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Na Atenas contemporânea, os transportes coletivos se chamam metaphorai. Para ir para o trabalho ou voltar para casa, toma-se uma ‘metáfora’ – um ônibus ou um trem. Os relatos poderiam igualmente ter esse belo nome: todo dia, eles atravessam e organizam lugares; eles os selecionam e os reúnem num só conjunto; deles fazem frases e itinerários. São percursos de espaços.

Michel de Certeau, A invenção do cotidiano.

A deriva é uma forma de atribuir significado aos espaços. Ela se desenvolveu num período de grandes mudanças sociais. Uma incursão pelo ato de caminhar, a deriva, enquanto manifestação artística só poderia começar por um movimento de vanguarda, no contexto do desenvolvimento das grandes metrópoles, do nascimento da multidão e da velocidade enquanto condição prioritária para se conseguir alcançar as mudanças sociais, econômicas, tecnológicas e culturais que se multiplicavam em ritmo vertiginoso. Período que assistiu a guerras, ao nascimento e morte de grupos político-ideológicos e que fundou as bases para o desenvolvimento da pós-modernidade.

Apesar de, no contexto atual, outras questões se colocarem para os indivíduos, a deriva ainda pode ser considerada uma forma de descobrir espaços, desvendar os sentidos que lhe são inerentes, mas agora elas são de uma outra ordem.

As obras a seguir relatadas estão diretamente ligadas com esta primeira deriva do Dadaísmo, assim como com a busca do inconsciente da cidade do Surrealismo ou de lugares afetivos, como na psicogeografia dos

situacionistas, os responsáveis pela popularização do termo deriva; mantém também relação com as obras landartistas e sua transformação de espaços entrópicos em arte. Todos estes aspectos, de alguma forma, fazem parte de obras que, apesar do uso de aparatos tecnológicos de ponta, ainda continuam tendo o mesmo propósito dos primeiros

dadaístas, qual seja: descobrir espaços e, mais do que isso, encontrar o sentido que lhe é inerente.

Afirmação que está relacionada com as idéias de Michel de Certeau (1994), para quem todos os “modos de fazer” praticados pelos seres resultam em produção, criação. Assim, “por exemplo, a análise das imagens difundidas pela televisão (representações) e dos tempos passados diante do aparelho (comportamento) deve ser completada pelo estudo daquilo que o consumidor cultural ‘fabrica’ durante essas horas e com essas imagens.” (CERTEAU, 1994, v.1: p. 39). Assim é o ato de cozinhar, o ato de conversar, de ler um jornal e, em especial, o de andar. Caminhar é, para o autor, comparado ao ato de ler, uma forma de apropriar-se da produção do outro, atribuindo sentido,

construindo uma nova obra.

E é, para ele, no chão que reside o verdadeiro ato de vivenciar a cidade, sendo os pedestres escritores de um texto urbano, do qual fazem uma leitura incipiente, visto que não têm uma visão integral do ambiente pelo qual

caminham, apreendendo dele apenas algumas partes, trechos que compõem seu mapa mental da cidade, mas que também fazem parte dos diversos mapas mentais dos outros habitantes que também já foram escritores daquele mesmo espaço.

As redes dessas escrituras avançando e entrecruzando-se compõem uma história múltipla, sem autor nem espectador, formada de fragmentos de trajetórias e em alterações de espaços: com relação às representações, ela permanece

cotidianamente, indefinidamente, outra. (CERTEAU, 1994, v. 1, p. 171).

Mas as obras descritas a seguir vão mais longe do que apenas percorrer espaços, elas têm como característica principal o uso do próprio espaço

informacional, das ferramentas tecnológicas nele disponíveis, para promover a interação com o espaço urbano, em especial os vazios, os lugares periféricos e entrópicos, que, muitas vezes são evitados pelos próprios habitantes, mas que podem conter, como mostram estas obras, grande carga de significados.

No espaço urbano vivenciado na atualidade, a intenção dos artistas não é tanto reorganizar a cidade, mas sim, desenvolver formas de se movimentar pelos espaços, inserir-se nos fluxos que passam pelas ruas, pelos cabos, pelas antenas, pelos painéis, pela diversidade de aparelhos que os transeuntes carregam. O objetivo é saltar de um ponto a outro das redes de relações entre os seres ou entre os pontos de dados. E quando se aproximam de uma

metáfora textual, ela se assemelha mais a um hipertexto5, com links que

5 A grande quantidade de textos que se dissertam sobre o hipertexto faz com que sua definição

se torne repetitiva e, muitas vezes, de acordo com o público a que se destina um fala, desnecessária. Apesar disso, é relevante frisar a definição de hipertexto aqui utilizada baseia- se na formulada por Teodor Nelson e Vannevar Bush e publicada por Pierre Levy (1993) na obra As tecnologias da inteligência – o futuro do pensamento na era digital, qual seja:

permitem unir informações díspares, interagir com palavras, imagens e sons ao mesmo tempo, sem se preocupar com a linearidade e a coerência, mas

primando pela mobilidade – elemento-chave da sociedade informacional.

3.1 Relatos urbanos

“In ciberspace, people became places”

É esta frase que pontua a obra 253 – a novel for the internet about London Underground in seven cars and a crash6, de Geoff Ryman. Em um metrô de Londres, constituído por sete vagões, somando um total de 253 pessoas, 252 passageiros mais o motorista, pessoas estranhas umas às outras se

encontram, são forçadas a uma convivência juntas, ao menos pelo tempo que dure o trajeto. Cada passageiro permanece em seu estado individualizado absorto em seus pensamentos enquanto o metrô segue percorrendo as estações.

Esse é o cenário onde se desenrolam as histórias que compõem esta obra de ficção, acessível por um site na internet. Hoje constitui-se uma obra acabada, ou seja, não é mais modificada, permanecendo na rede apenas como forma de registro de uma experiência realizada, mas durante um certo período, ela se

“[hipertexto é] um conjunto de nós ligados por conexões. Os nós podem ser palavras, páginas, imagens, gráficos, ou partes de gráficos, seqüências sonoras, documentos complexos que podem eles mesmos ser hipertextos. Os itens de informação não são ligados linearmente, como em uma corda com nós, mas cada um deles ou a maioria, estende suas conexões em estrela, de modo reticular. Navegar em um hipertexto significa portanto desenhar um percurso em uma rede que pode ser tão complicada quanto possível, porque cada nó pode, por sua vez, conter uma rede inteira”. (p.33)

6253 - a novel for the internet about London Underground in seven cars and a crash, de Geoff

constituía em uma produção narrativa7 coletiva, ou seja, um formato de construção de histórias que conta com a participação do público, enviando trechos de textos e comentários.

A obra é formada por blocos de texto, cada um deles correspondente a um personagem que se encontra num dos vagões. O interagente pode escolher no mapa do trajeto do metrô por onde começar sua interação, qualquer um dos vagões está acessível e todos estão interligados por links. Uma tabela simboliza o vagão com a posição de cada passageiro, que é identificado por um número, por seu nome e aspectos que o caracterizem; por exemplo, entre os passageiros do vagão 1, estão: “1. TAHSIN CILECKBILECKLI: driver”;“2. VALERIE TUCK, badges and identity”; “37. RICHARD TOMLINSON, love and death”; “3. DEBORAH PAYNE, brains and beauty”; “36. JASON LOVERIDGE, brains and beauty”; “4. DONALD VARDA, an American werewolf”; “35. MARIE BREATNACH, brains and beauty” e assim por diante.

Ao clicar no nome de um personagem, o interagente é direcionado para a sua página, a qual consta de uma descrição do indivíduo sob três aspectos: 1) sua aparência física, 2) sua aparência interior ou poderia-se nomear de particular, privada, as características do ser que poucas pessoas de seu convívio têm acesso e 3) uma descrição do que está fazendo ou pensando naquele

momento. Nessas descrições há duas presenças ainda: a do narrador e a do

7A narrativa abordada

neste estudo é de um tipo especial, realizada por meio de ferramentas e em suportes eletrônicos, que acabam por

condicionar seu formato e seu conteúdo

. Estas narrativas carregam muito de um formato literário – o relato de viagens – que foi bastante

apreciado durante os séculos XVIII e XIX e para o qual nomes célebres da literatura contribuíram, como o alemão Goethe.

Assim, a concepção de narrativa aqui utilizada é a de um encadeamento de fatos e eventos – reais ou imaginários – relatados por meio da escrita, de uma seqüência de imagens ou até da produção do mapa de um percurso realizado.

interagente, sendo que o segundo tem acesso aos personagens pela fala do primeiro.

Abaixo, um exemplo de uma dessas páginas de descrição:

Entre os textos, estão links que remetem a outras personagens ou a textos informativos, o leitor pode percorrê-los ao seu gosto. Como se pudesse realizar o antigo desejo humano de saber quem são as pessoas que o circundam, o que fazem, o que pensam. Atitude essa que tem semelhança com o retrato esboçado por Walter Benjamin (1985) quando fala das fisiologias, obras

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