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Após enaltecermos os pressupostos teórico-metodológicos tendo em vista à natureza qualitativa deste estudo, abarcaremos a respeito do processo de apreensão dos dados da pesquisa, da perspectiva instrumental, do contexto e da abordagem do trabalho com os sujeitos do estudo: a História Oral.

No âmbito das pesquisas qualitativas, a História Oral se configura, segundo Ferreira e Amado (2010), como um conjunto de perspectivas, técnicas e teorias que a concernem enquanto disciplina e metodologia que evidencia os sujeitos e sua história. Justificaremos nossa opção pela História Oral ao longo dos próximos tópicos, no entanto a justificativa primordial é de entender a profissionalidade dos professores bacharéis a partir de sua própria perspectiva.

Nesse sentido o alcance da História Oral para este estudo é de que seus pressupostos são ―poderosos instrumentos para a descoberta, exploração e avaliação de como as pessoas compreendem seu passado, vinculam sua experiência individual a seu contexto social, interpretam-na e dão-lhes significado, a partir do momento presente‖ (MINAYO, 2008, p.158).

Assim, entendemos que a História Oral compreende a este estudo uma significativa contribuição a partir da colaboração dos professores participantes, como sujeitos que interpretam, constroem e reconstroem sua profissionalidade e, por meio das narrativas (a serem discutidas posteriormente), expressam a sua versão do tema a partir de seu contexto de atuação profissional.

2.2.1 A História Oral: perspectiva inicial e origens

A partir deste tópico, no âmbito das definições metodológicas deste estudo, evidenciaremos com mais profundidade os estudos de José Carlos Sebe Bom Meihy (2005), estudioso e um dos precursores da História Oral no Brasil, intercalando discussões desenvolvidas por outros autores sobre o tema.

A História Oral, amparada pelos avanços tecnológicos que permitiram novas formas de registro das evidências orais, caracteriza-se como Metodologia com desenvolvimento relativamente recente. Anteriormente ao desenvolvimento tecnológico de gravadores de áudio e vídeo, as evidências orais tinham poucos aparatos de representação como a tradição popular,

que as permeavam no tempo a partir da fala e das gerações, e de suas manifestações para o escrito - deixando de ser oral (MEIHY, 2005).

Com a possibilidade do registro fidedigno das narrativas a partir dos aparatos tecnológicos, a História Oral emerge, segundo Meihy (2005), com sistematizações sob influência anglo-saxônica em 1948, na Universidade de Columbia em Nova York, com a necessidade de se registrar as experiências vividas pelos combatentes da Segunda Guerra Mundial. No entanto, somente a partir dos anos de 1960 foi ampliada, devido ao impulso dado por movimentos sociais como o feminismo, os movimentos trabalhadores, movimentos estudantis e os movimentos pelos direitos humanos.

Tendo em vista este contexto, a História Oral configurou-se como um instrumento ―validado pelos grupos oprimidos, (...) acabou por ser identificada como uma ‗história vista de baixo‘ ou uma ‗outra história‘‖ (MEIHY, 2005, p.36). Neste sentido, a história do sujeito pesquisado torna-se foco, para além da História institucional ou política, para a vida dos colaboradores, seus significados, suas perspectivas dos fatos e das experiências e suas narrativas e que, para este trabalho, configuram-se como o cerne de nossa preocupação investigativa.

No Brasil, o desenvolvimento da História Oral é ainda mais recente devido ao processo de ditadura militar regente entre os anos de 1960 e 1980, que controlava a produção de gravações e registros orais, bem como censurava a liberdade e autonomia necessárias a essa metodologia. Segundo Ferreira e Amado (2010), mesmo com registros de História Oral desde os anos 1970, apenas nos anos 1990 houve uma sistematização e uma ampliação da História Oral no país, com a criação da Associação Brasileira de História Oral em 1994.

Para estabelecer os pressupostos da História Oral neste estudo acreditamos, assim como Meihy (2005), que é preciso delimitar as diferentes evidências orais humanas. Segundo o autor, temos: (a) a oralidade que é expressão espontânea das pessoas no dia a dia; (b) as fontes orais que são expressões com fins de registro ou arquivamento; (c) a literatura oral, como contos, poesias, ‗causos‘ não escritos e mantidos na tradição popular; (d) a História Oral, que se configura como procedimento metodológico específico, baseado em projeto e pesquisa, com determinado objetivo.

Obviamente, este estudo configura-se como História Oral tendo em vista seus fins acadêmicos. Assim, acreditamos que a mesma possibilite considerar a colaboração dos sujeitos como um processo para além da História, uma construção inacabada, uma representação da história viva dos sujeitos pesquisados, uma marca do passado narrada pelo presente (MEIHY, 2005).

Assim como salientamos anteriormente, a pesquisa qualitativa é fundamentalmente de cunho histórico da vida dos sujeitos e a História Oral, emerge como perspectiva particular das experiências vividas (no passado), narradas a partir do momento presente e que provocam reflexões e problemáticas posteriores (futuro). Desta forma,

História oral é uma prática de apreensão de narrativas feitas através do uso de meios eletrônicos e destinada a recolher testemunhos, promover análises de processos sociais do presente e facilitar o conhecimento do meio imediato [...] a fim de favorecer estudos de identidade e memória cultural (MEIHY, 2005, p.17).

Para nós, a perspectiva da História Oral não caracteriza este estudo como historiográfico, mas o âmbito histórico, representado pelas narrativas (de fatos e experiências que já ocorreram) coloca a história, enquanto contexto e problematização da temática da profissionalidade como processo, como aspecto fundamental ao nosso estudo.

A respeito dessa discussão, Garnica (2005) já sinaliza que há um equívoco acadêmico em se considerar a História Oral como metodologia de propriedade apenas dos estudos historiográficos. Para o autor, o ―mais correto seria nos referirmos a essa modalidade como abordagem qualitativa de pesquisa que vincula oralidade e memória‖ (ibid., p.2).

Dessa forma, a História Oral corrobora em grande medida com os pressupostos de toda pesquisa qualitativa pelo fato de que ela ―é capaz apenas de suscitar, jamais de solucionar, questões; formula as perguntas, porém não pode oferecer as respostas.‖ (FERREIRA; AMADO; 2010, p.xvi, grifos dos autores).

Neste sentido, não buscamos respostas concretas às nossas problemáticas de pesquisa, pois nossa perspectiva metodológica não permite isso. Buscamos, a partir das interpretações e articulações com a teoria, permeadas pela nossa intencionalidade enquanto autores deste trabalho e sujeitos inseridos no processo de pesquisa, discutir teoricamente a temática, construir novas problemáticas, proposições e estabelecer conceitos acerca do tema.

2.2.2 Os gêneros e os estilos na História Oral Contemporânea

As entrevistas de História Oral, fundamentadas pelos pressupostos metodológicos, são uma tendência acadêmica que busca compreender a sociedade e as problemáticas de seus processos a partir dos aspectos íntimos e pessoais, ou seja, as experiências e significados construídos pelos sujeitos são os alvos principais de todo trabalho de História Oral (THOMPSON, 2002).

No entanto, existem perspectivas diferentes no âmbito da História Oral para a apreensão das entrevistas e isso varia de acordo com os objetivos e a natureza do estudo. Segundo Meihy e Holanda (2007), essas variações configuram-se como definição básica de gênero em História Oral em qualquer estudo. O quadro a seguir explana acerca dos três gêneros investigativos da História Oral e suas características.

Quadro 3. Gêneros de História Oral

Fonte: Elaboração do pesquisador a partir dos estudos de Meihy (2005); Meihy e Holanda (2007).

Observando as características dos gêneros de História Oral (Quadro 3) e articulando- as com os pressupostos deste estudo, a História Oral Temática emerge como opção de gênero nesta pesquisa tendo em vista o tema estabelecido previamente e a ser discutido perante às narrativas dos sujeitos.

Segundo Meihy e Holanda (2007), este gênero dispõe de pressupostos de apreensão das narrativas a partir da discussão centralizada em um tema ou problema previamente definido. Neste caso, segundo o autor, a história pessoal dos sujeitos da pesquisa, ao contrário da História Oral de Vida, é importante na medida em que contribui para a discussão do tema

Gênero Características

História de Vida

1- O centro de interesse é o próprio sujeito na história, a história do depoente é o objeto em si da pesquisa; toda trajetória do sujeito é cerne de experiências; 2- A entrevista é aberta e os tópicos podem ser tratados cronologicamente ou não, dando liberdade total para que o sujeito seja narrador de sua própria história;

3- Pressupõe que o entrevistador tenha conhecimento prévio do sujeito (documentos, fatos históricos e etc) para que a entrevista seja fundamentada.

História Oral Temática

1- O centro de interesse são as experiências dos sujeitos em relação a um ou mais temas específicos a serem pesquisados; a trajetória só assume importância se existe relação com o tema escolhido;

2- A entrevista é mais objetiva, sendo direcionada às problemáticas do estudo, no entanto, pressupõe-se abertura para o diálogo e para as narrativas do depoente;

3- Pode pressupor o uso de questionários para a definição dos sujeitos da pesquisa, pois os mesmos não são previamente estabelecidos como no caso da História de Vida.

Tradição Oral

1- O centro de interesse são as manifestações tradicionais dos sujeitos e seus grupos. Uso do folclore, histórias de transmissão geracional, lendas, crenças, ditados populares, personagens míticos, rituais e tradição comunitária;

2- Entrevistas abertas, no entanto, é um trabalho que extrapola as entrevistas partindo para o campo das observações, da etnografia, podendo ser registrada em diversos momentos;

3- Pressupõe conhecimentos prévios sobre os sujeitos e o grupo, no entanto, é fundamental que se desvincule os pré-conceitos estabelecidos na observação e na entrevista.

central, no nosso caso, a profissionalidade dos professores bacharéis. É um gênero que se aproxima das comuns entrevistas qualitativas, semi-estruturadas, no entanto, os pressupostos e a forma conceptiva da entrevista são diferenciados.

Esta diferença está implicada no diálogo, pois na História Oral Temática ele é intensificado entre o pesquisador e os sujeitos, os mesmos têm espaço para debater sobre a temática central em busca de ―(...) esclarecimentos de situações conflitantes, polêmicas, contraditórias‖ (MEIHY; HOLANDA; 2007, p.39). Sendo assim, o pesquisador tem um papel explícito de problematizador da temática ao longo das entrevistas e isso pressupõe a sua intencionalidade e sua relação interpessoal com o sujeito como parte do processo de pesquisa.

Corroborando com os pressupostos de Meihy e Holanda (2007), Ferreira e Amado (2010) complementam a questão dos gêneros propondo que, além deles, existem também os estilos de pesquisa em História Oral. Confiramos no Quadro 4.

Quadro 4. Estilos de Pesquisa em História Oral

Estilos de História Oral Características

Arquivista-documentalista

1- Tem o objetivo de criar e organizar arquivos que documentam evidências orais;

2- Constrói fontes orais para arquivá-las tendo em vista o uso futuro por pesquisadores e/ou instituições interessadas.

Difusor populista

1- Tem o objetivo de divulgar a história daqueles que não foram registrados objetivamente nas histórias oficiais;

2- Constrói fontes orais e arquivos que buscam difundir o(s) sujeito(s) pesquisado(s) tal qual as narrativas se apresentam, sem interpretação ou tentativa de análise.

Reducionista

1- Tem o objetivo de usar a História Oral como um apoio, um instrumento de informação oral para comprovações factuais ou ilustrações teóricas;

2- Usam das evidências orais de maneira limitada, como demonstração ou discussão para uma teoria ou problemática.

Analista completo

1- Tem o objetivo de colher, ordenar, sistematizar e criticar o processo de produção da fonte analisando, interpretando e situando historicamente as evidencias orais;

2- Busca academicamente o uso da História Oral como método, estabelecendo relações de maior profundidade com os sujeitos e temas pesquisados e a fonte oral como meio de dispor uma construção intelectual a partir das narrativas.

Fonte: Elaboração do pesquisador a partir dos estudos de Ferreira e Amado (2010).

Tendo em vista os pressupostos citados (Quadro 4) e articulando-os com os objetivos e problemática desta pesquisa, este trabalho configura-se como Analítico Completo, pois além dos fins acadêmicos que pressupõem esse estudo, é o estilo que procura maior cientificidade

no contexto da análise, não buscando uma limitação das narrativas (como no estilo Reducionista), nem enaltecer os sujeitos sem interpretação (como no estilo Difusor Populista) e nem mesmo construir somente arquivos escritos e orais (como no estilo Arquivista- documentalista). A nosso ver, é clara a importância dessa definição, tendo em vista a construção de conhecimentos acadêmicos frente à nossa temática da profissionalidade dos bacharéis que atuam em licenciaturas.