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2 O PIBID NO CONTEXTO DAS POLÍTICAS PÚBLICAS DE FORMAÇÃO DE

3.1 LETRAMENTOS E FORMAÇÃO DO PROFESSOR

3.1.1 O Trabalho Docente: natureza e constituição

Em se tratando de discutir os letramentos que constituem as aprendizagens construídas no processo de formação continuada de professores, mais especificamente voltados para o local de trabalho, é necessário trazer algumas considerações sobre a natureza e a constituição do trabalho docente como atividade que tem sua relevância social, embora nem sempre seja reconhecida na proporção que deveria, por isso Tardif e Lessard (2012) defendem a tese de que o trabalho docente tem uma importância fundamental para a compreensão das transformações atuais das sociedades do trabalho.

Durante muito tempo se acreditou que o trabalho exercido pelos professores poderia ser o resultado de suas capacidades pessoais, ligadas mais aos traços de personalidade ou da "motivação" que levam os indivíduos a abraçar essa carreira, ou seja, a vocação ou talento para ensinar. Admitir que se ensina por talento é negar o reconhecimento de competências pré- estabelecidas para exercer a profissão docente, a exemplo de outras profissões existentes, como médico, advogado, engenheiro, as quais requerem um conjunto de conhecimentos que habilitam o indivíduo para desempenhar tal função.

Tardif e Lessard (2012), ao tratarem sobre uma teoria da docência como profissão de interações humanas, elencaram alguns questionamentos sobre o exercício do trabalho docente:

O que, realmente, faz um professor? Qual a repercussão sobre o docente do fato de ter como objeto de trabalho outros sujeitos, seres humanos dotados de autonomia, vontade e liberdade? Enquanto trabalho interativo, a docência possui características peculiares que permitem distingui-la das outras formas de “trabalho humano”, sobretudo das formas hoje dominantes que são o trabalho com objetos materiais e a técnica, bem como o trabalho com o conhecimento e a informação? Em quais condições, sob quais pressões, com ajuda de quais recursos se realiza hoje esse trabalho sobre o outro? Como ele é vivenciado internamente por aqueles e aquelas que o realizam? (TARDIF; LESSARD, 2012, p. 09 – grifos dos autores).

O que os autores pretendem mostrar, através desses questionamentos, é que a atividade dos professores é um exercício profissional complexo, composto, na realidade, de várias atividades pouco visíveis socialmente. O ato de ensinar, em si, constitui-se no exercício de uma aprendizagem profissional, a qual se estabelece de acordo com o contexto em que será desenvolvida, as condições inerentes a esse contexto e os participantes que vão integrá-lo – como os alunos e os colegas de profissão. Assim sendo, tornar-se um “bom professor” é adquirir competências profissionais que o habilitem a transitar de forma eficiente no universo escolar, mais precisamente, na sala de aula.

O trabalho do professor é essencialmente promover a aprendizagem do aluno e isso requer um movimento contínuo de reflexão, visto que ele deve elaborar estratégias eficazes para atingir esse objetivo. Portanto, preparar-se para isso, através do estudo, é condição sine qua non para desenvolver um trabalho satisfatório. Assim, há uma expectativa de que essa preparação leve o professor a rever seu próprio modo de aprender e de construir a experiência docente.

Os pesquisadores do Interacionismo Sociodiscursivo (ISD) consideram que a natureza de um trabalho deve ser levada em consideração sempre que o objetivo for analisar formas de intervenção do homem no mundo. No caso do trabalho do professor, os estudos de Machado (2007) discutem não só a natureza desse trabalho, como também o seu objeto, enfatizando a importância de problematizá-lo. O principal questionamento da autora diz respeito à compreensão que o professor deve ter, não só sobre a natureza mas também, sobre a relação que precisa estabelecer com o objeto do trabalho que desenvolve, por isso as pesquisas devem mobilizar uma reflexão sobre os documentos que prescrevem o agir do profissional docente e os diferentes níveis de transposição didática do conhecimento que esses documentos possam conter.

Nessa discussão, a autora apresenta as oito características do trabalho do professor como atividade, a partir do que postulam os trabalhos de pesquisadores como Jean-Paul Bronckart, Yves Clot, René Amingues e Frédéric Saujat: situada, prefigurada, mediada, interacional, interpessoal, transpessoal, conflituosa e propulsora de novos conhecimentos. Cada uma dessas características condensa atributos que justificam a ação docente como atividade que norteia processos de prescrição, de reelaboração, de mediação e de apropriação de elementos socialmente construídos e disponibilizados no meio social.

Importa destacar, nesta discussão, duas características, de forma mais pontual: a primeira é a interacional, por sua natureza multidimensional e seu caráter recíproco, pois, ao mesmo tempo em que o professor contribui para a transformação do meio, é por ele transformado, considerando-se que a ação docente pode ser mediada simbólica e materialmente por instrumentos oriundos dos artefatos disponibilizados socialmente, como as regras e conceitos, no nível simbólico, e os utensílios e as máquinas, no nível material. A segunda característica em destaque diz respeito à atividade docente como propulsora de novos conhecimentos, os quais permitem o desenvolvimento de capacidades ao trabalhador, no caso o professor. Porém, Machado (2007) ressalta que essa mesma característica pode representar impedimento para a aprendizagem, se o trabalhador se vir diante de certos obstáculos que ele considere intransponíveis, como as doenças provocadas pelo estresse da profissão, por exemplo.

Oriunda dessa discussão, uma definição para trabalho docente foi apresentada pela autora:

Consiste em uma mobilização, pelo professor, de seu ser integral, em diferentes situações – de planejamento, de aula, de avaliação – com o objetivo de criar um meio que possibilite aos alunos a aprendizagem de um conjunto de conteúdos de sua disciplina e o desenvolvimento de capacidades específicas relacionadas a esses conteúdos, orientando-se por um projeto de ensino que lhe é prescrito por diferentes instâncias superiores e com utilização de instrumentos obtidos do meio social e na interação com diferentes outros que, de forma direta ou indireta, estão envolvidos na situação. (MACHADO, 2007, p. 93).

Percebe-se, no início dessa afirmação, o caráter específico da atividade docente no que se refere às tarefas próprias da profissão como criar mecanismos estratégicos para a aprendizagem do aluno. No entanto, não é apenas isso que a autora enfatiza, pois evidencia-se em sua discussão considerar também todos os elementos do contexto que envolve a ação docente – internos e externos, direto ou indiretos – podendo-se entender que se refere ao conjunto de normas e orientações curriculares que planificam o trabalho do professor, “prescritos” nos

documentos oficiais e que necessitam ser continuamente reelaborados para atender às demandas do seu contexto de uso.

Assim, importa ressaltar que essas reelaborações dizem respeito às diferentes práticas de leitura e de escrita de que o professor se apropria, nas relações cotidianas, e que possibilitam a ele inserir-se num processo contínuo de aprendizagem, dentro ou fora da escola. Essas práticas constituem-se nos Letramentos que se relacionam estreitamente com o conjunto de práticas sociais que se desenvolvem nos contextos de formação de professores, especialmente a formação continuada, entendida como uma ação que modifica saberes, inova práticas didático- pedagógicas e possibilita ao professor problematizar a formação na e para a escola, em busca de elementos teóricos objetivos, propositivos e transformadores da realidade educacional.

Compreendo que os saberes que se (re)constroem no âmbito da cultura escolar, a partir dos processos de formação continuada, se materializam através de diversos eventos de letramento que se concretizam por meio do trabalho cooperativo, desenvolvido no contexto das escolas de educação básica e que resultam nos Letramentos do professor no seu local de trabalho, como será discutido na próxima seção.