• Nenhum resultado encontrado

A Identidade Docente como Definição do “Ser Professor”

2 O PIBID NO CONTEXTO DAS POLÍTICAS PÚBLICAS DE FORMAÇÃO DE

5.2 OS LETRAMENTOS DO PROFESSOR EM SEU LOCAL DE TRABALHO: AS

5.2.1 A Identidade Docente como Definição do “Ser Professor”

A primeira categoria elencada é a Identidade, a qual se evidenciou nos dados, como um fio condutor que contorna todo o percurso formativo do professor, visto que, em diferentes momentos da pesquisa, eles abordam o ‘ser professor’, seja para explicar como se tornaram professores, seja para questionar seus saberes e suas práticas, seja para se autodefinir ao longo do percurso profissional.

Tratar de identidade, neste trabalho, requer considerar o que o professor pensa de si mesmo, como se vê e como avalia que é visto pelo outro, embora, muitas vezes, ele nem tenha consciência de que age assim. Suas ações, a forma como se ver e como acredita que é visto estão muito relacionadas à ideia de construção social da identidade, efetivada a partir das práticas que vivencia, no contexto em que se insere. Assim, a identidade pode ser definida como “ser reconhecido como um certo ‘tipo de pessoa’, em um dado contexto” (GEE, 2001, p. 99). Nesse sentido do termo, o autor afirma que todas as pessoas têm múltiplas identidades conectadas não a seus "estados internos", mas as suas performances na sociedade.

Ao realizar a entrevista, iniciei pedindo para dizerem como se veem como professores. Essa pergunta teve como objetivo conhecer o professor, a partir do que ele pensa sobre si mesmo, no âmbito das ações que desenvolve como professor e como supervisor do PIBID. Três deles começaram falando sobre o início da carreira:

“Primeiro2 eu me vejo como alguém que se descobriu professora de língua

portuguesa... na verdade, eu venho me descobrindo como professora... porque tudo comigo aconteceu de forma contrária. As pessoas primeiro fazem uma graduação

2 Todas as transcrições de fala dos participantes, oriundas dos dados gerados durante as diferentes fases da

pesquisa, são apresentadas, neste trabalho, com a fonte itálico. As transcrições foram feitas visando retratar uma aproximação mais fidedigna possível da linguagem oral em uso. Por isso são usados sinais e/ou grafia da forma falada e não da forma gramatical, como gostá e respeitá ao invés de “gostar” e “respeitar”.

para se tornar professora...... e eu me tornei professora para fazer uma graduação, nessa área...” (Leda Ramos, supervisora).

“Eu acho que todo professor faz uma síntese de de dos professores que teve durante a vida de estudos e procura filtrar aquilo que é de melhor, daqueles que considera mais marcantes /.../”. (José Lins, supervisor).

“No início... no início da minha carreira, eu tinha tinha muitas dúvidas sobre se era isso mesmo que eu queria ser ou não, Mas aí... com o passar do tempo a experiência veio ao encontro de uma identificação...” (Lia Rocha, supervisora).

Percebe-se, nas falas, a autoanálise desses profissionais sobre a dinâmica processual da formação da identidade de professor, por isso as falas são demarcadas pelo nominativo “eu” – “eu me vejo”, “eu acho”, “eu tinha dúvidas”. Essa demarcação é reveladora da busca constante pela aprendizagem, cujo movimento é expresso tanto nas falas, durante as entrevistas, como também na observação do trabalho que realizam, das atividades que desenvolvem, dentro e fora de sala de aula, como nas reuniões de avaliação e planejamento do PIBID.

A fala de Leda Ramos traz ponderações sobre o seu processo de constituição como professora. Com duas graduações, sendo a primeira em Pedagogia, ela iniciou sua carreira docente como pedagoga, atuando em todas as séries da primeira etapa do ensino fundamental e em cada uma delas aponta as contribuições para a sua formação continuada – “eu venho me descobrindo como professora...”. As etapas sucessivas de construção profissional a levaram a ser professora de língua portuguesa, no segundo segmento do ensino fundamental, o que motivou a sua decisão de se graduar em Letras para se legitimar como professora de Língua Portuguesa – “...e eu me tornei professora para fazer uma graduação, nessa área....” Essa inversão no processo formativo leva ao entendimento de que há um cuidado com a própria identidade profissional: ser professora de língua portuguesa de fato e de direito, visto que é comum na região a existência de professores que atuam em áreas distintas da sua formação. Assim, a professora revela também o zelo pela sua apresentação na sociedade, traduzindo duas características que Gee (2001) discute: a identidade institucional, ligada aos vínculos profissionais que mantém e que a tornam o que é – professora de língua portuguesa da Escola Chaves – e a identidade discursiva, que remete à imagem social que a comunidade formula sobre ela, através dos discursos.

O mais jovem na profissão, entre os participantes desta pesquisa, revela em sua autoanálise as buscas que fez no próprio processo de construção da identidade, ao referir-se às contribuições de seus mestres para se tornar professor – “...e procura filtrar aquilo que é de melhor...” –. A fala de José Lins leva à percepção da multiplicidade de acessos que um

profissional pode fazer para se tornar o que é, para atender ao que espera dele mesmo e, possivelmente, ao que entende que esperam dele, no contexto de atuação. Esse entendimento remete ao que postula os estudos de Wenger (2001), quando se refere a conexão existente entre o individual e o coletivo, numa comunidade de prática, que requer negociar os significados subjacentes às experiências de afiliação. Dúvidas e incertezas também dão a tônica ao discurso de Leda Ramos, quando fala do seu começo como professora.

Eles prosseguem o relato para definirem como se veem, no momento em que participavam desta pesquisa:

“Eu me sinto aquela professora que tá se::mpre preocupada/por gostá muito do que eu faço, por respeitá muito os meus alunos/.../ Então eu acho que eles merecem o melhor de mim Eu me sinto aquela professora que tá sempre preocupada em tá melhorando melhorando /.../” (Leda Ramos, supervisora).

“Eu já mudei mui::to do meu método de ensino... eu aprendi muito quando cheguei aqui e fui trabalhar com educação de jovens e adultos /.../ Eu tô em construção... [risos] mas eu acho que deu pra melhorá consideravelmente...” (José Lins, supervisor).

“Tenho tentado de todas as formas... está sempre acompanhando a evolução... /.../ É difícil acompanhar a modernidade... se desprender do que a gente foi formado... era tudo muito cheio de regras e hoje são muito livres e com muitas janelas para o conhecimento” (Lia Rocha, supervisora).

A afirmação “Eu me sinto aquela professora que tá sempre preocupada em tá melhorando melhorando /.../” diz muito da autoimagem que Leda Ramos faz de si mesma e da consciência de que a formação é continua, processual e requer um realinhamento constante. As falas de José Lins e de Lia Rocha confirmam essa consciência, ao se verem “em construção e está sempre acompanhando a evolução”. Assim, as perspectivas que esses professores apresentam expõem a complexidade presente no desconstruir-se e reconstruir-se continuamente, no exercício de problematizar a própria prática.

Durante a entrevista, quando perguntei sobre as contribuições do PIBID para a prática profissional desses professores, as respostas traduzem a convicção do “querer ser” ou do “precisar fazer” ou do “eu quero aprender”. Para Lia Rocha, ingressar no Programa trouxe-lhe à consciência uma prática que ela já tinha, mas não compreendia, porque não tinha uma organização sistemática:

“O encontro com o PIBID deu um alavanco na minha vida de estudos... Ao me deparar com os alunos da faculdade, hoje, eu me senti muito... pequena... no

sentido de... de encontrá-los fazendo artigos, projetos e... eu... teve certas horas que eu entrei em pâ::nico... assim... admirada por eles saberem fazer aquilo que... não não tinha costume de fazer... eu não tinha feito na minha faculdade... Então eu percebi que eu tinha uma prática, mas não sabia organiza::r um projeto, um artigo... eu fui aprender com eles...”. (Lia Rocha, supervisora).

À medida que a investigação avançava, os participantes foram se revelando aprendizes ávidos por saber mais, fato que confirma a percepção que eu tinha, resultante da atuação como coordenadora, de que o espaço é promissor para trazer respostas sobre como os supervisores constroem seus Letramentos a partir das ações que desenvolvem no PIBID.

Em sua narrativa sobre a experiência no PIBID, Lia Rocha fala de um momento que ela analisa como constrangedor ao constatar que não sabia fazer um artigo, mesmo sendo pós- graduada, com 25 anos de magistério. Frente ao fato, ela faz um comparativo de como foi a sua formação e como está sendo a formação dos estudantes de iniciação à docência, enfatizando que eles têm muitas oportunidades. Quando ela revela a preocupação por não saber fazer algo que estudantes já fazem muito bem – eu entrei em pânico – denota o seu receio em relação a um fato que pudessem descredenciá-la como profissional experiente, ou seja, como se uma professora que não sabe fazer um artigo não pudesse estar entre os professores reconhecidos como confiáveis. Esse fato remete à discussão de Wenger (2001), quando aborda a identidade como “nossa capacidade ou incapacidade de compreender os significados que definem nossas comunidades e nossas formas de afiliação” (WENGER, 2001, p. 181). Aprender a escrita acadêmica faz parte do processo formativo que o PIBID está proporcionando a esses professores, como comprovam os relatórios do Programa, com registros da participação em eventos e também a publicação de um livro com uma coletânea de artigos, dentre os quais se encontra o de Lia Rocha.

Além da identidade discursiva, tratada por Gee (2001), essa amostra remete também à ideia de “pertencimento” (HALL, 2002), quando procuro compreender o modo como o participante se vê. Lia Rocha se vê como pertencente a um grupo de profissionais de quem se espera que domine determinadas competências, como escrever um artigo. Reconhecer que não sabe pode ser desesperador para o professor. Mas um fato importante que a professora diz em seguida é eu fui aprender com eles. É importante entender que a identidade profissional desses professores não saiu ilesa aos processos de reconstrução provocados pelos impactos do Programa, nessa realidade. Suas falas, seus discursos, suas atitudes comprovam isso, enquanto o PIBID se configura como espaço de ensino e de aprendizagem, portanto, um local onde os

participantes se reconhecem ora formadores, ora aprendizes.

Ao analisar essas falas, ocorre uma retomada com o que dizia Paulo Freire sobre a necessidade de se ter consciência do próprio inacabamento: “É na inconclusão do ser, que se sabe como tal, que se funda a educação como processo permanente. Mulheres e homens se tornaram educáveis na medida em que se reconheceram inacabados”. (FREIRE, 2002, p. 24). Eles se reconhecem como alguém que tem consciência do inacabado mas também têm certezas do que são e do que podem fazer: “Como professor, eu sempre me defini como um profissional que busca explorar o saber do aluno”. (Pedro Dias, supervisor). Ele acredita que o PIBID possibilita que ele aprenda cada vez mais como interagir com o aluno e proporcionar-lhe mais oportunidades de aprender, ou seja, interagir com outras pessoas que têm os mesmos interesses, como os estudantes, que são professores em formação, os colegas professores e os formadores da universidade fortalece as suas prerrogativas de oferecer cada vez mais oportunidades de contribuir para a aprendizagem do seu aluno, reafirmando a sua identidade docente.

Gee (2001), ao discutir sobre o que significa ser reconhecido como um "certo tipo de pessoa", esclarece que as identidades são demandadas pelo funcionamento de atividades históricas, por vínculos institucionais e por forças socioculturais. Assim, as construções identitárias devem ser validadas por um sistema interpretativo que “pode ser visões historicamente e culturalmente diferentes da natureza das pessoas; podem ser as normas, tradições e regras das instituições; pode ser o discurso e o diálogo dos outros; ou pode ser o funcionamento de grupos de afinidade”. (GEE, 2001, p. 107 e 108).

Especialmente no espaço formativo, ora analisado, as construções discursivas assumem significativa relevância e contribuem para as reconstruções identitárias que se evidenciam nos dados. São professores que passam a ser vistos com um diferencial “ele é pibidiano”, ou “ele foi pibidiano”. A identidade do professor sofre um realinhamento a partir do que se espera que um professor inserido na proposta do PIBID possa ser ou saber.