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1.3 A constituição da identidade: sujeitos, socialização e experiência

1.3.1 A dimensão das identidades profissionais

Para Dubar (2005) não existe uma distinção prática entre o processo de construção de uma identidade social marcada pela dualidade de uma construção de identidade profissional, pois a questão profissional relaciona-se diretamente com os processos biográficos, que são individuais, e processos relacionais, que são sociais. Segundo o autor, na construção da identidade profissional, como especificidade de análise, permanece a dualidade da identidade social e seus aspectos.

A identidade profissional é uma dimensão da construção da identidade social do sujeito. No entanto, de acordo com Dubar (2005) este dimensionamento profissional da identidade pode conferir-lhe uma intensa ruptura devido às delicadas formas de divisão do mercado de trabalho e suas próprias estruturas. Deste ponto, mesmo sendo uma dimensão, a questão profissional pode reconstruir a identidade social de um sujeito, ou parte dela, perante o processo dual de socialização.

Dessa forma, o autor acredita que as identidades profissionais se constituem simultaneamente entre as formas identitárias de viver o trabalho e seus processos relacionais, os sentidos do trabalho, e de conceber a vida profissional no tempo biográfico, em âmbito subjetivo. Essas formas dependem do contexto histórico e variam em espaço e tempo (DUBAR, 2005).

Uma interface do processo de construção de identidade profissional enaltecida por Dubar (2005) é a relação de pertencimento a uma coletividade estruturada socialmente por uma linguagem técnica e por valores em comum e que é constituída pelo processo de formação profissional em articulação com sua identidade social.

A questão da pertença a um corpo coletivo enquanto elemento para a profissionalidade refere-se, segundo Roldão (2005), ao compartilhamento, organização e defesa da função de uma profissão em seu grupo, ou seja, implica reconhecer em um grupo o poder e a especificidade profissional. Assim, a pertença é legitimada em uma comunidade de profissionais que defendem o prestígio, a credibilidade e a exclusividade de seu saber coletivo, no caso da docência, o ensinar enquanto a sua função/ação profissional.

Os professores no ensino superior muitas vezes trazem consigo a trajetória acadêmica de sua área de atuação e pesquisa e muitas vezes sequer se questionam sobre o que significa ser professor. Ao mesmo tempo, as instituições os recebem pressupondo que são professores como se estivessem ―prontos‖ para a atuação profissional, não se preocupando em formá-los continuamente como professores. ―Assim sua passagem para a docência ocorre ‗naturalmente‘; dormem profissionais e pesquisadores e acordam professores!‖ (PIMENTA; ANASTASIOU, 2005, p.104). Então nos questionamos: como é esse processo de mudança/ruptura nas trajetórias dos professores bacharéis?

A construção da pertença profissional efetiva-se enquanto processo formativo na área de conhecimento e na adesão aos conhecimentos e função profissionais; portanto, os cursos de formação são espaços pelos quais os professores se profissionalizam. Para Pimenta e Anastasiou (2005) no caso dos professores do ensino superior, não há um espaço claro e legitimado de profissionalização pela docência, nem mesmo os sujeitos escolhem ser professores universitários.

Para as autoras, no Brasil este processo é pressuposto por um senso comum de que qualquer pesquisador, legitimado pela titulação e por dominar sua área de conhecimento, já seja professor universitário. Ora, então como se constitui o processo de identidade destes professores? Acreditamos que o processo de pertença se constitui nas referências e nas experiências que o sujeito vive em sua trajetória que, apesar de não serem formais, podem ser suficientes para eles se afirmarem como professores.

O ingresso do professor no ensino superior se dá de forma departamentalizada, em que já recebe disciplinas estabelecidas, com ementas prontas e seu planejamento é individual e solitário, portanto, as condições de trabalho, que na maioria das vezes estão postas aos professores como um contexto limitado na instituição, não permitem também que se profissionalizem enquanto docentes no processo de atuação na universidade, com reflexão, orientação pedagógica ou mesmo com elementos metodológicos ou avaliativos. Assim, ―o professor fica entregue à própria sorte‖ (PIMENTA; ANASTASIOU, 2005, p.108) e reproduz os modelos vividos e legitimados culturalmente na universidade.

Diante destes pressupostos, percebemos que a constituição da pertença profissional a um grupo coletivo, no caso dos professores universitários, não é legitimada nem pela formação acadêmica, extremamente científica, e nem pelo ingresso e permanência na instituição.

A estrutura da universidade ainda estimula pouco, segundo Roldão (2005), a construção e a articulação de um grupo coletivo que fortaleça a função profissional da docência nas universidades. Para a autora, esta relação de pertença ainda é mais intensa para a identificação dos profissionais como ―pesquisadores‖ ou mesmo como profissionais em seus cursos específicos, como engenheiros, médicos, historiadores, geógrafos, matemáticos e outros, mesmo atuando como ―professores do magistério superior‖, segundo a própria denominação prevista na LDBEN.

Diante disso, nos questionamos até que ponto os professores bacharéis realizam esta relação de pertença à profissão docente em seu exercício profissional e se de fato se posicionam profissionalmente em relação às especificidades de sua função. Para nós, esta inquietação nos leva às discussões do processo de construção de identidade, pois acreditamos que no estudo deste processo é que as relações de pertença, bem como as demais relações, sentidos e significados da identidade docente emergem nas narrativas dos sujeitos da pesquisa.

Dubar (2005) complementa, ainda no que tange às identidades profissionais, que é importante analisar os desdobramentos dessa construção profissional que implica na estabilização da:

[...]falsa identidade, a identidade oficial, [...] a que os outros associam à sua situação profissional atual, ao cargo que ocupam, ao grupo ao qual não se sentem "realmente" pertencer. Sua verdadeira identidade - para si - é a que perseguem por meio de suas formações ou atividades culturais (DUBAR, 2005, p.305-306).

Diante disso: As narrativas dos professores bacharéis expressam a construção de identidades que são constituídas por atos de pertencimento à profissão docente, conferindo- lhe sentidos? Ou o pertencimento à profissão docente se constitui de falsas identidades, legitimadas apenas pelo ato oficial do cargo? As identidades profissionais dos professores bacharéis, construídas e reconstruídas na docência, perseguem a formação bacharelesca ou possuem rupturas?

Esta discussão da identidade no âmbito de Dubar (2005), mesmo não especificando a identidade docente, nos permite um posicionamento que incita questionarmos esse processo de socialização com os professores bacharéis, pois, considerando que qualquer profissional

antes de tudo é um sujeito, percebemos que a constituição profissional dos mesmos também perpassa o âmbito pessoal e, sobretudo, a identidade social que os mesmos atribuem a si, seus sentidos e sensibilidades produzidas por suas experiências.

No próximo capítulo damos continuidade à nossa fundamentação, discutindo sobre os pressupostos teórico-metodológicos da pesquisa, nossos posicionamentos e as relações da História Oral e das narrativas enquanto expressões das experiências dos sujeitos e, consequentemente, dos processos de constituição de suas identidades.

CAPÍTULO II

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TRAJETÓRIA TEÓRICO-METODOLÓGICA DA INVESTIGAÇÃO

Que ninguém se engane, só se consegue a simplicidade através de muito trabalho (Clarice Lispector).

Neste capítulo temos o objetivo de apresentar e discutir aspectos e escolhas teórico- metodológicas deste estudo. Em muitos trabalhos acadêmicos o aspecto teórico-metodológico torna-se apenas um item, muitas vezes da introdução, no entanto, acreditamos que elencar um capítulo que discorra sobre os caminhos metodológicos do estudo ressalta a importância e o rigor buscados para um trabalho acadêmico e assumimos essa necessidade em nosso trabalho.

Optamos por mencionar este capítulo como uma ―Trajetória‖ teórico-metodológica, pois acreditamos que toda pesquisa é um processo e as opções de contextualização, levantamento de dados e análise ao longo de um trabalho acadêmico não ocorrem de maneira automática ou de maneira fechada. O próprio processo de escolha em si, feito pelo pesquisador, independente da corrente teórico-metodológica, já é uma trajetória contextualizada do sujeito pesquisador, imbricada por suas escolhas pessoais, por seus objetivos e por sua trajetória acadêmica. Buscaremos, ao longo desse capítulo, interpor nossas posições e concepções, justificando nossas escolhas, nossa trajetória.

Nesse sentido, corroboramos com as concepções de Minayo (2008, p.19) quando afirma que ―fazer pesquisa constitui um processo de trabalho complexo que envolve teoria, método, operacionalização e criatividade‖. A autora pressupõe que a ciência legitimou-se como forma de conhecimento exatamente pelos seus impactos sociais capazes de transformar a realidade e o pesquisador não está fora ou acima dessa realidade, mas faz parte dela.

Com este processo de legitimação do conhecimento, Minayo (2008) afirma que a questão metodológica perpassa por diversas concepções e delimitações, muitas vezes, conflitantes. Construir o processo metodológico, na concepção da autora a qual corroboramos, pressupõe:

(a) uma discussão epistemológica, o chamado ―caminho do pensamento‖1 ao qual a pesquisa debruça-se enquanto concepção do próprio estudo;

1

(b) apresentação adequada de métodos, técnicas e instrumentos para as buscas da pesquisa com coerência frente à problemática e os objetivos;

(c) A chamada ―criatividade do pesquisador‖2 que é a marca pessoal e específica do pesquisador na escolha e articulação das teorias, métodos, achados e experiências.

Com isso, organizamos este capítulo da seguinte maneira: primeiramente discutiremos a abordagem metodológica deste estudo; em sequência as concepções epistemológicas da História Oral que fundamentam o trabalho; posteriormente discorreremos as etapas desta pesquisa e, por último, descreveremos e justificaremos os procedimentos de produção de dados.