• Nenhum resultado encontrado

Ser professor no ensino superior: aspectos da socialização institucional

Com este eixo de significado argumento sobre os sentidos atribuídos pelos colaboradores da pesquisa aos processos institucionais engendrados no contexto de sua constituição profissional docente. Isto significa que os processos de socialização e atos de pertencimento às especificidades da função docente no ensino superior vão além das experiências profissionais e dos processos de socialização em sala de aula e na trajetória dos professores.

Conforme os pressupostos de Dubar (2005) e de Roldão (2005) a constituição profissional dos sujeitos perpassa o processo de socialização em relação às estruturas e formas institucionais, bem como as próprias instituições podem atribuir identidades aos sujeitos a partir dos seus papeis sociais. Nesse sentido, os processos relacionais com as instituições podem reconstruir os atos de pertencimento dos sujeitos conforme a maneira de viver os sentidos do trabalho articulados ao processo biográfico e contextualizados pelas demandas da instituição.

Considero que as instituições de ensino superior, por meio de sua estrutura legitimada sistematicamente, conferem aos professores a partir de suas titulações e cargos uma atribuição identitária: de docente do magistério superior. Essa identidade conferida pelo ―outro‖ está enraizada no processo relacional e produz sentidos diferentes aos sujeitos, um sentido formal e institucional.

Enquanto ato de pertencimento, os professores bacharéis assumem essa identidade atribuída institucionalmente e produzem sentidos ao seu trabalho como docentes, pesquisadores e gestores no ensino superior na relação com as instituições e com os pares profissionais. As narrativas evidenciam essas experiências com o trabalho burocrático das universidades, com as demandas frente aos eixos de ensino-pesquisa-extensão, com a indissociabilidade do exercício profissional docente na instituição com o realizado em casa ou mesmo seus conflitos com a estrutura organizacional das universidades.

As experiências narradas pelo professor Davi expõem o sentimento de que ele estivesse ―trabalhando mais do que devesse‖ devido às demandas institucionais que envolvem a atuação profissional docente nas universidades. A angústia apresentada pelo colaborador é de que a carga horária de reuniões, muitas vezes com pouco resultado objetivo para o trabalho, atrapalham o andamento de suas atividades de pesquisa e extensão.

Mesmo refletindo e se policiando frente ao tempo de trabalho, às vezes de três períodos diários, o professor Davi se sente um pouco negligente com o acúmulo de funções burocráticas. O colaborador narra que busca o equilíbrio entre as demandas profissionais, mas que nem sempre consegue cumpri-las.

O professor Davi, conforme suas experiências contadas e suas características pessoais assumidamente disciplinar e rígidas, tem no processo de socialização com as demandas institucionais de sua atuação profissional um conflito que o deixa com uma sensação de negligência com seu trabalho. O professor reconstrói seu ato de pertencimento profissional marcado por essa sensação no ensino superior e esse conflito individual na relação com a instituição.

Esse processo de socialização também acontece com a professora Alice que expõe ainda mais sua angústia por não conseguir realizar seu trabalho da forma que gosta, pela falta de tempo e pelo excesso de carga horária de reuniões e trabalhos burocráticos. Nem mesmo a professora se sente à vontade de ficar um dia sem responder e-mails, até mesmo nos domingos, para que não aconteça uma ―tragédia‖.

Alice se sente triste por não conseguir pesquisar como queria. Em meio a este processo de socialização com as demandas burocráticas da instituição, a colaboradora narra a

dificuldade que se tem em dividir os trabalhos burocráticos com os colegas. A valorização da pesquisa e das publicações em detrimento do ensino, da gestão e da extensão faz com que muitos colegas não assumam a gestão, sobrecarregando os demais.

No caso da professora Alice são atribuídos alguns significados ao trabalho burocrático como um elemento de seu trabalho que, ao ver as demandas institucionais e na falta de pessoas para assumi-las igualmente, a colaboradora tem um sentimento de assumir mais tarefas prejudicando outras facetas do seu trabalho. Mesmo refletindo e passando por conflitos com o processo de socialização com a instituição, a professora tem uma adesão a esse trabalho que reconstrói seus atos de pertencimento, assumindo e reproduzindo o lado burocrático de sua função pelas demandas institucionais.

Já a professora Sophia expõe que tem se afastado das funções burocráticas demandadas pela instituição para se dedicar às orientações e para se dedicar às suas atividades individuais sejam profissionais ou com a família. A colaboradora ainda atribui à sua sinceridade enquanto um ponto de conflito com as pessoas na atuação profissional em relação à instituição, pois segundo ela as pessoas não estão acostumadas a ―serem objetivas‖.

Sophia atribui significado ao trabalho ―cansativo‖ que o professor tem que realizar na instituição e fora dela, bem como com o tempo que despende com suas atribuições. No entanto, a colaboradora tem a sensação de que este esforço é compensado pela ―liberdade intelectual‖ que ser professor no ensino superior possibilita aos sujeitos. A colaboradora reelabora os sentidos de seu trabalho a partir das posições que toma no processo de socialização com as demandas institucionais, construindo seus atos de pertencimento profissional.

Os professores Arthur e Miguel assumem um processo de socialização com a instituição ainda mais intensificado, pois ocupam cargos administrativos que no contexto da instituição assumem um papel centralizador em suas atividades profissionais. Os dois professores narram a experiência de lidar com as demandas do cargo e ainda com as demandas de ensino-pesquisa-extensão.

No caso dos dois professores, o processo de socialização vai além do aspecto burocrático da atuação no ensino superior, pois assumir esses cargos centrais significa também assumir novos atos de pertencimento para além da docência, mas que ao mesmo tempo não destitui ou diminui a especificidade docente em seu trabalho.

O professor Miguel reconhece em sua narrativa as dificuldades e os limites que o trabalho burocrático implica em sua atuação profissional, que são semelhantes às dos outros professores. No entanto, assumir um cargo de coordenador de um centro cultural e científico

de Paleontologia é um processo de adesão pessoal a um trabalho que envolve o seu sonho de infância e lhe confere reconhecimento, tanto dos pares como da instituição. Com isso, o processo de socialização produz sentidos para um ato de pertencimento profissional àquela conjuntura de demandas por uma adesão pessoal consciente.

Essa característica da adesão pessoal ao cargo também é atribuída pela narrativa do professor Arthur, que se reconhece no cargo administrativo que ocupa e reconstrói seus atos de pertencimento com outras referências de sua trajetória. O colaborador assume gostar e se sentir bem ocupando o cargo e que sua relação com trabalhos administrativos anteriores o faz se identificar com as atribuições, mesmo reconhecendo os excessos de trabalho e o quanto isso o atrapalha na atuação profissional docente.

O professor Arthur expõe ainda o quanto as experiências como gestor foram significativas a ponto de ele rever a sua gestão e compreender o trabalho e o discurso dos sujeitos a sua volta. Além disso, expõe os conflitos que o afligem em relação ao espaço que os cursos de licenciatura, que ele representa, possuem na universidade.

No processo de socialização com a instituição o professor Arthur reconstrói seus atos de pertencimento e assume, mesmo em seu cargo de gestão, uma defesa no âmbito burocrático aos cursos de formação de professores e à sua importância para a universidade. Os conflitos que o professor narra demonstram as suas angústias frente ao lugar em que está – um curso de Licenciatura em Matemática – e a política institucional da universidade que, segundo ele, prioriza pouco os cursos de licenciatura. Esse conflito que o cargo proporcionou no processo de socialização do professor Arthur redefiniu sua adesão ao grupo de professores da licenciatura e, de certa forma, às especificidades de suas funções profissionais.

Diante dos significados atribuídos pelos professores bacharéis às suas relações com a atuação no âmbito institucional, considero que o aspecto da adesão pessoal, às demandas da universidade, que cada sujeito lida de maneira singular em seu processo de socialização, perpassam pela constituição profissional dos sujeitos. Cada professor atribui seus significados, suas preferências e suas prioridades reproduzindo as demandas institucionais e/ou estabelecendo conflitos com essas demandas.

Este processo constrói e reconstrói, no âmbito biográfico dos sujeitos, os atos de pertencimento profissional aos diferentes aspectos do ensino superior e, principalmente, colocam os professores, devido à falta de tempo, em uma auto-avaliação de sua atuação profissional frente aos aspectos de ensino-pesquisa-extensão-gestão.

4.6 Ser bacharel e ser professor formador de professores: a construção de uma