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Capítulo 1 O espaço dos carros no sistema de ações e objetos

1.2 Uma abordagem do espaço, visto pelo sistema de objetos

1.2.3 A ideia de erosão da cidade pela dependência de carros

ta de espaço. A demanda de espaço é “o espaço viário mínimo necessário para a circulação e estacionamento dos veículos, in- cluindo os espaços de segurança nos arredores dos veículos (no caso da circulação) e os espaços para as manobras (no caso do estacionamento)”. A oferta de espaço é a “área do espaço viário global dedicada ao automóvel, ou seja, as vias de circulação, as infraestruturas de troca de fluxos (interseções, rotatórias, trevos, etc.) e espaços de estacionamento laterais.” (VIALLE, 2012, p.37).

No caso da demanda de espaço, o conceito é ampliado a partir da noção de dinâmica da circulação e tempo. Para men- suração da demanda dinâmica em circulação são considerados, além das dimensões fixas do carro, os espaços laterais de se- gurança e a distância de frenagem. A mensuração da demanda de espaço-tempo em circulação se dá no produto da demanda dinâmica pelo tempo de utilização do espaço viário. A mensura- ção da demanda de espaço-tempo em estacionamento leva em consideração a área ocupada pelo carro e o tempo que ele fica estacionado.

A distância lateral de segurança pode ser de 0,5m para cada lado do carro e a distância de frenagem, dada em função da velocidade, pode ser verificada a partir das recomendações técnicas da American Association of State Highway and Trans- portation Officials – AASHTO.

Alfred Sauvy é evocado por Pérez e Ortiz (1994) em trechos de sua publicação original Les 4 roues de la fortune. Essai sur l’automobile, de 1968, por descrever uma série de desvantagens da generalização do uso do carro em áreas urbanizadas, dentre elas a ocupação do espaço físico.

Os fabricantes de carros produzem, incessantemente, superfícies móveis sem se preocuparem se haverá suficien- te superfície de solo para recebê-los. [...] Nenhum outro objeto desfruta de tal privilégio, assim tão desmedido e desvelado, como o carro. Esse privilégio originou uma competição econômica desigual, ao receberem incen- tivos sistemáticos, em detrimento de outros modos de transportes, os fabricantes dos carros internalizaram boa parte dos custos que da infraestrutura que facilita seu uso. (PÉREZ e ORTIZ, 1994, tradução nossa 8)

1.2.3 A ideia de erosão da cidade pela dependência de carros

Jane Jacobs (2001) cunhou a expressão “erosão das cida- des pelos carros” para referir-se ao processo de planejamento urbano do século XX, que facilitou a massificação do uso dos carros como meio de transporte.

A erosão das cidades pelo automóvel provoca uma série de consequências tão conhecidas que nem é necessário descrevê-las. A erosão ocorre como se fossem garfadas – primeiro, em pequenas porções, depois uma grande garfa-

8Los constructores de automóviles pro-

ducen incesantemente metros cuadrados de superficie móvil, sin preocuparse de saber si habrá suficiente superficie fija (suelo) para albergarlos’. [...] ‘Ningún otro objeto disfruta de un privilegio, a la vez tan desmesurado y tan poco recono- cido, como el automóvil’. Este privilegio ha originado una competencia económi- ca desigual, al sesgar sistemáticamente el cálculo monetario en favor del automóvil y de la carretera frente a otros sistemas de transporte que, como el ferrocarril o el tranvía, internalizaban buena parte de los costes de la infraestructura que posibilitaba su uso

da. Por causa do congestionamento de veículos alarga-se uma rua aqui, outra é retificada ali, uma avenida larga é transformada em via de mão única, instalam-se sistemas de sincronização de semáforos para o trânsito fluir mais rápido, duplicam-se pontes quando sua capacidade se es- gota, abre-se uma via expressa acolá e por fim uma malha de vias expressas. Cada vez mais solo vira estacionamento, para acomodar a um número sempre crescente de auto- móveis quando eles não estão sendo usados. (JACOBS, 2001, p.389)

A erosão é uma espécie de ciclo vicioso e pode ser en- tendida como fator da dependência de carros. Petersen (2002) mostra graficamente como pode ser incessante a necessidade de dotação de espaço para carros, bem como o aumento das ex- ternalidades negativas derivados do aumento de seu uso (Figura 1.17). Uma contribuição desse gráfico é a adição do fator uso do solo, mostrando que a falta de controle e planejamento sobre o processo de urbanização resulta no crescimento espalhado das cidades e no aumento das distâncias a serem percorridas, condi- cionando assim ao uso do carro, quando falha a oferta adequada de transporte público coletivo.

Kodukula (2011) ilustra o ciclo vicioso para defender que a redução do uso de carros e aumento de uso dos transportes pú- blicos e não motorizados podem ajudar a corrigir a distorção de mercado, que resulta em oferta inadequada de opções de trans- porte, viagens em carros excessivamente dispendiosas e padrões Figura 1.10 Interação entre o uso do

solo e o trânsito – espiral del tráfico. Fonte: (PETERSEN, 2002, p.3).

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de espalhamento da cidade pelo território.

Litman (2016) sugere que, para efeitos de planejamento de transporte, a erosão, ciclo vicioso e relação de dependência po- dem ser entendidos por meio do conceito de demanda induzida.

Melhorias viárias, que inicialmente reduzem custos indivi- duais de transporte, atraem outras viagens, inclusive com migração modal, e favorecem viagens mais longas e com maior frequência. Isso se chama geração de tráfego e se refere a adição de tráfego veicular em determinada via. [...] Geração de tráfego reflete a ‘lei da demanda’, da eco- nomia, segundo a qual o consumo de determinado bem aumenta se seu preço cai. Melhorias viárias que aliviam os congestionamentos reduzem o custo generalizado do transporte privado, o que encoraja seu uso. Visto de outra forma, muitas vias têm uma demanda potencial de via- gens, como aquelas que ocorreriam se houvesse menos congestionamento nos horários de pico. Em curto prazo, esse tráfego gerado representará uma mudança na curva da demanda; a redução do congestionamento faz dirigir ficar mais barato em termos de tempo e custos operacio- nais. Em longo prazo as viagens induzidas representarão uma inversão na curva de demanda enquanto os sistemas de transportes e padrões de uso do solo se tornam mais dependentes dos carros, então, as pessoas deverão usar mais os carros para manter seus padrões de acessibilidade a bens, serviços e atividades. (LITMAN, 2016, p.2, tradução nossa 9)