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II. 2 “Tempo de acções e não de palavras!”: Lusotropicalismo e Ação Psicossocial

III.1 O ano em que Angola se fez ouvir

O ano de 1961 não seria tranquilo para o regime de Salazar. Na cena internacional, Portugal continuava a enfrentar dificuldades na ONU. Os países asiáticos e africanos recém- independentes que ingressaram na dita Organização estavam dispostos a pressionar Portugal para que cumprisse os princípios de autodeterminação presentes na Carta das Nações Unidas, e não aceitariam a justificativa portuguesa de que não possuía colônias, mas territórios ultramarinos.

Essa pressão internacional remontava, pelo menos, ao ano de 1960, quando a Assembleia Geral das Nações Unidas votou as resoluções 1514, na qual assinalava-se que a subjugação de povos configurava uma negação aos direitos humanos fundamentais, e 1542, que considerava os domínios ultramarinos de Portugal como territórios não autônomos301. Entre 1960 e 1973, os jovens países independentes, com o apoio da maioria dos países latino- americanos e do bloco soviético, submeteram na ONU diversas moções contra o colonialismo português302.

No que se poderia chamar de plano interno, uma vez que o regime não deixava de proclamar a unidade entre o Portugal continental e as suas províncias ultramarinas, as manifestações de descontentamento com a situação colonial em Angola aparecem já na passagem de dezembro de 1960 para janeiro de 1961, quando estoura uma revolta camponesa

301 Yves LÉONARD. “O Ultramar Português” IN Francisco BETHENCOURT; Kirti CHAUDHUR (direção)

História da Expansão Portuguesa. Vol. 5. Navarra: Círculo de Leitores, 1999, p. 44.

302 Jerry DÁVILA. Hotel Trópico: Brazil and the challenge of African decolonization, 1950 – 1980.

na Baixa do Cassanje, no distrito de Malanje, contra as terríveis condições de trabalho impostas pela COTONANG303. Ainda em janeiro desse ano, deu-se o assalto ao paquete Santa Maria por Henrique Galvão que, já desde 1947, criticava o sistema de trabalho contratado aplicado em Angola304. As notícias sobre o caso Santa Maria ainda ocupavam largamente as páginas dos jornais que circulavam em Luanda quando um novo acontecimento viria a roubar a cena.

Na madrugada do dia 4 de Fevereiro de 1961, Luanda assiste ao ataque ao Quartel da Companhia Móvel da PSP, à Cadeia de São Paulo e à Casa de Reclusão. A intenção era libertar os presos políticos, vítimas do Processo dos 50. Além disso, buscava-se promover uma ação capaz de mostrar à ONU e à opinião pública internacional que, em Angola, havia descontentamento com o regime colonial, ao contrário do que defendia o discurso dos ideólogos do regime de Salazar.

O 4 de Fevereiro ficou consagrado como o marco inicial da luta armada pela autonomia do país, e foi, de acordo com Marcelo Bittencourt, “a mais expressiva ação urbana

em toda a longa guerra pela independência, apesar de seu fracasso do ponto de vista militar”305. Portanto, se é possível afirmar que o movimento falhou quanto ao primeiro

objetivo, não há dúvidas que obteve sucesso quanto ao segundo.

No mês seguinte, outro acontecimento colocou novamente em risco o discurso português de que não haveria descontentamento com o regime estabelecido. Em 15 de Março de 1961, grupos em sua maioria compostos por bakongos promoveram violentos ataques aos brancos, mestiços e negros ovimbundos no norte da província, em região próxima à fronteira

303 A cultura intensiva obrigatória do algodão na Baixa do Cassanje trouxe profunda alteração aos ritmos da vida

de suas populações, principalmente a partir dos anos 1940. À Cotonang foi concedido o direito exclusivo sobre a comercialização do algodão produzido pelos camponeses. Os primeiros sinais de resistência apareceram em dezembro de 1960, quando verificou-se a ausência de camponeses nas lavras de algodão e a recursa ao pagamento do imposto. A partir de fevereiro de 1961, a revolta tornou-se aberta.

Sobre a Revolta da Baixa do Cassanje ver: Ainda FREUDENTHAL. A Baixa do Cassanje: algodão e revolta. Revista Internacional de Estudos Africanos, nº18-22, 1995-1999, pp. 245 – 283.

304 Henrique Galvão e Humberto Delgado planejaram o sequestro do paquete para que coincidisse com as posses

dos presidentes Kennedy nos Estados Unidos e Jânio Quadros no Brasil, uma vez que os dois eram considerados simpáticos à causa anticolonial. Ver: Kenneth MARXWELL. O Império Derrotado: revolução e democracia em

Portugal. São Paulo: Companhia das Letras, 2006, pp. 78 – 79. A concessão de asilo político a Henrique Galvão

por Jânio Quadros prejudicou as relações diplomáticas entre Brasil e Portugal. Ver: Jerry DÁVILA. Op.cit., 2010, p. 34.

Para uma análise sobre a situação do que chama de “oposição clássica” a Salazar neste momento, ver José Freire Antunes. Segundo ele, em nenhuma das campanhas presidenciais oposicionistas (Norton de Matos em 1949, Arlindo Vicente e Humberto Delgado em 1958), questionava-se a unidade nacional enquanto composta também pelas colônias. “Juntos num europocentrismo doentio, os ideólogos do regime e da oposição clássica divergiam

quanto aos diferentes ritmos de desenvolvimento e de progresso. Os segundos clamavam, em suma, pelo retorno aos tempos epopeicos do alto-comissariado”. José Freire ANTUNES. O Império com Pés de Barro. Colonização e Descolonização: as Ideologias em Portugal. Lisboa: Publicações Dom Quixote, 1980, p. 70.

com o Congo-Léopoldville. A partir de então, a luta institucionalizada pela libertação de Angola passa a ser organizada nos países vizinhos, onde se estabeleceram o MPLA e a UPA, transformada em 1962 em FNLA, ou nas matas próximas aos limites da Província, como no caso da UNITA, criada em 1966. Com os movimentos de libertação, saem também as narrativas de guerra. A luta já não estava em Luanda. A situação na capital, insistiam os jornais, estava calma e sob controle dos agentes da ordem.