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Mrs Minerva Nicholas

3.3 A imersão como deriva

Ao mesmo tempo em que utilizam as caminhadas auxiliadas por equipamentos portáteis como forma de descobrir os espaços, outros artistas, especializados na construção de ambientes imersivos, possibilitados pelo uso de ferramentas de Realidade Virtual, constroem espaços virtuais pelos quais se pode

“caminhar”, descobrindo novos locais, como uma cidade toda feita de textos ou redescobrindo a própria cidade em um passeio pelo presente e o passado simultaneamente, a um simples giro de um equipamento eletrônico.

O primeiro exemplo, de uma cidade composta por textos é uma idealização já antiga do artista Jeffrey Shaw, nomeada sugestivamente de The legible city15. A instalação da obra consistia em uma bicicleta instalada em frente a um painel onde eram projetadas imagens. Ao pedalar com a bicicleta, os lugares dessa cidade, uma Nova Iorque transformada em texto, cujos prédios são palavras, iam desfilando na tela como se o interagente estivesse realmente pedalando no espaço da cidade-texto. Com a mudança de direção operada pelo manejo da bicicleta podia-se mudar de direção também no trajeto percorrido na tela.

Enquanto interagia, o indivíduo podia montar frases ou viajar por texto de personagens célebres da cidade representada, como se ela fosse um grande hipertexto

Um outro projeto de Jeffrey Shaw também se utiliza da imersão em uma imagem para levar os interagentes a descobrirem o espaço. Trata-se da recriação do panorama, uma instalação com uma grande tela circular, em cujo centro ficava o observador. Em contato com estas imagens, aquele que

vivenciava a experiência tinha a sensação de estar dentro da imagem. Em Place-Ruhr16

, o interagente pode experimentar a sensação de estar em

Panorama do século XVIII, mas com paisagens e ferramentas tecnológicas do século XXI. Para melhor entender o funcionamento dessa instalação, nada melhor do que recorrer à explicação do próprio artista:

The work presents a virtual landscape containing eleven cylinders that show particular sites in the Ruhr17 area. The viewer can navigate this 3D space and enter these panoramic cylinders, inside each of which a surrounding cinematic sequence fills the projection screen and presents a 360 degree pre-recorded situation and acted event.

The ground surface of the overall landscape is inscribed with a diagram of the Sephirothic 'Tree of Life' in figurative relation to which the eleven Ruhr site cylinders are situated. This diagram is coupled to a map of existing underground mining tunnels in the Dortmund area. The identity of each of the eleven sites is defined by its

environmental scenography (both actual and composited) conjoined with the time based events that have been staged there.

On the platform there is a column with an underwater video camera. This device is the interactive user interface, its buttons and handling allow the viewer to control his

15 The legible city. Disponível: www.jeffrey-shaw.net 16 Op. Cit.

movement through the virtual scene as well as cause the rotation of the platform and of the projected image around the circular screen. A small monitor within this housing also shows the ground plan of the virtual environment with reference to the user's location there.

A microphone on top of this interface camera picks up any sound that the viewer makes, and this causes the release of continuously moving three dimensional words and sentences within the projected scene. Originating in the center of the screen, the physical arrangment of these texts in the virtual environment is determined by the path of the viewer movements while they are being generated. These texts have a temporal five-minute life span; becoming more and more transparent until they disappear they constitute traces of the viewer's presence there18.

Uma experiência parecida e bem interessante – o Visorama19 – foi

desenvolvida por André Parente, em parceria com a Universidade Federal do Rio de Janeiro e o Instituto de Matemática Pura e Aplicada do CNPq. Também tendo se inspirado no panorama, ele construiu um dispositivo que permite ao interagente visualizar a paisagem do Corcovado, no Rio de Janeiro, como se lá estivesse, com o diferencial que ele pode, a todo momento, mudar seu ângulo de visão, tanto em termos espaciais, como passar do Corcovado para o Pão- de-Açúcar, quanto temporais, como visualizar a aparência do espaço naquele exato ponto da cidade no passado.

Eu venho trabalhando nesses últimos cinco anos na criação e no desenvolvimento de um sistema de realidade virtual chamado Visorama. Trata-se de um sistema de visualização com aplicação na representação e na simulação dos espaços urbanos. Uma de suas aplicações poderia ser na área do turismo histórico. A partir de um lugar turístico como o Corcovado ou o Pão de Açúcar, você pode ver a paisagem do Rio em vários momentos do tempo, ver como ela evoluiu, contar a história desta paisagem. É

17

O título do trabalho Place-Ruhr faz menção a um rio da Alemanha.

18 Op. Cit.

um sistema totalmente original, tanto para o hardware, como para o software (PARENTE, 2004).

E acrescenta em um outro trecho:

É, é um sistema ao mesmo tempo imersivo e interativo. É também um sistema

hipertextual, porque trabalha com links no espaço que permitem o espectador saltar de um ponto a outro: estou de fato no Corcovado, vendo a paisagem circundante, mas posso pular para o Pão de Açúcar e ver a paisagem ao entorno, como se eu estivesse lá mesmo. O sistema simula um dispositivo óptico, um telescópio, um binóculo: a idéia é fazer o espectador ter a impressão que ele está olhando através da ocular, embora o que ele esteja vendo é uma imagem gerada pelo computador. Você cria uma estrutura de navegação que, por exemplo, permite ao espectador se deslocar no espaço (do Corcovado ao Pão de Açúcar) e no tempo (como a paisagem vista de um mesmo ponto mudou ao longo do tempo). (PARENTE, 2004).

Com toda certeza é uma nova forma de flânerie, mas é também uma outra forma de perceber a cidade, como se sobreposta à imagem da cidade atual houvesse a imagem de um passado, sem prédios altos, ruas congestionadas pelo trânsito, poluição etc., talvez até sem a interferência do homem, como no caso da paisagem pré-histórica do Rio de Janeiro, incluída em uma das

versões do projeto. É uma oportunidade vivenciar uma cidade que já não existe mais, mas que a insatisfação com esses aspectos da cidade faz surgir, a todo momento, como uma forma de refúgio na nostalgia.

É também uma experiência informativa, pois, assim como nos projetos 34north118west e Annotate space, aqui também os locais são marcados por memórias, fatos históricos, informações que constituem a essência da cidade e faz parte da imagem que seus habitantes têm dela.

Como o próprio André Parente argumenta, Visorama se insere em uma

linguagem tecnológica de sistemas imersivos de visualização de imagens, cujo primeiro dispositivo, pode-se dizer, de comunicação de massa a possibilitar aos seres essa experiência teria sido o panorama. Tal dispositivo foi patenteado por Robert Barker em 1787, mas bastante difundido e apreciado durante o século XIX. Os espectadores tinham uma visão monumental da paisagem e bastante surpreendente para os indivíduos nessa época, possibilitada por uma

construção gigantesca, “construída em rotundas equivalentes a dois ou três andares20.”

Com o sucesso dessas experiências, surgiram outras diversas versões do panorama, como o Alporama, Europorama, Cosmorama, Georama, Neorama, Pleorama, Pandorama, Diorama, Mareorama, Moving Panorama, Photorama, Cineorama, Cinerama. Em cada versão, um aprimoramento, como a

construção de cenários para aumentar ainda mais o aspecto imersivo, cenários que simulavam vagões de trem, bondes, navios e os mais diversos tipos de meios de transporte, um dos temas de maior interesse nessa época, as

pessoas nunca haviam experimentado o desenvolvimento de tantas formas de deslocamento no espaço como nesse período. E as janelas dos trens eram a metáfora para a própria vivência, sentar-se confortavelmente e apreciar uma paisagem que passa diante dos olhos. Mas a popularidade dos panoramas tem relação também com a forma como as pessoas percebem o ambiente, como se estivessem sempre no centro.

20

PARENTE, André. O olhar do observador. Disponível:

E por que remontar a um dispositivo do século XVIII para vivenciar o espaço na atualidade? Talvez porque hoje, mais do que naquele tempo, as pessoas

desejam penetrar na paisagem. Enquanto os espectadores do panorama se encantavam com o movimento, principalmente com a velocidade, os

interagentes da atualidade se esforçam por vivenciar experiências em que possa desligar-se da realidade circundante, experimentar estar em outros locais, muitas vezes até imaginários, mas sem terem de se fixar a este local, podendo, a qualquer momento desligar o aparelho e voltar a sua vida cotidiana. É nesse sentido que proliferam os ambientes artificiais, onde os seres podem encontrar tudo que possuem no ambiente físico, mas com possibilidades que a fisicalidade não permite, como construir uma outra identidade, ser outra

pessoa, como é o caso do Second Life, mas poder, se não gostar da versão de si mesmo, alterá-la ou até mesmo deletá-la a qualquer momento. Um

comportamento que está no cerne do turista descrito por Bauman, aquele ser que não se fixa a lugar algum, mas está sempre pronto para dedicar-se a uma nova aventura.

Џ

CONCLUSÃO

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