as prerrogativas ideológicas do regime – mesmo porque seria ilógico imaginar que a comissão de censura permitiria que fosse feito o contrário –, jamais, nessas notas, coloca-se qualquer referência racial. Quando muito, consta a região de origem dos envolvidos, o que também se torna raro com o passar dos anos.

Quero com isso mostrar que, na forma como essas notícias são colocadas nos periódicos, figura-se, mesmo que nas entrelinhas, que os problemas de Luanda são consequência da evolução do sistema capitalista, que, através da meritocracia, cria clivagens sociais que se refletem na própria exposição à violência. Não se fala mais de terroristas na cidade, ou de agentes subversivos, de indivíduos que atuam na capital a soldo do estrangeiro – para utilizar o repertório de nomes tão comuns nos números que se seguiram ao 4 de Fevereiro.

Com exceção dos números referentes ao primeiro semestre de 1961, portanto, onde noticiavam-se nas seções referentes a Luanda as prisões de terroristas envolvidos no ataque às prisões, a subversão desaparece dos casos ocorridos na cidade. Isso não significa dizer que não houvesse casos de subversão em julgamento nos tribunais. Significa apenas que, pelo menos, não era desejável que estes se tornassem notícias. Se houve atentados e sabotagens, eles não conseguiram quebrar o silêncio dos jornais, como o fizera o ataque às prisões de fevereiro de 1961 – ou porque não tiveram tamanho impacto, ou porque, após o início da guerra, o regime ditatorial estabelecido já se havia preparado para evitar a sua repercussão.

Os periódicos diários, no entanto, eram um dos principais veículos de ligação entre a população das áreas não-afetadas pela guerrilha com as notícias oficiais da guerra em si317.

315 Pelo Hospital IN ABC Diário de Angola. Luanda: 01 de Julho de 1971, p. 15. Hemeroteca Municipal de

Lisboa.

316 Pelo Hospital IN ABC Diário de Angola. Luanda: 02 de Julho de 1971, p. 05. Hemeroteca Municipal de

Lisboa.

317 Não era o único veículo, e isso deve ficar claro. O Governo português, como foi dito no capítulo anterior,

investiu fortemente na radiodifusão durante os anos da guerra, de modo a levar a programação da Emissora

Oficial de Angola, diretamente ligada ao CITA, e a da Voz de Angola a regiões cada vez mais amplas. A Emissora Oficial transmitia, às segundas, terças, sextas, sábados e domingos, o programa “Hora do Soldado”.

Ver: “Vida militar” IN ABC Diário de Angola. Ano IX. Número 3435. Luanda: 24 de Abril de 1968, pp. 01, 09. Hemeroteca Municipal de Lisboa. Deste modo, a rádio tem também significativa importância no plano de

Isso porque, semanalmente, era publicado nestes periódicos o Comunicado das Forças

Armadas em Angola ou Boletim Informativo das Forças Armadas. Pode-se resumir o

conteúdo destes comunicados da seguinte maneira: terroristas ou bandoleiros atacam povoações, violam mulheres, assassinam africanos e promovem sequestros para aumentar suas fileiras. As Nossas Tropas, abreviadas em NT, com o apoio da polícia civil (Polícia de Segurança Pública) e da própria população, vão ao socorro dos africanos e tem como objetivo protegê-los da violência do inimigo.

“Em 25 de Maio, um grupo de cerca de 150 terroristas, utilizando armamento moderno e gentílico, atacou a povoação de Alto Culto, que foi valorosamente defendida pela guarnição local da PSP, com a colaboração da população que revelou grande firmeza de ânimo; o ataque acabou por ser severamente rechaçado, tendo sido ocasionado aos bandoleiros cerca de 30 mortos e 40 feridos; os defensores sofreram 6 mortos, 2 feridos e 1 desaparecido”318.

Poucas vezes se distingue o movimento de libertação a que se faz referência. São todos, em geral, classificados como terroristas e bandoleiros. Apesar de sempre constar como tendo havido vitória das tropas portuguesas, o inimigo, independente da sigla a que pertencesse, aparecia, em geral, como um adversário forte, que não poderia ser menosprezado. Mencionava-se, por exemplo, com frequência a posse de armas modernas por parte dos guerrilheiros. E aqui está um outro aspecto, também visível através dos periódicos, que não pode ser ignorado: apesar de os jornais caracterizarem os movimentos de libertação como algo distante da realidade cotidiana, parece haver a intenção de lembrar os leitores constantemente de que há uma guerra em andamento, cujo inimigo não pode ser desprezado.

Por um lado, são muitas as pequenas notas que fazem referência a questões relacionadas aos movimentos de libertação em si, de modo a localizá-los além-fronteiras. A polícia de Léopoldville fora obrigada a intervir em pancadaria na sede do MPLA319; Holden Roberto ostentava novo carro em Kinshasa320, matéria que sugere desvio de verbas por parte

sobre a guerra, nomeadamente emissoras de rádio estrangeiras e, apesar de escassos, panfletos. Falaremos disso adiante.

318 Comunicado das Forças Armadas em Luanda IN ABC Diário de Angola. Ano IX. Número 3119. Luanda: 02

de Junho de 1967, p. 07. Hemeroteca Municipal de Lisboa.

319 “Aconteceu em Léopoldville. Cena de pancadaria na sede do MPLA” IN Diário de Luanda. Ano XXXIII.

Número 10. 301. Luanda: 09 de Julho de 1963.

Notícias sobre a dissidência de um grupo do MPLA com a formação de um outro comitê diretivo, sob liderança de Viriato da Cruz, sobre a decisão da OUA de que os demais movimentos de libertação deveriam integrar-se à FNLA, e sobre as dificuldades enfrentadas pelo movimento liderado por Agostinho Neto em Léopoldville merecem notas frequentes no Diário de Luanda durante o mês de julho de 1963. Com isso, a redação avisava aos leitores que, caso tais movimentos saíssem vitoriosos, era mais provável que Angola caísse nas mãos de Holden Roberto e da sua Frente que cometeu atos de extrema violência no norte da província, cujas fotos circularam não só em Angola, como internacionalmente.

320 “Quem pagou o novo automóvel de Holden Roberto?” IN ABC Diário de Angola. Ano X. Número 3423.

do líder da FNLA; guerrilheiros da UNITA estariam envolvidos em desordem no noroeste da Zâmbia, fazendo com o que o presidente tivesse que abrir inquérito para investigar o caso321. Matérias como essas, por menores que fossem, estavam muitas vezes estampadas na capa dos periódicos. Insistia-se, ainda, na desagregação desses movimentos, ao chamar a atenção aos seus conflitos internos e às denúncias mútuas que dirigiam uns aos outros. Um exemplo é a matéria publicada pela revista Notícia, em 1973, com o título Doze anos depois, cisão no

MPLA, na qual se fazia referência à revolta liderada por Daniel Chipenda e ao fracasso das

tentativas da OUA em conciliar o MPLA e a FNLA322.

Por outro lado, assim como o faziam os comunicados das Forças Armadas, parecia haver uma insistência de que esse inimigo não era fraco, o que, consequentemente, contribuía para heroicizar as tropas portuguesas. O jornal ABC Diário de Angola, em 26 de fevereiro de 1967, publica na primeira página uma nota referente à abertura, em Luanda, de uma exposição dos materiais de guerra apreendidos aos terroristas pelas Nossas Tropas (NT), evento este que contou com a presença do então Governador-Geral de Angola, Rebocho Vaz. Figuraram na exposição, por exemplo, 16 tipos distintos de metralhadoras, instruções em chinês e boletins do Partido Comunista Chinês: “O ‘certame’ [...] constitui expressiva demonstração, não só

321 “O que se passa no Noroeste da Zâmbia?” IN ABC Diário de Angola. Ano X. Número 3138. Luanda: 22 de

Junho de 1967, p. 01. Hemeroteca Municipal de Lisboa. Além da UNITA, faz-se menção aos adeptos da seita Testemunhas de Jeová como elementos envolvidos nas desordens. Marcelo Bittencourt menciona a perseguição que os membros de tal grupo sofreram em Angola por parte da PIDE. Segundo o autor, esse grupo religioso era temido devido ao não-reconhecimento de qualquer autoridade que não fosse Jeová, o que trazia o perigo da não- obediência às autoridades coloniais. Marcelo BITTENCOURT. Op.cit., p. 281.

Vale mencionar a preocupação demonstrada pelos SCCIA e pela PSP em seus relatórios com outro grupo religioso, cuja presença em Angola ao longo dos anos 1960, era notificada com certa frequência: os tocoístas. Tratava-se de um movimento religioso, cujo líder era Simão Toco, que pregava ideias de desobediência pacífica. O grupo parece ter sido forte na capital durante os anos 1960, mas acabou enfraquecido por conflitos internos e dificuldades de promover cultos devido à repressão sofrida. Em 1966, dois casais brancos foram expulsos da província, por ordem do Governador Geral, por se terem iniciado em núcleo tocoísta em Luanda. Segundo a PSP, os grupos tocoístas atuavam, principalmente, na Ilha, no Cazenga, Cemitério Novo, Sambizanga, Mota, Lixeira e Prenda. O fato de realizarem reuniões em kimbundu, kikongo e em outras línguas, era ainda outra preocupação para as autoridades. Ver: SCCIA. Ofício do Governador Geral para o Ministério do Ultramar. Luanda, 26 de Janeiro de 1967. MU/GM/GNP/018/Pt.1. Arquivo Histórico Ultramarino, Lisboa; PSP. Resumo de Informações nº2. Fevereiro de 1966, p.46. MU/GM/GNP/058/Pt.1. Arquivo Histórico Ultramarino, Lisboa. As autoridades portuguesas fizeram uso, após o início do conflito armado em Angola, de Simão Toco como um defensor da pátria indivisível. Marcelo Bittencourt menciona uma entrevista do líder religioso à Rádio e Televisão Portuguesas (RTP) na qual Toco criticou as ações terroristas ocorridas no Norte. Ver: Marcelo BITTENCOURT. Dos Jornais às Armas. Lisboa: Vega, 1999, pp. 136 – 137. No entanto, apesar dessa negociação entre Simão Toco e o regime português, os tocoístas continuaram a ser vigiados e o líder só retornou a Angola após o 25 de Abril de 1974.

322 “Doze anos depois, cisão no MPLA” IN REVISTA NOTÍCIA. 17 de Novembro de 1973. Hemeroteca

Municipal de Luanda.

A intenção aqui não é produzir um estudo sobre o MPLA. Portanto, para saber mais sobre os conflitos internos e as dissidências dentro do movimento, ver Marcelo BITTENCOURT. Op.cit., 2008.

da eficiência das acções contra os bandoleiros, como revela outra faceta importante da luta, como seja, as armas de que o inimigo dispõe e os países que as fornecem”323

A partir de abril de 1968, este mesmo jornal passa a publicar, duas vezes por semana, uma seção de título Vida militar, “uma página exclusivamente dedicada aos briosos

elementos das nossas Forças Armadas”324, que logo passa a se chamar Página do soldado.

Nesse espaço, palavras como honra e glória são constantes, assim como notícias de condecoração de militares por seus atos de bravura.

Nesse sentido, talvez seja ainda mais significativa a série de artigos publicada entre 1969 e 1970 na revista Semana Ilustrada sob o título de Dossier Terrorismo. Nela, Arthur Ligne apresentava suas narrativas enquanto combatente no norte de Angola. Nessas páginas publicadas na revista salientava-se o heroísmo do soldado português e as dificuldades que enfrentava. O adversário, por sua vez, era descrito como um ser sedento por sangue. Vale destacar um trecho de uma dessas reportagens por ilustrar bem a ação de contrapropaganda da qual tratamos no capítulo anterior.