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II. 2 “Tempo de acções e não de palavras!”: Lusotropicalismo e Ação Psicossocial

II.3 Luanda: uma cidade em transformação

II.3.1 Mudanças na política econômica ultramarina

Os anos que se seguiram ao início da luta de libertação em Angola foram marcados por um intenso crescimento econômico. Segundo Mario Muteira213, o Estado Novo português, apesar de ser um Estado capitalista, uma vez que o regime se assentava na propriedade privada dos meios de produção, adotou, desde a sua consolidação em fins dos anos 1920 e início dos 1930, um capitalismo que se queria autocentrado, ou seja, que resistia à abertura ao capital estrangeiro e que se orientava para a integração econômica entre a metrópole e suas colônias. Tratava-se, de acordo com Muteira, de um Estado intervencionista.

Já as colônias, tendo sua autonomia econômica e política bastante limitada, contavam apenas com seu próprios recursos para financiar o seu desenvolvimento. Apenas em alguns casos, elas dispunham de empréstimos da metrópole e de investimentos estrangeiros ainda restritos. Pelo menos, assim o era até os anos quarenta, quando as restrições à implantação de indústrias no ultramar começaram a diminuir. Foi apenas no último período colonial que as fronteiras econômicas das colônias foram abertas ao capital externo214 e que realmente se aceitou a industrialização das colônias, em especial de Angola e de Moçambique215.

A industrialização das colônias estava em discussão, pelo menos, desde 1926. Com o início da recessão de 1930, Salazar desencoraja a industrialização do império. Havia, no entanto, discordâncias. De um lado, os pequenos industriais metropolitanos que se colocavam contra qualquer proposta de industrialização das colônias. De outro, estavam os oligopólios

213 Mario MURTEIRA. “A Economia Colonial” IN Francisco BETHENCOURT; Kirti CHAUDHUR (direção)

História da Expansão Portuguesa. Vol. 5. Navarra: Círculo de Leitores, 1999, p. 109.

214 Marcelo BITTENCOURT. Op.cit., 1999, p. 23.

215 Na maior parte do período colonial, no entanto, vigorava o já conhecido “pacto colonial”, através do qual as

colônias produzem bens primários para a indústria metropolitana e consomem bens manufaturados provenientes da Metrópole. Ver: MURTEIRA. Op.cit., pp. 112 – 113.

Angola, ao contrário de Moçambique, dispunha de recursos naturais amplamente valorizados no mercado internacional, tais como os minérios de ferro, o diamante, o petróleo e o café. A exploração do petróleo angolano, iniciada em 1955, chega a representar 30% das exportações do território em 1973. Vale dizer que 90% do petróleo vinha de Cabinda, onde a exploração fora concedida a uma empresa norte-americana, a Cabinda Gulf Oil (CABGOC). Já 80% da extração de diamantes de Angola era realizada exclusivamente pela DIAMANG, empresa fundada em 1917, da qual um grupo belga possuía a maior participação (18%). Portugal detinha 16% de suas ações. Ver: MURTEIRA. Op.cit., pp. 121 – 122.

portugueses216 e os colonos; os primeiros atraídos pela possibilidade de reduzir custos e ambos seduzidos pela perspectiva de investir no além-mar. Em 1936, Salazar autoriza a industrialização das colônias em áreas em que as exportações pudessem vir a ser substituídas. A partir de meados da década de 1940, autoriza-se a montagem de fábricas têxteis no império, e coloca-se maior ênfase nas necessidades internas da colônia como condição para montagem de indústrias, desde que os interesses da metrópole fossem respeitados217.

No caso de Angola, a criação de infraestrutura, relacionada aos planos de povoamento branco dos anos 1940 e 1950, foi também um fator de atração para a indústria. Ademais, o grande contingente de população branca que migrou para o território teve por consequência a criação de um mercado consumidor interno.

A partir dos anos 1950, a economia angolana recebe impulso através dos Planos de Fomento, nos quais se definiam setores que receberiam investimentos por parte do Estado, tais quais o setor agrícola, o de educação, o de saúde, o de transportes, e até mesmo o de construção civil. No caso da educação, por exemplo, os anos 1960 e 1970 constituem um período de acelerada transformação, marcados por uma significativa extensão da rede escolar elementar e do ensino secundário e pela fundação dos Estudos Gerais Universitários em 1963218, o que retira da metrópole a exclusividade da formação universitária.

A partir de 1961, com início da luta armada em Angola, encoraja-se a industrialização do Ultramar – em especial de Angola e Moçambique – através, por um lado, dos já mencionados planos de fomento e, de outro, da redução (mas não da abolição) das restrições impostas à porcentagem de capital estrangeiro que se podia investir em alguns setores da economia. Este foi dominante, sobretudo, em áreas que necessitavam de melhor tecnologia ou grandes investimentos. A novidade deste período foi o aumento do número de empreendimentos que envolviam oligopólios portugueses ou o capital colonial e sócios estrangeiros219. A necessidade de apoio internacional para a guerra na África teria sido uma das razões para essa abertura, mas não a única. As necessidades dos oligopólios de novas tecnologias foram também um importante condicionante.

Se na década de 1950 pode-se considerar que as colônias atingiram o auge de importância para a economia portuguesa, a situação volta a alterar-se ao longo dos anos 1960.

216 A recessão de 1930 teve como consequência a concentração de capital nas mãos de um reduzido número de

pessoas. Obtiveram lucro com a neutralidade portuguesa durante a Guerra Civil Espanhola e ao longo da II Grande Guerra. Gervase CLARENCE-SMITH, Op.cit., pp. 177 – 178.

217 Gervase CLARENCE-SMITH, Op.cit., pp. 173 – 174.

218 João Carlos PAULO. “Práticas culturais” IN Francisco BETHENCOURT; Kirti CHAUDHUR (direção)

História da Expansão Portuguesa. Vol. 5. Navarra: Círculo de Leitores, 1999, p. 324.

De forma bastante simplificada, a partir de 1963, foi autorizada a entrada livre de produtos portugueses nas províncias ultramarinas. As importações de produtos metropolitanos eram maiores do que as exportações para Portugal. As colônias passaram a depender das divisas adquiridas nas transações com países estrangeiros para equilibrar sua balança de pagamentos. No entanto, devido ao “ruinosos processos de industrialização e de fomento econômico

implementado nas colônias”220, um fracasso que esteve ligado à falta de mão de obra

qualificada e de tecnologia em alguns setores, as relações com os países estrangeiros se deterioraram, o que impossibilitou o pagamento aos fornecedores da metrópole. Havia, então, uma crise a solucionar.

Em 1968, Marcelo Caetano assume a Presidência do Conselho. Em 1970, estabeleceu restrições para a entrada de produtos portugueses nas províncias ultramarinas, e entre 1972 e 1974 foram concedidos empréstimos para que as colônias pudessem pagar suas dívidas221.

Portanto, a partir de fins dos anos 1960, Portugal mais uma vez começa a se afastar economicamente do Ultramar. Ganha força, na metrópole, uma corrente favorável a emancipação das colônias. O capital humano despendido em uma guerra que parecia não ter fim alimentou essa oposição. Além disso, empresários e industriais passaram também a defender a autonomia das províncias, uma vez que estas eram vistas como um obstáculo não somente para uma maior integração de Portugal no mercado europeu, mas também para trocas comerciais com países do terceiro-mundo.

Pressionado por este grupo e, simultaneamente, pelos integracionistas que defendiam, como o nome diz, uma maior integração entre províncias metropolitanas e ultramarinas sob uma única Constituição, Marcelo Caetano optou por uma via intermédia, na busca de uma conciliação entre as partes. A revisão constitucional de 1971 consagra o que Caetano entendia por autonomia progressiva. Procede-se, então, a uma nova mudança de nomenclatura e Angola recebe a designação honorífica de Estado. A guerra, porém, continua. A insistência em se manter na África já não podia, então, se justificar através de argumentos de ordem econômica. A guerra continuou porque era já difícil manter o regime sem o império. Os portugueses que viviam permanentemente no Ultramar, os quais Portugal não teria condições de reabsorver caso optassem por regressar face à composição de um governo negro, constituíam também um obstáculo para a resolução do problema colonial.

220 Gervase CLARENCE-SMITH. Op.cit., pp. 204 – 205. 221 Gervase CLARENCE-SMITH. Op.cit., pp. 204 – 205.

II. 3.2 Classes sociais em formação: musseques enquanto reservatórios de mão de