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Capítulo 3 A relação carros e cidades, no Brasil e no exterior

3.4 O caso de Madrid (Espanha)

3.4.7 Perspectivas da dissuasão de uso dos carros em Madrid

A meta síntese do Plan de Movilidad Sostenible de la Ciu- dad de Madrid é o “princípio da universalidade”:

O acesso aos diferentes serviços que a cidade oferece, como ao trabalho, saúde, educação, abastecimento e ao lazer, deve ser possível para todos cidadãos e em con- dições aceitáveis de tempo, preço, conforto, segurança, preservação ambiental etc. (PLAN, 2014, p.68, tradução nossa 36).

Nas linhas estratégicas do Plano, está delineada a conti- nuidade de gestão da demanda de transporte em veículo priva- do, seja no modo estático (veículos parados), pelo ajuste da frota de veículos, fomento ao carsharing, aumento da oferta de esta- cionamento no subsolo em algumas zonas da cidade, com a res- pectiva recuperação do espaço público, e revisão dos modelos de comercialização de vagas, de modo a torná-los mais atrativos aos residentes, seja no modo dinâmico (em circulação), pela do- tação de estacionamentos park and ride nas entradas da cidade e revisão do serviço SER no interior da M-30, para tornar ainda menos atrativa a opção de vagas nos destinos. Estruturando-se em 15 medidas e 95 ações, fica gravada a ação 57 – gestão de vias - mediante criação de novas Áreas de Prioridade Residen- cial, da medida 9 - melhoras na gestão da demanda do veículo privado.

No conjunto de suas propostas, o Plan de Calidade del Aire sugere a criação de novas APR e de restrições de tráfego de passagem de veículos na ZBE, ao custo estimado de 2.000.000

36El acceso a los diferentes servicios

que ofrece la ciudad, como el trabajo, la sanidad, la educación, las compras o el ocio debe ser posible para todos los ciudadanos, y em condiciones aceptables de tiempo, precio, comodidad, seguri- dad, ambientales, etc.

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de euros, e nos bairros Justicia, Universidad y Palacio. Os objeti- vos são: dissuasão do uso do carro e redução da congestão e da contaminação por carros (PLAN, 2016a, p.85). É esse plano que está em processo de revisão, cujo lançamento está previsto para 2017, e que deve conter medidas mais audaciosas para dissua- dir o uso do carro, não só no Distrito Centro, mas, segundo as características de cada zona, também no interior da Almendra

excluindo o Distrito Centro, no interior do Município excluindo a

Almendra e na Metrópole excluindo o Município (SAÉZ, 2016).

3.5 Desfecho do capítulo

Destaco a seguir as perguntas motivadoras, apresentadas na abertura do capítulo, e as respostas suscitadas pela explora- ção nele empreendida.

A dependência de carros é uma constante em todo o mundo?

Ressaltei, na exploração empreendida, que há diferentes graus de dependência de carros.

As cidades que menos dependem deles são aquelas com condições morfológicas que não os comportam em seus siste- mas de circulação, geralmente sítios históricos da era pré-carro, em que pese haver cidades novas pouco dependentes, e aquelas com maior densidade populacional urbana.

Mostrei na Figura 3.12 que, entre 1990 e 2000, os quilô- metros viajados em carros diminuíram seu ritmo de crescimento nos EUA e Austrália e mantiveram seu ritmo de crescimento do Canadá e Europa Ocidental. Isso pode indicar que a dependência naqueles estava maior que nesses.

Mostrei, na referência de dados (KENWORTHY e NEWMAN, 2015), para um conjunto de quarenta e quatro cidades do Plane- ta, de 2005/6, que as onze cidades com maior média de quilô- metros viajados em carros per capita são dos EUA e que das dez com menores médias, sete são da Europa Ocidental. Isso poderia significar uma relação direta entre quilômetros viajados e ex- tensão territorial, não fosse a presença de Montreal, no Canadá, como a 11ª menor média.

Onde estão as cidades mais e menos dependentes, e por quê?

Sugeri, na Figura 3.4, que o uso dos carros em relação aos demais modos motorizados de transporte era maior em cidades de países em desenvolvimento (76,3%) do que em cidades de países desenvolvidos (60,3%), em 2012. Isso se explica, em parte, pela maior dotação de transporte público nesses do que naque- les.

Mostrei, nas figuras 3.5 e 3.6, que a posse e os quilômetros viajados em carros eram maiores em quatro países desenvolvi- dos, da OCDE, do que em quatro países emergentes, do BRIC, em 2014. Também é maior o PIB daqueles países em relação a

esses.

Identifiquei Hong Kong como a cidade (cidade estado) com o melhor desempenho e maturidade de mobilidade urbana, pelo índice internacional Urban Mobility Index, dentre oitenta e quatro cidade do Planeta, em 2014. Além disso, foi em 2005 a 10ª cidade com maior porcentagem de viagens diárias em modos ativos (Figura 4.14), a 1ª com maior porcentagem de quilômetros viajados em transporte público em relação ao total (Figura 4.15) e a 1ª em menor participação dos carros na distri- buição modal (Figura 4.17), num conjunto de quarenta e quatro cidades do Planeta. Isso se deve, segundo Kenworthy e Newman (2015) porque em Hong Kong existem fortes políticas de restri- ção à posse de carros, em especial altas taxas de aquisição, um ambiente urbano constrito em função da geografia, alta densida- de urbana, alta frequência de transportes públicos e alta diversi- dade de uso do solo.

Com relação a Madrid, um caso de êxito em dissuasão de uso de carros, o Urban Mobility Index a avaliou como o 17ª melhor desempenho e maturidade de mobilidade urbana. Além disso, Madrid foi em 2005 a 16ª cidade com maior porcentagem de viagens diárias em modos ativos (Figura 4.14), a 9ª com maior porcentagem de quilômetros viajados em transporte público em relação ao total (Figura 4.15) e a 12ª em menor participação dos carros na distribuição modal (Figura 4.17), num conjunto de qua- renta e quatro cidades do Planeta. A dissuasão de uso dos carros em Madrid se deu como reação a partir da década de 1970, com medidas de inversão no transporte público coletivo, urbanização integrada com restrição e controle de acesso aos carros, aprova- ção de normas e leis e estabelecimentos de objetivos e metas de qualidade do ar.

Como se situa Brasília, em relação às cidades do exte- rior e brasileiras, no quesito dependência?

Na referência de dados (KENWORTHY e NEWMAN, 2015) não há referência a cidades brasileiras.

No Urban Mobility Index, figuram três cidades brasilei- ras. Esse avaliou São Paulo como o 34ª melhor desempenho e maturidade de mobilidade urbana, Curitiba como a 37ª e Rio de Janeiro como a 38ª.

No índice internacional Tomtom Traffic Index, de 2016, figuram nove cidades brasileiras dentre as trezentas e noventa cidades do Planeta pesquisadas. Esse índice, que mede os níveis de congestionamento, avaliou o Rio de Janeiro na 8ª pior condi- ção, Salvador na 28ª, Recife na 43ª, Fortaleza na 47ª, São Paulo na 71ª, Belo Horizonte na 99ª, Porto Alegre na 114ª, Brasília na 141ª e Curitiba na 144ª. A avaliação de Brasília será relativizada no próximo capítulo.

Mostrei, na Tabela 3.2, que Brasília tem o 5ª pior sistema de mobilidade urbana, medido pelo Índice de Mobilidade Ur- bana Sustentável, dentre oito cidades brasileiras. Quando com- parada com Curitiba e São Paulo, Brasília tem o pior resultado no indicador Ações para Redução do Tráfego Motorizado, do mesmo Índice.

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maior Taxa de Autos, atrás de, por exemplo, São Paulo, Belo Ho- rizonte e Curitiba, nesta ordem.

Os casos estudados de cidades brasileiras mostraram que todas têm implementado medidas de restrição e controle de acesso aos carros. Belo Horizonte, desde a década de 1980, Rio de Janeiro, com algumas ações emblemáticas em 2015, como a demolição do Elevado da Perimetral, e São Paulo, desde a déca- da de 1990. Todas essas cidades aplicando a restrição por meio de corredores exclusivos de ônibus e controle por meio de rede- senho de seções viárias com ambientação na escala do pedestre. A ocorrência da restrição e controle de acesso em Brasília será verificada no próximo capítulo.

Apresento no Anexo 3 uma tabela comparativa de dados e indicadores de Belo Horizonte, Brasília, Madrid, Rio de Janeiro e São Paulo. Percebi que Belo Horizonte e Brasília têm número de população muito aproximada e, apesar disso, (i) as viagens realizadas em transporte privado motorizado em relação ao total são 9% maiores em Brasília, (ii) a extensão de rede viária é 2,6 vezes maior em Brasília, (iii) a extensão de rede cicloviária é 7,1 vezes maior em Brasília; e (iv) o número de mortes no trânsito é 2,4 vezes maior em Brasília. Madrid tem 27% a mais em popula- ção do que Brasília e densidade populacional 12,2 vezes maior. As viagens realizadas em transporte privado motorizado em relação ao total são 16% maiores em Brasília. Apesar disso, é a frota de carros de Madrid que é 1,2 vezes maior que a de Bra- sília. A extensão de rede de metrô de Madrid é 5,4 vezes maior que a de Brasília. Em relação a comparação com Rio de Janeiro e São Paulo, percebi que (v) a taxa de mobilidade é maior em São Paulo (2,07) e Rio de Janeiro (1,99) do que em Brasília (1,52), apesar disso, (vi) as viagens realizadas em transporte privado motorizado em relação ao total são 15% maiores em Brasília do que em São Paulo e 12% maiores em Brasília do que no Rio de Janeiro, e (vii) o número de mortes no trânsito é 15,3 vezes maior em Brasília do que em São Paulo e 4,2 vezes maior em Brasília do que no Rio de Janeiro.

No capítulo anterior, identifiquei que morfologia, densida- de urbana, quilômetros viajados, nível de desenvolvimento eco- nômico, dotação de transporte público e incidência de políticas públicas são fatores chave para a dependência do uso de carros nas cidades.

Neste capítulo, explorarei referências de Brasília, à luz de seu ambiente de circulação, visto pelo conjunto de sistema de circulação e ambiente construído.

Entre um capítulo e outro, é a correlação entre fatores chave para a dependência do uso de carros em Brasília que serve como linha condutora. Bem como, o reconhecimento das peculiaridades de parte deste sítio urbano enquanto Patrimônio Cultural da Humanidade.

O tombamento e necessidade de preservação são impedi- tivos da dissuasão do uso de carros em Brasília? Em que medida o sistema de circulação indica dependência do uso de carros? Em que medida o ambiente construído indica dependência de uso de carros?