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Buscando novos caminhos

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Como já visto até aqui, as décadas de 1960 e 1970, períodos que antecederam a elaboração do PVMI e DEIM, foram importantes para a Igreja Metodista. Foi o tempo em que o seu projeto educacional passou por uma “profunda avaliação, objetivando estabelecer as diretrizes que deveriam orientar sua ação educativa nas suas três subáreas de ação” (MORAES, 2003, p. 54): a educação cristã (que compreende a ação docente da Igreja, como escola dominical, culto de estudo bíblico e discipulado, realizados nas igrejas locais, congregações e pontos missionários), a educação teológica (promovida por meio de seminários, institutos teológicos e Faculdade de Teologia, mantidos pela Igreja) e educação secular (promovidas pelas escolas, faculdades e universidades, também mantidas pela Igreja). Esse processo de avaliação não foi simples. Durante o exercício do primeiro Plano Quadrienal, aprovado no 11º Concílio Geral de 1974, a Igreja buscou afirmar a sua missão como Igreja autônoma e passou a trabalhar especificamente as particularidades do ministério

diaconal e pastoral, para somente então, após estas ações, dar início ao processo de organização da Igreja (op. cit, p. 48).

Quatro anos depois, sob a luz de um novo Plano Quadrienal, preparado no Concílio de 1978, a Igreja começou a vivenciar novos problemas quando percebeu que tinha dificuldades para por em prática os princípios que o Plano estabelecia, e foi esse impasse que levou o Colégio Episcopal e o Conselho Geral a proporem uma grande consulta nacional sobre Vida e Missão da Igreja. Assim, em 1980, deu-se início a um período de debates e discussões, que culminaram numa redação coletiva do documento que seria apresentado ao Conselho Geral da Igreja.

Num primeiro momento foi realizada uma consulta externa, entre as lideranças locais, contudo, o resultado não foi o esperado, tendo sido acolhido como meras "opiniões gerais acerca da Igreja". Posteriormente, foi realizada consulta interna, com lideranças regionais e nacionais, e representantes de todos os segmentos da Igreja. As perguntas elaboradas eram feitas com base nos seguintes temas: "O metodismo brasileiro: passado e presente"; "Análise teológica da missão da Igreja à luz da realidade nacional"; "A missão da Igreja e a ação evangelizadora"; "A missão da Igreja: a ação comunitária"; e "A missão da Igreja: a vida de adoração" (CUNHA, 2003, p. 24).

Nesse processo de consulta, as Igrejas locais puderam expressar suas opiniões por meio de um questionário que lhes fora enviado. Em 1981, clérigos e leigos, homens e mulheres, e outras lideranças de Instituições educacionais ligadas à Igreja, formaram um grupo de trabalho que se reuniu para apresentar as considerações que deveriam ser, posteriormente, encaminhadas ao 13º Concílio Geral (1982). Nesse processo, questões importantes foram destacadas, tais como:

O metodismo brasileiro está saindo da profunda crise de identidade que abalou nossa Igreja na primeira metade da década de sessenta.” - “A Igreja necessita de um plano geral, que inspire sua vida e programação, e que não será dentro do curto espaço de um quadriênio que corrigiremos os antigos vícios que nos impedem de caminhar.” - A consulta Vida e Missão propõe ao Concílio “não mais um programa de ação para o quadriênio, mas linhas gerais que deverão orientar toda a ação da Igreja nos próximos anos, enquanto necessário, devendo ser avaliado periodicamente. (MORAES, 2003, p. 48).

Essa profunda "crise de identidade que abalou nossa Igreja na primeira metade da década de sessenta”, à qual Morais (2003) faz referência, provavelmente diz respeito à crise educacional que a Igreja Metodista enfrentou a partir da segunda metade da década de 1950, quando, por ocasião da separação entre as Igrejas Metodista Episcopal do Sul e a Igreja Metodista do Brasil, a primeira foi, aos poucos, deixando a gestão administrativa e

pedagógica das escolas nas mãos dos educadores e educadoras metodistas brasileiros, deixando inclusive de contribuir para o sustento econômico-financeiro da obra educacional metodista no Brasil. Tais contribuições ainda aconteceram, porém, num montante muito menor, o que levou a Igreja Metodista brasileira à um "processo de esvaziamento do projeto educacional metodista no Brasil", e, como consequência disso, a perder, progressivamente, "o seu protagonismo na área da educação" (ANDRADE, 2012, p. 132).

Mattos (2000) relembra que essas mudanças que a Igreja precisou enfrentar, acabaram contribuindo ainda mais para o aumento da crise educacional metodista, que num contexto educacional brasileiro, foi obrigada a repensar seu modo de atuação, porém, sem muitas soluções:

A nova situação acabou por acelerar a crise sobre a natureza da educação metodista, pois, nossas propostas pedagógicas foram gradualmente sendo absorvidas pelo próprio sistema educacional brasileiro. Nesta mesma época nossas escolas, especialmente seus internatos, passaram a sofrer as consequências das mudanças ocorridas nas expectativas da classe média quanto à educação de seus filhos, pois as escolas privadas começaram a dar novas respostas às demandas pequeno-burguesas. Paulatinamente, um após outro, foi ocorrendo o fechamento de nossos internatos e, com isso, a debandada da classe média mais abastada de nossas escolas (MATTOS, 2000, p. 63).

Mattos (2010) declara ainda que a Igreja Metodista Brasileira falhou ao negligenciar a crise que se abatia sobre suas instituições educacionais, demorando para assumir atitudes que, fossem propostas antes, talvez mudassem o rumo da educação metodista no Brasil.

É de se ressaltar que, diante da crise que começou a se abater sobre nossas instituições educacionais a partir de 1945, a direção da Igreja não tomou a tempo providências sistematicamente planejadas e implementadas. Enquanto os recursos norte-americanos foram suficientes para remediar os problemas decorrentes do processo de esgotamento de nossas escolas, a Igreja tratou de ignorar a crise que se avolumava. Na medida em que os recursos financeiros e humanos externos foram escasseando a crise projetou-se pouco a pouco, para o interior da Igreja até que, no Concílio Geral de 1955, a Igreja tomou oficialmente conhecimento dos grandes problemas envolvendo vários dos educandários metodistas (MATTOS, 2010, p. 63- 64).

Sem conseguir identificar uma rápida solução, a Igreja entende que é preciso persistir com o que tem, lutando para não sucumbir diante das propostas e inovações da sociedade. Andrade (2012) afirma que nesse processo, sem a ajuda humana e financeira recebida até então dos norte-americanos, a Igreja se torna "mera repetidora e reprodutora das propostas e projetos educacionais do Estado [...]". Assim declara:

[...] Nessas condições, as escolas metodistas se veem diante da necessidade de lutar por sua própria sobrevivência, competindo no mercado educacional com outras escolas privadas, confessionais ou públicas, e começam a enfrentar também crises periódicas de ordem financeira e administrativa, com o constante decréscimo de suas

matrículas e o fechamento de seus famosos internatos, antes tão procurados pelas classes média e alta da sociedade brasileira (ANDRADE, 2012, p. 132).

Mattos (2000), lembra ainda que no Concílio Geral de 1960, foi discutido o tema da Educação Metodista com grande preocupação, onde foram citados desde os problemas financeiros que atingiam as escolas Metodistas, até o decréscimo no número de matrículas das mesmas.

Foi a primeira vez que um Concílio Geral tomou conhecimento das dificuldades de nossas escolas, quando, apesar de gozarem alto conceito perante a opinião pública e governamental, estavam enfrentando sérias crises, principalmente de ordem financeira. No Concílio de 1960, além do problema financeiro, pela primeira vez houve notícias sobre a estagnação da matrícula das escolas metodistas, quadro que se manteve inalterado no quinquênio seguinte, quando o crescimento verificado foi somente entre as escolas paroquiais. Era o sinal claro e inconfundível de que muitas das nossas escolas tinham passado a conviver com crises frequentes [...]. (MATTOS, 2010, p. 64).

Como vimos, a preocupação era verdadeira e visava despertar a atenção de todos, não somente para o fato de que problemas graves estavam acontecendo, mas também de que se algo profundamente sério não fosse realizado, a educação metodista e suas instituições poderiam sofrer sérios danos.

Esta situação permaneceu inalterada no quinquênio seguinte, provando assim que uma profunda crise estava instaurada, e que permaneceu ainda por alguns anos.

[...] A partir daí a história da maioria dos nossos educandários é uma sucessão de momentos de grandes êxitos e períodos de angustiantes crises. A maioria das crises tem sido de ordem administrativa e financeira, mas também têm havido aquelas em que estas se encontram combinadas com as de ordem política e ideológica. Raras são as instituições que têm usufruído, através de sua história, de estabilidade administrativa, pedagógica e política (MATTOS, 2000, p. 64).

Mattos (2010, p. 64) relata que até o Concílio de 1982, tanto os relatórios quanto as mensagens episcopais apresentadas aos Concílios Gerais não faziam nenhuma menção sobre a situação das escolas metodistas, ocultando, dessa forma, seus problemas administrativos, políticos e pedagógicos. Sendo assim, também não alertavam sobre a necessidade da elaboração de uma filosofia educacional que fosse implementada em todas as instituições educacionais metodistas.

Vemos, assim, que eram várias as questões que esse grupo de trabalho precisou se inteirar; todas essas questões de grandíssima urgência e importância. O relatório apresentado por esse grupo tinha o compromisso de não somente interpretar o diagnóstico apresentado pela consulta nacional como também discernir em que direção a Igreja deveria caminhar.

O reverendo Ely Eser Barreto César (vice-presidente do Conselho Geral da Igreja Metodista quando o documento PVMI foi aprovado); o reverendo Clory Trindade de Oliveira; a professora Lúcia Leiga de Oliveira (que participou como representante leiga); o reverendo Rui de Souza Josgrilberg (um dos assessores da redação do documento); o bispo Paulo Ayres Mattos; o bispo honorário Nelson Luiz Campos Leite (na época, secretário do Colégio Episcopal); o professor Ulysses Panisset (que presidia a Comissão de Legislação do Concílio Geral e que era o reitor do Instituto Metodista Isabela Hendrix), entre outros, são alguns personagens que formaram o grupo de discussão do Plano Vida e Missão e, que puderam assim, vivenciar esse importante momento, marco decisório da Igreja Metodista.

Panisset declarou, em entrevista ao Jornal oficial da Igreja, o Expositor Cristão, que na época, embora reconhecesse a importância do documento Vida e Missão, tinha consigo uma preocupação com relação ao Plano; a de que ele...

[...] não fosse incluído nos Cânones como um artigo, o que se constituiria uma lamentável impropriedade técnica. O Cânones é lei. Sendo assim, nele não cabem planos, que, por sua natureza são passíveis de alteração. Ainda assim, um grupo formado conseguiu que essa barbaridade legislativa fosse perpetrada (RAMIRO, jul. de 2012, p. 13).

Por essa posição, Panisset declara que não foi bem compreendido pelo Concílio, e muitos o têm, até hoje, como um oponente desse processo.

Assim, o Plano para a Vida e Missão da Igreja (PVMI), as Diretrizes para a Educação na Igreja Metodista (DEIM) e, ainda, o Plano para as Áreas de Vida e Trabalho, e o Plano Diretor da Igreja Metodista, formam o documento encaminhado ao XIII Concílio Geral da Igreja Metodista7, que, após debatê-lo profundamente e, mesmo sob forte refutação, o aprova, em 1982, sob o aval da maioria dos conciliares.

O conclave estava realmente disposto a discutir os rumos missionários da igreja. Foram dedicados cinco dias aos debates do Plano. Os conciliares se separaram em onze grupos de estudo para analisar a parte introdutória do documento. Depois foram discutidas as áreas específicas, como a ação comunitária, comunicação, educação e promoção da unidade (Ibid, p. 12-14).

Em entrevista ao Expositor Cristão, o bispo Paulo Ayres relatou que o ambiente do Concílio foi de muita tensão, tendo na apuração da votação 78 votos favoráveis, dois votos contrários e uma abstenção, que foi justificada da seguinte forma: “Não posso aceitar essas premissas teológicas” (Ibid, p. 12-14).

7

O PVMI é o documento principal que dá origem e orienta todos os demais. O DEIM nasce concomitantemente ao PVM e, a partir dele, surgem paralelamente o terceiro e o quarto documentos, ambos iluminados pelo PVM (MORAES, dez 2003, p. 50).

O reverendo Rui Josgrilberg relatou em entrevista ao Expositor Cristão que ocorreram muitas mobilizações sociais e públicas em torno da elaboração do PVMI, o que ele acredita serem um reflexo do próprio período ditatorial vivenciado (RAMIRO, jul. 2012, p. 16-17).

Ao final do longo processo de debates, o PVMI foi aprovado com 78 votos favoráveis, o que foi considerado por Josgrilberg como uma margem muito boa (Ibid, p. 12-14), sendo, então, incluído nos Cânones da Igreja Metodista e tornando-se um documento normativo da Igreja (MORAES, dez. 2003, p. 50).

Clóvis Pinto de Castro, que atuou com a equipe que preparou a redação final do documento apresentado ao XIII Concílio Geral, relatou que a aprovação desses documentos se deu...

[...] a partir de um choque de concepções eclesiológicas, teológicas e ideológicas. Contudo, a grande maioria do plenário era a favor da aprovação do documento, tendo em vista o amplo processo de diálogo que antecedeu o Concílio Geral. A 5ª Região Eclesiástica, por exemplo, votou pela "plena aprovação do documento, sem qualquer adendo ou ressalva (CASTRO, 2003, p. 58).

Apesar da alto índice de aprovação, os dois votos contrários e uma abstenção pontuados foram manifestados num clima de muita tensão.

[...] Os debates foram tão acalorados e tensos que a comissão eleita para redigir o texto final do documento decidiu renunciar. Os participantes do Seminário decidiram, então, nomear entre eles um grupo de trabalho, com representantes das diversas Regiões Eclesiásticas, que teve a responsabilidade de elaborar a redação final do documento [...] (ANDRADE, 2012, p. 141).

No livro 'Forjando uma nova Igreja: Dons e Ministérios em debate', de Clóvis Pinto de Castro e Magali do Nascimento Cunha (2001), Cunha também faz referência à grande polêmica levantada em torno da elaboração desses documentos, principalmente o Diretrizes para a Educação, considerado pela ala mais conservadora da Igreja, como "documentos influenciados pelo marxismo e pela Teologia da Libertação", por conterem, segundo estes, uma linguagem mais progressista.

Consta nas Atas do XIII Concílio Geral, as várias justificativas dos votantes contrários à aprovação do PVMI e DEIM, bem como dos favoráveis.

Sebastião Gomes de Campos solicita que seja consignada nesta ata a seguinte declaração: o documento Diretrizes para a Educação na Igreja Metodista, aprovado, agora, pelo XIII CG da IM, malgrado e louvado o desejo de acerto, encerra declarações e estabelece diretrizes que, em nosso modesto entender, conforme diversas declarações de voto registradas em ata, fere frontalmente o Evangelho e interpreta fatos históricos, na área educacional, que não se me afigura de forma correta. Na segunda parte da sua declaração de voto, favorável à aprovação, Norival Trindade, leigo da 6ª RE, afirmava: Que há, no documento uma excessiva preocupação pela comunidade, pelos grupos, pelo social, em contraposição ao

pessoal relacionamento com Deus [...]. (Igreja Metodista, XIII Concílio Geral:1982, p.82, apud CUNHA, 2001, p. 43-44).

As tensões presentes nesses debates eram fruto da presença de grupos ideológicos muito distintos na vida da Igreja, mas apesar dos embates, os documentos Vida e Missão e Diretrizes para a Educação foram bem recebidos pela plenária.

Por fim, em sua redação final, o PVMI ficou dividido em oito partes, sendo elas: A. Herança Wesleyana, que destaca os elementos fundamentais da unidade metodista, tais como as Escrituras Sagradas, vida cristã pessoal e comunitária, vida de piedade e testemunho social, paixão evangelizadora, entre outros; B. A compreensão da vontade de Deus; que destaca a necessidade de uma leitura da realidade, a fim de se perceber as forças de opressão e morte presentes no mundo, com a finalidade de expandir o Reino de Deus, que é vida, amor e justiça; C. Necessidades e oportunidades, que pontua áreas ou situações em que a Igreja é desafiada estar mais presente, no que se refere ao cumprimento das ênfases e diretrizes que o PVMI traz; D. O que é trabalhar na Missão de Deus?, que promove uma conscientização maior das responsabilidades da Igreja; E. Como participar da missão de Deus?, item que ressalta o dever do compromisso dentro e também fora da Igreja ; F. Situações nas quais a missão acontece, com pistas para a realização de um trabalho eficaz; G. Os frutos do trabalho na missão de Deus; e H. Esperança e vitória na Missão de Deus, ambos destacando que o serviço a Deus nunca é vão.

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