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Capítulo 2 O debate da dissuasão do uso de carros

2.2 Introdução ao gerenciamento da mobilidade

de capacidade frente ao crescimento da demanda de uso dos carros. Foi a partir daí que passaram a ser empenhados esforços para restringir esse crescimento com vistas a submetê-lo às de- mandas de contenção dos impactos no meio ambiente (BATES, 2000, p.11).

Montezuma (2010) centra sua análise no espaço da rua enquanto espaço público de suporte para a mobilidade urbana. Segundo ele, as mudanças recentes, como aquela de enfoque do transporte para o enfoque da mobilidade, trazem aspirações para um novo tipo de rua, que suplemente os múltiplos usos e representações sociais verificados durante o século XX. A rua da primeira Revolução Industrial era a do caos e da insalubridade. Os boulevards da Belle Époque eram os da ordem e da hierar- quia. A autopista da modernidade era a da fluidez e da velocida- de. A nova rua é a da inclusão e da sustentabilidade.

Ramírez e Rosas (2012) abordam a evolução de para- digmas. O paradigma da capacidade tem como problema os congestionamentos de trânsito e como solução a ampliação da infraestrutura viária. O paradigma da mobilidade tem como problema o aumento das viagens e como solução a utilização inteligente e eficaz do sistema viário pelo transporte público. A lacuna desse paradigma está na desconsideração do papel dos transportes ativos e do impacto dos transportes na estrutura urbana. O paradigma da acessibilidade, o mais integral, tem como problema o nível de serviço multimodal e como solução o desenvolvimento de cidades compactas e de uso misto, em harmonia com o transporte público e ativo, com gerenciamento da demanda.

Tabela 2.1 Paradigmas da mobilida- de, soluções e efeitos. Fonte: (RAMÍ- REZ e ROSAS, 2012, p.22), adaptado. 12 Mobilidade Urbana é um “elemento

constituinte do tecido urbano, indissocia- do dos demais, que congrega o movi- mento de pessoas e bens na cidade. Esse movimento é derivado da estrutura física e sócio-econômica da cidade e tem como motivação os desejos e necessidades individuais, ou de grupos, de usufruto do espaço coletivo. É um instrumento de planejamento urbano que engloba sistema viário, meios de transportes e trânsito; muito mais do que um indicador de capacidades individuais de desempe- nhar viagens, muito mais que um dado numérico” (DA SILVA, 2009, p.83)

soluções efeitos

capacidade

maior oferta viária

mais trânsito

mobilidade

maior oferta de transporte público

nem sempre reduz o uso dos carros

acessibilidade

gerenciamento damobilidade

incentiva o uso eficiente dos meios de transporte

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Para que ocorram avanços em direção ao paradigma da acessibilidade, é necessário uma soma de estratégias de priori- dade aos modos de transporte de alto valor agregado, ou seja, que transportem mais pessoas com menor custo, ou que sejam de mais baixo custo. Pode-se também associar à aplicação do paradigma da acessibilidade a ideia de “empurrar” e “puxar” (do original em inglês: push and pull), que visa afastar as pessoas para longe dos carros e puxá-las para dentro dos outros modos de transporte, desde que seja de maneira combinada.

Para que uma ferramenta ou política de GDM [geren- ciamento da mobilidade] seja eficaz, é necessário contar com incentivos positivos [medidas para atrair] e incentivos negativos [medidas para afastar]. Se for adotada apenas uma medida para atrair, por exemplo, promover meios de transporte não motorizados, sem agir em relação ao uso do automóvel, não se conseguirá o efeito esperado. O mesmo ocorre com a adoção de uma medida para afastar: sozinha, ela não terá o efeito desejado. Por isso, é impor- tante combinar tanto as medidas para afastar quanto as destinadas a atrair. (BID, 2013, p.18)

O Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) ilustra algumas medidas comumente associadas à ideia de “empurrar” e “puxar” (ver Figura 2.5) e defende que as de redistribuição dos perfis integrais das vias, com espaços para pedestres, ciclistas e ônibus (ruas completas); sincronização do tempo nos cruzamen- tos, com semáforos que favoreçam o transporte ativo; partici- pação dos cidadãos e marketing são exemplos que empurram e puxam ao mesmo tempo.

Figura 2.5 Diagrama dos componen- tes “afastar” e “atrair” no geren- ciamento da demanda. Fonte: (BID, 2013, p.19).

Oliveira et al. (2014) desenvolvem a ideia de modelo evo- lutivo dos transportes, segundo a qual fica assumido que um modo deve ser substituído pelo seguinte, mais novo e atualiza- do. Foi esse modelo que convergiu, por exemplo, na ascensão dos carros. Em contraposição a ele, há outro que tende a analisar o problema a partir da alocação eficiente da demanda e da com- preensão das propriedades funcionais de cada um dos modos de transporte. Dessa forma todos seriam úteis e complementares. Segundo esse modelo de pensamento, o que deveria pesar para um ou outro modo de transporte seriam suas vantagens e des- vantagens em relação aos demais.

Para estimar as vantagens e desvantagens dos modos de transportes, Wolf (1981) fez uma avaliação sistemática sobre os efeitos da aplicação de determinadas alternativas de transporte em um determinado contexto de rua padrão 13, à luz das seguin-

tes características de desempenho: (i) uso de grande parte da rua para fins alheios ao transporte; (ii) uso de grande parte da via para a circulação de pedestres; (iii) uso da via para acesso direto a destinos lindeiros; (iv) promoção de um nível aceitável de ruí- do; (v) promoção de uma qualidade aceitável do ar; (vi) promo- ção de mínimo perigo ao pedestre; (viii) capacidade de adapta- ção a todo tipo de diversificação funcional; (ix) capacidade da rua de integrar-se espacialmente com os espaços privados lindeiros; (x) capacidade de organização em vários níveis de acesso; (xi) capacidade de funcionar mais como superfície de atividades do que como barreira urbana; e (xii) capacidade da zona em pro- mover a migração modal e inflexão de percursos. Para cada uma dessas onze características ele atribuiu um sinal positivo (+), se em contribuição, ou negativo (-), se em dedução, segundo o im- pacto de cada um dos meios de transporte avaliados se implan- tado em nível, elevado ou subterrâneo. A Tabela 2.2 apresenta os resultados das opções carros, ônibus e trilhos.

Carros Ônibus Trilhos

S1 AS2 SS3 S AS SS S AS SS Espaço público - + + - + + - - +

Circulação de pedestres - + + - + + - - +

Acesso direto aos edifícios + - + + - + + + + Ruído - - + - - + - - - Ar - - - - + + + Perigo - + + - + + - + + Novas configurações + - + + - + - - + Integração - - + - - + + - + Variedade de níveis + + + + + + + + + Ausência de barreiras - + + - + + - - + transferência - + - + + + + + + Contribuições 3 5 9 4 5 10 5 5 10 Deduções 8 6 2 7 6 1 6 6 1 S1 - em nível AS2 - elevado SS3 - subterrâneo

Tabela 2.2 Avaliação de modos de transporte selecionados em relação a impactos no meio ambiente. Fonte: (WOLF, 1981, p.209), adaptado.

13 Uma rua urbana e que possa ser

considerada “principal” em termos de conexão, integração com o comércio e comunicação.

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Com base nessa avaliação de Wolf identificamos que os carros são o modo de transporte que menos apresenta contri- buições se colocado em nível, ou seja, é menos vantajoso. Se colocadas elevadas, todas as opções tem igual desempenho. Já a opção de colocar os modos de transporte no nível subterrâneo tem um relevante número de contribuições em relação às de- duções, ou seja, têm muito melhores padrões de desempenho. Nesse caso o autor reconhece que a avaliação dos custos finan- ceiros pode ser impeditiva caso a ela não seja agregada a avalia- ção dos custos sociais e ambientais.

O gerenciamento da mobilidade (GDM), visa propiciar um uso mais eficiente dos recursos de transportes, esquivando-se do paradigma da capacidade. No GDM tem-se como pressupos- to que um uso mais eficiente dos transportes está intimamente ligado a um uso mais eficiente da cidade. Por essa razão há es- tratégias cuja entrada se dá pelos transportes e estratégias cuja entrada se dá pelo urbanismo. Litman (2002) indica que há uma diversidade de opções no âmbito do GDM.

Há uma série de estratégias potenciais, com variedade de impactos, no gerenciamento da mobilidade. Algumas melhoram a diversidade de opções de transporte. Outras incentivam o usuário a mudar sua frequência de viagens, modos de transporte, destinos, rotas e tempos de deslo- camentos. Adicionalmente, algumas reduzem a necessida- de de realizar viagem por meio de outras possibilidades, como o teletrabalho, ou uso do solo mais eficiente. Outras empenham reformas nas políticas públicas para corrigir distorções no planejamento de transportes. (LITMAN, 2002, p.1, tradução nossa 14)

O GDM tem, como princípio básico, que o crescimento da quantidade de viagens motorizadas gera impactos negativos para todos aqueles que estão em circulação, e que o enfrenta- mento dessa condição passa necessariamente por dar prioridade e incentivar o uso do transporte público e do transporte ativo, limitando o número de viagens motorizadas, inclusive, tarifando usuários de carros. Não se trata de eliminar as viagens em car- ros, mas de estimular e redução delas, aumentando a oferta de outras opções, pois “sem o devido cuidado, o tráfego de carros vai se autoregular de forma ineficiente por meio dos congestio- namentos, problemas de estacionamento e risco de acidentes” (LITMAN, 2002, p.3, tradução nossa).

O conjunto de medidas que se pode adotar dentro da variedade de opções do GDM, como quaisquer outras, é de- pendente das condições geográficas, políticas e demográficas de cada cidade. A aplicação de uma medida isolada gera menor impacto que a aplicação de várias medidas. Por essa razão elas devem ser compostas como um conjunto de medidas que visem, por um lado, estimular (puxar), como a melhoria do transporte público, e, por outro, desestimular (empurrar), como a taxa- ção de uso da via. Cada medida se desdobra em determinados mecanismos e efeitos, como se descreve, por exemplo, na Tabela 2.3.

14 Hay muchas estrategias potenciales de

manejo de la movilidad con una variedad de impactos. Algunas mejoran la diversi-

dad del transporte (las opciones de viajes disponibles a los usuarios). Otras, dan incentivos para que los usuarios cambien la frecuencia, modos, destinos, ruta o tiempo de desplazamiento de su viaje. Algunas reducen la necesidad de viaje físico a través de sustitutos de movilidad o un uso del terreno más eficiente. Otras involucran reformas a las políticas para corregir las distorsiones actuales en las prácticas de planificación de transporte.

A oferta de áreas de estacionamento é muito determinante para o uso de carros. Quanto mais vagas, mais carros. Os pro- blemas nesse quesito estão geralmente associados a (i) pressão pela existência de vagas e a (ii) ocorrência de ocupações não previstas, que invadem espaços públicos. Segundo a lógica do GDM, de se contrapor à expansão viária, entendemos que uma eventual demanda por estacionamentos não deve ser soluciona- da necessariamente com expansão de áreas de estacionamento, e que, quanto maior for a oferta de estacionamentos sem custo a usuários, maior será o fomento e incidência de viagens motori- zadas.

São estratégias de gestão de estacionamentos: (i) planos municipais com identificação de oferta e demanda, localização de áreas e regulamentação; (ii) limitação da conversão de áreas públicas em estacionamentos; (iii) proibição de estacionamen- tos nas ruas e quando não for possível priorização dos casos de cargas, compartilhamento e visitas; (iv) otimização de estaciona- mentos existentes em termos de limitação de duração, de uso e de temporalidade; (v) imposição de preços escalonados; (vi) de- terminação de impostos sobre a atividade de estacionamentos; (vii) vinculação de aquisição de carros à existência de vaga fora das ruas; (viii) compartilhamento de estacionamentos em função de distintos horários de funcionamento das atividades que os dão suporte; (ix) exatidão nos requerimentos em áreas de urba- nização, áreas mais densa com máximo de vagas e não mínimo; (x) bonificação de trabalhadores que não usam vagas nos pontos de trabalho; dentre outras (LITMAN, 2002).

Segundo Ramírez e Rosas (2012), há ainda três estratégias básicas no âmbito do GDM: evitar, mudar e melhorar. Evitar está relacionado a redução das viagens em carros. Mudar está rela- cionado ao impulso ao uso de meios de transportes mais eficien-

Estratégia

Mecanismos

Efeitos

Moderação de tráfego

redesenho das ruas

reduz as velocidades de trânsito

Flexibilização das horas na jornada de trabalho

otimização dos transportes

ameniza as horas de pico

Tarifação de uso das ruas

tarifação

ameniza as horas de pico

Tarifação das viagens pela distância

tarifação

reduz as viagens totais

Melhorias no transporte público

otimização dos transportes aumenta o uso do transporte público

Incentivo para o compartilhamento dos carros

otimização dos transportes

reduz o número de carros

Melhorias para pedestres e ciclistas

otimização dos transportes aumenta o uso do a pé e das bicicletas

Compartilhamento de carros

otimização dos transportes

reduz a posse de carros

Smart growth

uso do solo eficiente

muda o uso dos transporte

Tabela 2.3 Mecanismos e efeitos de

estratégias de gerenciamento da de- manda. Fonte: (LITMAN, 2002, p.4).

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tes, ou de maior valor agregado. Melhorar está relacionado ao esforço de redução das externalidades negativas dos transportes motorizados, incluindo aí os carros. Reconhece-se, assim, o papel deles como transportes complementares e que é preciso melho- rar seu desempenho no sistema. Para impulsionar essas estraté- gias existe uma série de instrumentos de planejamento, regula- ção, econômicos, de informação e tecnológicos que podem ser utilizados em conjunto.

A Tabela 2.4 apresenta uma lista de medidas de GDM, se- gundo os autores que as propõem.

Figura 2.6 Instrumentos e estratégias de gerenciamento da demanda para redução das externalidades negati- vas dos transportes. Fonte: (RAMÍ- REZ e ROSAS, 2002, p.27).

AutoresMedidas

Vlek e Michon (1992)

fechamento de vias para carros

incentivos e desencentivos econômicos

informação, orientação a usuários

campanhas educativas

flexibilição de horário e teletrabalho

Louw, Maat e Mathers (1998)car pooling

centros de distribuição de mercadorias

May, Jopson e Matthews (1998)Políticas de uso do solo

tarifação

Marshall e Banister (2000)

gerenciamento de capacidade

políticas de viagens institucionais

subsídios

restrição de estacionamento

Litman (2003)

melhorias nas opções de transportes

reformas políticas e de planejamento

programas de suporte ao usuário

Loukopoulos, Gärling, Jakobsson e Fujii (2008); e Loukopou-

los (2007)

restrição temporal (horas de operação)

restrição espacial (área de operação)

Tabela 2.4 Exemplos de medidas de gerenciamento da demanda. Fonte: (GÜNTER et al.,2012, p.56-7), adaptado.

2.3 Dissuasão de uso dos carros por meio de restri-