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A Igreja Metodista sob a influência de pressões internas

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Como toda organização, as igrejas também necessitam, de tempos em tempos, reavaliar a sua caminhada, e foi assim que, em meados de 1970, diante de um cenário caótico em que se encontrava o Brasil já há alguns anos, a Igreja Metodista percebeu a necessidade de uma nova postura e dinâmica de atuação. Essa nova postura e dinâmica tinha a ver com o cumprimento da missão da Igreja, que conforme o que se entendeu estava fragilizado naquele momento.

Além dos clamores externos promovidos pela sociedade, muitos metodistas começaram a se posicionar trazendo esses conflitos sociais para junto do ambiente eclesial, manifestando seu desejo por mudanças que surgissem, também, a partir da Igreja. Assim, a Igreja viveu momentos de intensas contradições.

Como bem explicou o bispo honorário da Igreja Metodista, Stanley da Silva Moraes, esse foi um período em que a Igreja...

[...] concentra o poder nas mãos de alguns poucos e, por outro lado, ela busca ser uma igreja-comunidade. Por um lado, ela mais se submete às normas e orientações da "Igreja Metodista" (dos Estados Unidos da América) e, por outro, ela busca ser uma Igreja que assume sua identidade nacional, não mais submissa mas parceira. O ambiente na Igreja é de enormes tensões, com posições fortes numa e noutra direção. No contexto da "resistência", as origens inglesas do Metodismo são buscadas, e se estabelecem novas tensões quanto às raízes do Metodismo (MORAES, 2003, p. 46- 47).

Tal tensão foi, também, a responsável pelo fechamento da Faculdade de Teologia da Igreja Metodista, em 19683, fato que gerou ainda mais desgastes na Igreja, pois, percebia-se nessa proposta, que fora apresentada e aprovada no Concílio Geral extraordinário da Igreja realizado no mesmo ano, que o grupo de pessoas favoráveis ao fechamento da Faculdade buscava, na verdade, opor-se aos propósitos da igreja-comunidade, aquela que buscava definir sua própria identidade nacional (Ibid, p. 47).

O Jornal oficial da Igreja Metodista, o "Expositor Cristão", apresentou em algumas de suas edições, debates envolvendo alguns problemas da sociedade. Entre os anos de 1980 a 1982 vários temas importantes foram destacados, chamando assim a atenção do povo metodista para uma realidade social que lhe dizia respeito. Em um desses artigos, intitulado "Atitudes de Wesley ante os problemas sociais", o professor de Teologia e pastor metodista Odilon Massolar Chaves, discorreu sobre alguns problemas presentes no início dos anos 80,

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A Faculdade de Teologia foi reaberta em 1970, com 9 alunos. Após proposta feita pela própria Faculdade, o Concílio Geral da Igreja, realizado naquele mesmo ano, aprovou que a Faculdade de Teologia se tornasse o Instituto Metodista de Ensino Superior (IMS), e, no ano seguinte, com a autorização do Conselho Federal de Educação, iniciou suas atividades com 325 alunos e alunas aprovados no vestibular (ASSESSORIA DE COMUNICAÇÃO DA REDE METODISTA DE EDUCAÇÃO, apud MAGALHÃES, 2018).

tais como crises na educação, aumento da pobreza, situação precária dos presídios, e desafiou o povo metodista a um maior engajamento com a realidade social. Assim afirma:

[...] Alguns "metodistas" discordam totalmente do envolvimento da Igreja em questões "temporais" dizendo que a função da Igreja é salvar almas, e a do Governo, resolver problemas sociais. Outros discordam destes, achando que nós devemos participar ativamente da atual situação brasileira, lutando por determinadas causas. Quem está certo? [...] é mais do que evidente que João Wesley, o fundador do metodismo, foi alguém que se preocupou e levou a Igreja a resolver os problemas sociais. Como "filhos" de Wesley, devemos continuar pregando que o cristianismo é uma religião que salva a alma e o corpo do ser humano. (CHAVES, apud GUERSON, 1995, p. 38).

O bispo honorário da Igreja Metodista, Josué Adam Lazier, destaca a ação da Igreja Metodista em repensar a sua forma de promover a educação, e revela que alguns antecedentes influenciaram as decisões da Igreja nesse processo. Alguns desses antecedentes contribuíram para "a renovação na compreensão que a Igreja Metodista tinha acerca da missão e da educação em terras brasileiras." (LAZIER, 2012). Lazier ainda afirma que diante da opressão militar e da redemocratização política, "a Igreja Metodista não esteve neutra, fosse em sua expressão eclesial ou em sua ação educacional". Ela buscava formas de marcar presença na sociedade, tanto com ações que efetivavam o cumprimento da sua missão quanto por meio da ação educativa (LAZIER, 2012).

1.5.1 Antecedentes ao PVMI e DEIM: Os Planos Quadrienais

As décadas de 1960 e 1970 foram períodos importantes que, de certa forma, influenciaram "o estabelecimento da identidade do povo metodista brasileiro" (MORAES, 2003, p. 46), até porque, em meados de 1960, o metodismo brasileiro era uma continuação do metodismo norte-americano, e os planos e programas da Igreja Metodista no Brasil estavam umbilicalmente ligados ao metodismo norte-americano (OLIVEIRA, 2003, p. 21), sendo que a Igreja brasileira não tinha ainda sua própria identidade definida.

Contudo, a década de 1970 marcou um importante passo na Igreja Metodista, quando o 10º Concílio Geral da Igreja, ocorrido entre 1970 e 1971, aprovou grandes mudanças estruturais, alterando até mesmo sua Constituição, agora com elementos constitutivos de uma identidade nacional, e que definiu um momento radical na organização da Igreja, redefinindo sua autonomia. Foi nesse Concílio que o nome da Igreja Metodista do Brasil passou a ser somente Igreja Metodista (MORAES, 2003, p. 47). Todas estas mudanças foram resultado de profundas reflexões, que ocorreram nesse período em que a Igreja vivenciou a crise.

Em 1960 e 1965 o Concílio Geral da Igreja aprovou Planos Quadrienais, preparados pelos secretários-executivos das três Juntas Gerais, que apresentavam propostas direcionadas para enfrentar a realidade brasileira e seus desafios político-sociais.

Até 1963, esses secretários-executivos eram missionários norte-americanos. Foi somente a partir deste período que os metodistas brasileiros, pela primeira vez, puderam compor a secretaria executiva de Juntas Gerais4. Em 1963, o reverendo Almir dos Santos substituiu Robert S. Davis na secretaria executiva da Junta Geral de Ação Social e, em 1964, o reverendo Omar Daibert assumiu a secretaria executiva da Junta Geral de Missões e Evangelização (OLIVEIRA, 2003, p. 21).

O Primeiro Plano Quadrienal, totalmente elaborado por clérigos e leigos brasileiros, foi feito em 1974. Nele, já se encontravam traços de um metodismo com identidade nacional. O tema deste primeiro Plano era "Ministério e Missão" e tinha como ênfases:

•Que tudo na Igreja passe a existir em função da Missão. •O propósito de Deus é libertar o ser humano de todas as coisas que o escravizam. •É Missão da Igreja participar nesta ação de Deus. •O Reino de Deus significa o surgimento definitivo do mundo novo, da nova vida e do perfeito amor. •Ministério é a Igreja total, todos os seus membros. •Fé cristã é qualidade de vida (Ibid, p. 21-22).

O Segundo Plano Quadrienal, aprovado em 1978, tinha como tema "Unidos pelo Espírito, metodistas evangelizam". Suas ênfases eram: Base bíblica; Herança histórica do Metodismo; Credo Social; Marcas de um metodista (Ibid, p. 22).

Sobre a importância dos Planos Quadrienais, Ely Eser Barreto César, que foi o vice- presidente do Conselho Geral da Igreja Metodista em 1982, quando o texto do PVMI foi aprovado, bem como o coordenador da Comissão de Redação da proposta e coordenador dos debates nas plenárias, afirmou que mesmo após a Igreja Metodista no Brasil definir sua própria constituição, ainda recebia forte influência da Igreja norte americana, e, por isso, teve dificuldades em deixar o antigo modelo de igreja que lhe foi introjetado, para assumir sua nova identidade. Os Planos Quadrienais, ao apontar um novo rumo para a Igreja, traziam agora esperança de que mudanças pudessem acontecer, pois, a partir dos Planos Quadrienais, tudo na Igreja se concentrava na Missão, tudo girava em torno da Missão, tudo começava a partir da Missão (CÉSAR, 1982, p. 7).

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As Juntas Gerais eram a formação de vários órgãos administrativos, cada um responsável por um setor da IM, como a Ação Social e a Evangelização.

O Reverendo Ely destaca a importância dos Planos Quadrienais quando fala do Plano Vida e Missão. Para ele, o PVMI é resultado de "oito anos de maturação", referindo-se aos Planos Quadrienais de 1974 e 1978 (CUNHA, 2003, p.24).

O PVMI era na verdade a continuação dessas antigas discussões que aconteceram em outros Concílios da Igreja Metodista e que deram origem aos Planos Quadrienais. Junto com o Plano foi aprovado o documento DEIM, Diretrizes para a Educação na Igreja Metodista, num processo que se iniciou em 1979. O PVMI surgiu...

[...] para balizar as ações da Igreja Metodista e orientar a vida e missão em atendimento à eclesiologia professada por ela. O DEIM é resultado da busca que a Igreja Metodista faz de uma educação que se insira na cultura e no ambiente social da sociedade brasileira e promova a construção do ser humano para atuar na realidade a fim de transformá-la. Esta busca se concretiza com a aprovação das diretrizes (LAZIER, 2012).

Assim, diante das crises vivenciadas pela Igreja, o PVM e as DEIM apontaram soluções, mas também desafiaram a Igreja a buscar mudanças. Mudanças que eram extremamente necessárias. O PVM nasce num contexto repleto de problemas e desafios sociais, políticos e religiosos e, certamente, foi um instrumento sinalizador para a missão da Igreja.

O processo percorrido desde então, não foi fácil, trouxe inquietações e questionamentos, mas levou a Igreja a repensar seu papel diante da sociedade.

No capítulo seguinte analisaremos o contexto das discussões, diálogos, consultas e concílios que levaram a elaboração do PVMI e DEIM; faremos uma análise mais profunda da criação desses documentos, observando desde as discussões preliminares até sua publicação, fazendo uma aproximação do documento Diretrizes para a Educação na Igreja Metodista com a obra de Paulo Freire, 'Pedagogia do Oprimido'.

2 PVMI E DEIM: PROCESSO DE ELABORAÇÃO

Neste capítulo discorreremos sobre a elaboração dos documentos Plano para a Vida e Missão da Igreja Metodista e Diretrizes para a Educação na Igreja Metodista, aprovados no XIII Concílio Geral da Igreja Metodista, realizado em Belo Horizonte, MG, de 18 a 28 de julho de 1982. Como já mencionado, tais documentos se tornaram referenciais para a Igreja Metodista, justamente porque surgiram num período em que a mesma necessitava de orientação e revitalização para o cumprimento de sua missão e apresentavam propostas de renovação para a prática missionária.

O documento PVM relembra, logo de início, a história da Igreja Metodista, destaca a sua Herança Wesleyana e ressalta, entre outros aspectos, que, desde suas origens, "o metodismo demonstra permanente compromisso com o bem estar da pessoa total, não só espiritual, mas também, seus aspectos sociais..." (IGREJA METODISTA, 2012, p. 84).

Cardoso destaca que “o movimento metodista brasileiro, que propôs o documento Diretrizes para a Educação na Igreja Metodista, a partir de 1982 [...], mantinha ligação e se inspirava nas diretrizes do metodismo nascente de uma educação libertadora e que procurava desenvolver as pessoas na sua integralidade, sobretudo, que era voltada àqueles que estavam às margens da sociedade” (CARDOSO, 2016, p. 115).

No contexto do surgimento do PVMI e DEIM, a Igreja acabara de completar 50 anos de sua autonomia em relação à Igreja Metodista da América do Norte (1930). Ela demorou alguns anos para se tornar plenamente autônoma, mas com o lançamento do PVM veio a consciência de que a Igreja estava amadurecendo (REILY, 1991, p. 105). "A experiência do Colégio Episcopal5 e de vários segmentos da Igreja Metodista, nestes últimos anos, indica que o metodismo brasileiro está saindo da profunda crise de identidade que abalou nossa igreja após a primeira metade da década de sessenta" (IGREJA METODISTA, PVMI, 2001, p. 79).

[...] No final dos anos de 1970 e início dos 80, por diferentes razões e possibilidades, a Igreja Metodista considerou que deveria estabelecer um projeto missionário que contemplasse uma visão ampla de Missão (para não se restringir ao evangelismo), uma visão educacional sólida (que não reproduzisse os valores do ‘mundo’, no caso, mercadológico) e uma proposta de relação [ação] social que valorizasse os setores da sociedade que estivessem abertos à justiça social e à dignidade humana –, entendidos como portadores de sinais de Deus no mundo. A esse processo, podemos chamar de Vida e Missão, incluindo obviamente o Plano para a Vida e Missão

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A forma de governo da Igreja Metodista é episcopal. O território brasileiro é subdividido em regiões, sendo oito Regiões Eclesiásticas e duas Regiões Missionárias; cada Região permanece sob a jurisdição de um bispo ou bispa, que juntos formam o Colégio Episcopal.

(PVM), aprovado pela Igreja em seu XIII Concílio Geral, de 1982, em Belo Horizonte - MG [...] (RIBEIRO, 2007, p. 72).

O PVMI propõe um "plano específico para cada área de vida e trabalho da Igreja Metodista", chamando a atenção para o fato de que a missão da Igreja visa contribuir tanto para a renovação do ser humano quanto das estruturas sociais, "marcadas por sinais da morte" (IGREJA METODISTA, PVMI, 2012, p. 99).

Com relação à Área de Educação, a Igreja Metodista define sua ação em três áreas; educação cristã, teológica e secular. O documento Diretrizes para a Educação na Igreja Metodista,6 incluso no PVMI, aponta caminhos específicos para o cumprimento da tarefa educativa.

O Plano para a Vida e a Missão da Igreja surgiu para balizar as ações da Igreja Metodista e orientar a vida e missão em atendimento à eclesiologia professada por ela. O DEIM é resultado da busca que a Igreja Metodista faz de uma educação que se insira na cultura e no ambiente social da sociedade brasileira e promova a construção do ser humano para atuar na realidade a fim de transformá-la. Esta busca se concretiza com a aprovação das diretrizes. (LAZIER, 2012, p. 27).

Como mencionado anteriormente, a proposta desta pesquisa é tratar do tema da educação confessional, à luz dos documentos aqui citados. Assim, apresentamos a seguir a conjuntura da elaboração do PVMI e DEIM até a sua aprovação, bem como os objetivos, propostas e diretrizes que eles apresentam em relação ao tema.

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