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Momento novo

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Na década de 1970 cresceu no Brasil um movimento de crítica ao governo, que lutava para impor mudanças no sistema educacional brasileiro. Esse grupo defendia que a educação pública e gratuita era um direito a ser garantido pelo Estado à toda população, e se empenhava para que o analfabetismo fosse eliminado.

Ao longo das décadas de 60 e 80 o período de governo ditatorial se pautou em termos educacionais pela repressão, pela privatização do ensino e pela exclusão de boa parcela das classes populares do ensino de qualidade. Nesse mesmo período, paralelamente, vimos o avanço do ensino profissionalizante, do tecnicismo pedagógico e da desmobilização do magistério em função de uma confusa legislação educacional. (GHIRALDELLI, 2001, p. 163, apud VALENTIM, 2008, p. 84).

Essas discussões a respeito do papel do Estado, bem como sobre a situação política e econômica vigente, favoreceram a Reforma Educacional que ocorreria anos mais tarde no Brasil, e que teve não somente a atuação do Estado, mas também de organismos multilaterais, empresários e intelectuais (DAMBROS; MUSSIO, 2014, p. 5). Dessa forma, a Igreja Metodista também se enquadra nessa missão de contribuinte de um ideário educacional, pois as Diretrizes para a Educação na Igreja Metodista surgiram com um teor de compromisso social, resultado de um longo processo histórico...

[...] cujo pico se encontra nas décadas de 60 e 70 com o acirramento das contradições no Interior da Igreja Metodista em consequência de sua ambiguidade em relação ao golpe militar de 1964 e do importante diálogo que se travou nas instituições metodistas de ensino superior, principalmente na Universidade Metodista de Piracicaba, no Instituto Bennett e na Faculdade de Teologia... o Diretrizes constitui em uma resistência ao reprodutivismo em educação, teoria muito divulgada na década de 70, insistentemente debatida na UNIMEP e presente nos escritos de Altusser e Bourdieu, entre outros muitos autores que consideram a escola um aparelho muito importante na reprodução do poder conservador e injusto, do qual a Igreja aparentemente, pareceu-me, não desejava referendar (BOAVENTURA, Vinte anos, p.1).

As DEIM surgiram numa época em que as escolas metodistas também sofriam com as crises que atingiram as escolas particulares no país; parte dessas crises eram advindas da

reforma do ensino realizado no Brasil no início da década de 60. Numa tentativa de resolver a situação, foram tomadas algumas medidas, como a criação do COGEIME – Conselho Geral das Instituições Metodistas de Educação – em abril de 1967. A finalidade da criação do COGEIME era de formar um órgão específico da Igreja Metodista capaz de enfrentar os desafios educacionais existentes. Assim, o COGEIME reunia todas as instituições educacionais da Igreja Metodista em todos os níveis de formação ou especialização, com o objetivo de promover uma integração entre elas, bem como estabelecer debates e diálogos por meio de encontros em torno de uma educação confessional (LAZIER, 2010, p. 30) e atuar como "mediador e auxiliador às Instituições Metodistas de Educação (IMEs) na administração financeira" (TAVARES, 2017, p. 197). Um exemplo disso era a reunião anual promovida pelo COGEIME com tesoureiros e contadores das IMEs, além de outros envolvidos na gestão administrativa e financeira, onde, por meio de palestras, workshops e atividades em grupo, buscava-se uma troca de experiências (Ibid).

Outro exemplo sobre a importância deste Conselho junto às IMEs foi apresentado por Tavares, ao citar que na década de 2000, algumas dessas instituições, como a Unimep, sofreram grave crise econômico-financeira.

O COGEIME passou a ser demandado fortemente no suporte às instituições fosse para ampliar a cooperação entre elas, fosse para auxiliar na busca de medidas emergenciais, inclusive nas relações com o mercado financeiro. Nesse cenário, destacamos algumas ações de sinergia desenvolvidas nas instituições: • Respeitada a autonomia de cada IME em preparar seu orçamento anual, se iniciou acompanhamento da administração financeira a partir dos orçamentos (preparação, execução e revisões). • Com o endividamento bancário de algumas instituições, ocorreram negociações bancárias em conjunto, o que permitiu melhorar as condições gerais das operações (ampliação de prazos para quitação de passivos, redução de taxas de juros, revisão de garantias, dentre outras). • Discussão de outras sinergias possíveis na administração das IMEs em áreas como, por exemplo, compras, cobrança, gestão de pessoal (Ibid, p. 198-199).

Tavares afirma que essa atuação do COGEIME abriu caminhos para a criação da Rede Metodista de Educação e da Central de Serviços Compartilhados (CSC), justamente por propiciar "antecedentes importantes e informações fundamentais" para que a AIM – Associação da Igreja Metodista – se decidisse pela criação destas.

De fato, o COGEIME se tornou um importante órgão que "ajudou a consolidar a educação metodista no Brasil" (LOPES, 2012, p. 164) e, como afirma Livingstone Silva (2017), não podemos nos esquecer dos...

[...] pioneiros que marcaram os vários momentos do COGEIME: Rev. Dr. Benedito de Paula Bittencourt, Prof. Dr. Ulysses de Oliveira Panisset, Prof. Achilles de Almeida Barreto, Prof. Dr. Almir de Souza Maia, Prof. Dr. Elias Boaventura e tantos outros que se dedicaram à tarefa de conduzir e realizar os objetivos da instituição (SILVA, 2017).

Com relação às crises que atingiram as escolas metodistas, conforme mencionado anteriormente, muitas críticas eram tecidas a elas. O historiador e pastor Metodista Isnard Rocha apresentou ao Expositor Cristão uma reflexão a respeito da situação das escolas do período de 1960 a 1970. O professor Valentim relembra essa análise:

A crise eclodida na esfera escolar também atingiu os nossos colégios. Enquanto muitos estabelecimentos de ensino particulares fracassaram, os nossos tiveram que tomar providências urgentes para não sofrer os mesmos revezes. A criação do COGEIME e a eleição de um homem na qualidade de secretário executivo trouxeram mais segurança à vida de nossas instituições e elas atravessaram momentos difíceis, mas conseguiram superar muitos dos revezes. A união de forças de nossas instituições foi um fator preponderante na melhoria de sua vida administrativa, dentro do programa de ensino, conforme os padrões já estabelecidos e dentro das reformas de ensino havidas nesse período de tempo. Bom ensino e boa disciplina deram condições favoráveis para os colégios vencerem o período de crise [...]. (ROCHA, 1970, p. 9, apud VALENTIM, p. 90).

Valentim também recorda uma nota de Paulo Guaracy Silveira, publicada no Expositor Cristão em setembro de 1981 (SILVEIRA, EC, 15 e 31/03/1970, p. 9, apud VALENTIM, p. 99), um ano antes da aprovação do PVMI e DEIM, na qual Silveira analisa o Sistema Metodista de Educação, desde o seu início. Com o título: "O que há com a Educação Metodista?", Silveira apresenta considerações sobre alguns pontos significativos em diferentes instituições da Igreja Metodista.

1) A Igreja Metodista e as Instituições Metodistas de Ensino caminharam paralelamente e não de forma integrada. Se houve integração, foi meramente administrativa ou canônica. - As crises financeiras, decorrentes do despreparo dos dirigentes e alheiamento (sic) dos Conselhos Diretores, foram uma constante na maioria das instituições metodistas de ensino. 2) Como a quase totalidade de nossas instituições de ensino foram nacionalizadas como decorrência da autonomia da Igreja Metodista, a partir de 1930, não houve recursos humanos preparados adequadamente para assumir a liderança e os métodos renovadores de educação adotados pelos missionários americanos que os dirigiam. 3) De 1939 a 1968, as instituições metodistas de ensino médio permaneceram acomodadas, administrativa e pedagogicamente, sem a mínima preocupação em salvaguardar a metodologia e técnicas de educação de que foram pioneiras, hoje vigentes na educação brasileira e consideradas modernas. 4) A experiência negativa de ordem financeira, a falta de recursos humanos disponíveis, a estagnação das entidades e a falta de uma política educacional abrangendo recursos humanos, por parte da Igreja, contribuíram para o desinteresse pelo ensino superior em sua fase de expansão no Brasil. 5) Como a quase totalidade de nossas instituições de ensino foram doadas pelos americanos, a liderança metodista não conseguiu se integrar nesse setor, como o fez com a evangelização que se desenvolveu após a autonomia da Igreja (SILVEIRA, 1970, p. 9, apud VALENTIM, p. 99).

Sobre essa análise Valentim ainda acrescenta: "A crítica é direcionada à falta de integração entre igreja e escola; às constantes crises financeiras; à falta de recursos humanos para assumirem as instituições de ensino; ao pouco investimento no ensino superior [...]" (VALENTIM, p. 99-100).

Jorge Mesquita também trouxe contribuições a respeito da realidade educacional brasileira. Com base em um seminário que havia sido realizado pela Igreja Metodista em julho de 1980, intitulado "Seminário Nacional para uma Educação Metodista Brasileira", Mesquita afirmou:

Pelos documentos chegou-se a uma constatação de que “o sistema educacional brasileiro é elitista, discriminatório, criador de dependência e visa conservar o atual ‘status quo’, impondo à classe popular a cultura da classe dominante a aumentando cada vez mais seu nível de dependência”. Dentre algumas propostas desse documento, algumas dão uma dimensão nova na visão da Igreja Metodista para suas instituições educacionais quando conclama que ‘elas devem operar diferenciadas, com postura de libertação e compromissadas com a educação formal e não formal, com vistas à libertação dos pobres, dos oprimidos, dos desvalidos e dos opressores, do jugo de estruturas opressivas’. (MESQUITA, 1980, p. 9, apud

VALENTIM, p. 97).

Mesquita destaca as deficiências do sistema educacional vigente, conforme foi relatado pelo referido seminário, mas também aponta o posicionamento que se esperava da Igreja Metodista frente às suas instituições educacionais.

Referindo-se ao mesmo seminário, Donald Raffan faz uma análise a partir das instituições educacionais metodistas e indaga qual tem sido a contribuição deixada à sociedade por essas instituições. Valentim relembra uma matéria escrita pela autor e publicada no Expositor Cristão de 1980:

Muito, muito tarde a Igreja está se acordando quanto à sua responsabilidade social na área da justiça e honestidade. Não há sociedade sem estas bases. E o Governo, na tentativa de manter a sociedade intata, usa o método do policiamento, mas sem um programa efetivo para criar uma sociedade responsável e menos egoísta, visando ao bem-estar de todos; e sentimos que estamos numa situação social que piora a cada dia. Precisamos criar uma situação onde haja menos necessidade de manter a estabilidade social através do policiamento. Esta é uma responsabilidade da Igreja, do Governo, do Ensino e da Família. A Igreja não está alcançando o povo. (RAFFAN, 1980, p. 8. apud VALENTIM, p. 98).

A crítica feita por Raffan é propícia, pelo fato de pretender conscientizar a Igreja de que, diante das transformações que ela desejava ver na sociedade, deveria se lembrar do seu papel de comprometimento e engajamento social. "A Igreja tem boas oportunidades e também uma séria responsabilidade sobre esta transformação" (VALENTIM, 2008, p. 98); mas, se ela exercer sua ação educativa, certamente atingirá grande parte dos seus objetivos.

As considerações acima registradas, refletem alguns desafios que as Diretrizes para a Educação deveriam considerar. De um modo geral, o desafio traçado pelas DEIM era influenciar a Igreja a promover uma ação educativa que valorizasse muito mais os efeitos dessa atuação pedagógica na vida das pessoas, como promotora de uma práxis libertadora e transformadora, do que resultados que visassem principalmente aspectos financeiros, como era o objetivo de muitas instituições de ensino da época. Desde a origem da elaboração do PVMI e DEIM, o que se viu foi uma proposta de levar a Igreja a trabalhar por um ensino secular que não fosse opressivo, mas libertador.

Logo após a aprovação dos documentos PVMI e DEIM pelo XIII Concílio Geral da Igreja, o Expositor Cristão publicou, em outubro de 1982, uma matéria sobre a UNIMEP com o título "O que se entende por democracia e ensino público na universidade particular?". Nela, destacava-se o novo reitor que assumia a direção dessa importante Universidade, Elias Boaventura, e seu discurso de posse. Ao discursar, Boaventura apresentou projeções do que se deveria esperar para o futuro da educação Metodista.

Nesses próximos quatro anos sugiro que nossa principal preocupação seja esta: a partir dos documentos que nos respaldam, do sofrimento do povo ferido que não consegue ter acesso a nossa casa de ensino, procuremos colocar todos os nossos recursos a favor da luta e nos deixemos evangelizar por eles, para que possamos fazer os surdos ouvirem, os mudos falarem, os coxos andarem, os cegos verem e os pobres escutarem as boas novas de libertação (BOAVENTURA, 1982, p. 10, apud VALENTIM, p. 105).

Assim, a implantação do documento Diretrizes para a Educação trazia a proposta de um novo ciclo na ação educacional da Igreja Metodista e de suas instituições, justamente porque, como vimos, a relação entre elas estava desgastada e ameaçada.

Desgastada em função da compreensão dos responsáveis pelas escolas do papel destas no projeto da Igreja Metodista, muito mais voltado para as necessidades, que a sociedade lhe impõe, do que para o crescimento da Igreja. Este “descompasso” se tornou uma ameaça, uma vez que a Igreja Metodista mantinha a expectativa de fazer de suas escolas um “braço”, que avançava na sociedade e, na visão paroquial de evangelização, esperava, desta maneira, trazer novos adeptos à denominação (VALENTIM, p. 101).

Com as DEIM, um momento novo na história da Igreja Metodista estava por vir. No âmbito interno das Igrejas isso de fato ocorreu; as Igrejas alcançaram o tão sonhado despertamento, ocasionando grandes mudanças, que ocorreram a partir do PVM.

O pastor Metodista Nicanor Lopes, ao citar as anotações dos editores do Manual de Estudos para o Plano para a Vida e Missão, produzido na 5ª Região Eclesiástica, destacou o fato da Igreja ter crescido significativamente, num período de 4 anos.

[...] Na 5ª. RE, nos últimos quatro anos (1987-1991) tivemos o acréscimo de mais um novo membro por dia durante estes últimos 1.460 dias. Se compararmos este dado com o que ocorreu nos 15 anos anteriores, quando tivemos apenas o acréscimo de um novo membro a cada 28 dias, então é hora de começar avaliar nossa prática missionária para aprofundá-la (CÉSAR; LOPES. 1992, p.6, apud LOPES, 2012, p.127).

Além do crescimento numérico, as ações práticas da Igreja passaram a ser realizadas fora dos limites do templo, assumindo e reafirmando assim o seu envolvimento social.

Lopes afirma que "esse período, dos anos de 1980 até a virada do século (2000), foi marcado por reações positivas na nova dinâmica missionária da Igreja. A tríade _ Responsabilidade Social, Pregação e Educação _ estava em perfeita sintonia" (LOPES, 2012, p. 131). No entanto, até o final do século (2000) a Igreja deixou-se influenciar pelos reflexos do mundo globalizado de então e afastou-se muito dos princípios antes estabelecidos por ela.

A empolgação inicial dos primeiros anos não foi suficiente para dar sequência à implantação total das Diretrizes, pois, como destaca o professor Ely Eser Barreto César, que atuou como coordenador do processo de elaboração do PVMI e DEIM, o mesmo Concílio Geral que aprovou a elaboração desses documentos, tempos depois estava tomando decisões totalmente contrárias às que foram propostas (CÉSAR. jul/dez de 2007, p.58).

Adriel de Souza Maia, que foi eleito bispo da Igreja Metodista nesse contexto de aprovação do Plano para a Vida e Missão da Igreja, declarou em entrevista ao jornal Expositor Cristão, na ocasião em que se celebrava 30 anos da elaboração do PVMI e DEIM, uma opinião que revela falhas no processo de permanência na implantação desses documentos:

[...] Pessoalmente, creio que precisamos desarquivar os nossos documentos missionários a fim de que eles possam chegar nas igrejas locais e, consequentemente, fortalecer a nossa identidade metodista nos termos dos nossos fundamentos de vida e missão. De igual maneira, precisamos colocar em prática a nossa riqueza documental [...] Devemos celebrar com gratidão a Deus a construção o trigésimo aniversário Plano para a Vida e Missão da Igreja (PVM), mas devemos reconhecer que ao longo dos anos temos nos afastado de seus fundamentos norteadores em nossa caminhada missionária (MAIA, jul. 2012, p. 15-16).

É comum entre os pesquisadores e autoridades aqui arrolados a percepção de que, embora tenha sido iniciado um processo de implantação, muito foi se perdendo com o tempo. Na opinião de vários especialistas o PVMI falhou em vários aspectos. Ely Eser Barreto César, por exemplo, apresenta algumas pistas que ele considerada possíveis motivos para se questionar "por que teria falhado a implementação" do Plano Vida e Missão:

Cremos ser tempo de se examinar — mediante confronto entre as manifestações concretas da vida e missão das comunidades atuais e a percepção dos eixos propostos pelo PVM — as principais hipóteses avançadas que tentam dar conta da inoperância do PVM no metodismo brasileiro, apesar de sua acolhida e das expectativas então geradas. A primeira é a de que o PVM foi conjuntural, expressão que data de um período marcado pela reorganização da sociedade civil em luta contra a ditadura, durante o qual teria ganho força a Teologia da Libertação. O PVM teria sido uma expressão deste movimento teológico. A segunda, a de que o PVM não teria considerado o peso da tradição da Igreja vigente e, sobretudo, não teria dialogado com o modo de ser brasileiro e com os tempos pós-modernos. A terceira é a de que não se organizou uma estratégia adequada para sua implementação (CÉSAR, jul/dez de 2007, p. 63).

Muitos outros pastores e educadores apresentam suas considerações sobre as possíveis razões que dificultaram o desenvolvimento do PVMI e DEIM, a começar pelas mudanças que deveriam ocorrer a partir da estrutura administrativa das igrejas locais e que não ocorreram na prática, embora as propostas desses documentos tenham trazido alguns despertamentos. De qualquer forma, a elaboração desses documentos foi um dos responsáveis pela volta do crescimento numérico metodista.

Seguindo a proposta de analisar a influência das Diretrizes para a Educação nas instituições metodistas, apresentamos algumas expressões das DEIM em duas importantes instituições metodistas: a UMESP e a UNIMEP.

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