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Tendo vivenciado o período de efervescência de movimentos como o

Dadaísmo e o Surrealismo, Guy-Ernest Debord, em 1951 – ainda um jovem (e como tal) – buscava integrar-se a algum movimento no qual pudesse colocar

em prática suas idéias políticas. Nesse ano, durante o festival de cinema de Cannes, encontrou um grupo que parecia possuir influências e interesses semelhantes aos seus, os letristas de Isidore Isou.

Mas a amizade não durou muito, no primeiro filme que produziram juntos, Hurlements en faveur de Sade, os artistas entraram em conflito, levando Debord a fundar seu próprio grupo intelectual, a Internacional Letrista (IL). O grupo publicou, durante 1952 e 1957, dois periódicos – Internacionale Lettriste e Potlatch – com textos que seriam a base para as práticas de apreensão do espaço difundidas durante as décadas de 50 e 60.

Já no primeiro número de Potlach, em junho de 1954, no texto Lê jeu

psychogéographique de la semaine, aparece uma proposta de psicogeografia, prática que será a base de todo o movimento e que consiste em mapear o comportamento afetivo dos indivíduos em determinados espaços. Na descrição abaixo, de como preparar um local “satisfatório” pode-se observar, em alguns aspectos, uma semelhança com a forma de construção de poemas dadaísta, principalmente no tom instrutivo do discurso; mas, neste caso, a colagem, no Dadaísmo, de trechos de textos, será substituída, aqui, por espaços e

sentimentos:

(...) Em função do que você procura, escolha uma região, uma cidade de razoável densidade demográfica, uma rua com certa animação. Construa uma casa. Arrume a mobília. Capriche na decoração e em tudo que a completa. Escolha a estação e a hora. Reúna pessoas mais aptas, os discos e a bebida convenientes. A iluminação e a conversa devem ser apropriadas, assim como o que está em torno ou suas

recordações. Se não houver falhas no que você preparou, o resultado será satisfatório. (JACQUES, 2003, p. 16).

O grupo Internacional Letrista compartilhava com os dadaístas o desejo de assumir uma posição anti-arte, na qual a deriva era uma de suas principais formas de expressão. A deriva era uma prática que ia contra as regras da arte e do consumo, uma ação que não deixava pistas, não se preocupava com a representação e nem com sua conservação no tempo.

As derivas iniciaram-se como uma errância juvenil pelas ruas de Paris, durante a noite, mas, com o tempo foram assumindo um caráter de teoria. Em Résumé 1954, Debord e Fillon assinam um texto que explica o seu significado:

(...) As grandes cidades são favoráveis à distração que chamamos de deriva. A deriva é uma técnica do andar sem rumo. Ela se mistura à influência do cenário. Todas as casas são belas. A arquitetura deve se tornar apaixonante. Nós não saberíamos considerar tipos de construção menores. O novo urbanismo é inseparável das

transformações econômicas e sociais felizmente inevitáveis. É possível pensar que as reivindicações revolucionárias de uma época correspondem à idéia que essa época tem da felicidade. A valorização dos lazeres não é uma brincadeira. Nós sentimos em que é preciso inventar novos jogos. (JACQUES, 2003, p. 17).

Para estes artistas, o fracasso das deambulações surrealistas se deu por causa da grande importância que colocaram no inconsciente e no acaso, categorias que também poderiam ser encontradas nas derivas letristas, mas que eram trabalhadas por estes de uma forma diferente, a ênfase estava na realidade, o campo de ação era a vida, o cotidiano e a cidade real; o espaço urbano era um terreno passional objetivo, não somente subjetivo e

Ou seja, para eles, era impossível separar a vida entre uma existência real alienante e uma existência imaginária maravilhosa; assim como os dadaístas enxergavam no presente o que os futuristas esperavam encontrar no futuro, os situacionistas enxergavam na vida real os aspectos maravilhosos que os surrealistas encontravam nos sonhos e no inconsciente. Suas práticas de construção de situações baseavam-se no controle dos meios e dos comportamentos que poderiam experimentar. Ao invés de sonhar, os situacionistas buscavam atuar.

Assim, aquelas descrições do inconsciente da cidade, freqüentes nas

produções surrealistas, vão dar lugar a um novo gênero literário configurado sob a forma de guias de viagem, “manuais” de como utilizar a cidade, com ênfase em locais exóticos, onde se poderia encontrar variados grupos étnicos, pelos quais se deveria andar a pé, a partir do local considerado o quartel- general letrista, a Place Contrescarpe.

De certa forma, prevendo algo que viria a acontecer nas grandes metrópoles mundiais, em 1953, contando apenas dezenove anos, Ivan Chtcheglov,

conhecido como Gilles Ivain, escreve Formulário para um novo urbanismo, no qual, utilizando-se pela primeira vez da palavra “deriva”, ele expressa sua preocupação em repensar a arquitetura frente à cidade que se erguia, “mutante e modificada constantemente por seus habitantes, na qual sua principal

atividade será uma deriva contínua.” (CARERI, 2002, p. 100). Texto que será seguido por Introdução a uma crítica da geografia urbana e de Teoria da deriva, de Guy Debord, nos quais ele expõe alguns métodos de

Apesar de os métodos utilizados pelos letristas também comportarem o acaso, não é nele que a deriva irá se basear, visto que tem objetivos e métodos definidos, como fixar antecipadamente, com base nas cartografias

psicogeográficas, as direções de penetração na unidade ambiental a ser analisada; calcular a extensão do espaço a observar, que pode variar de um grupo de casas até um bairro, ou o conjunto de uma grande cidade, com suas periferias; a deriva deve ser realizada em grupos de dois a três pessoas reunidas por um mesmo estado de consciência, visto que as impressões dos distintos grupos deve permitir que se chegue a conclusões objetivas; sua duração deve fixar-se em um dia, mas pode estender-se por semanas ou até meses, em função das variações climáticas e da possibilidade de haver pausas.

Guy Debord relaciona ainda outras formas de praticar a deriva, como:

(...) a ‘deriva estática consiste em não sair durante todo um dia da Gare Saint-Lazare (...), a “cita posible” (...) e inclui também certas brincadeiras consideradas equívocas, que têm sido sempre censuradas em nosso entorno, como, por exemplo, introduzir-se de noite nas casas em demolição, percorrer sem parar Paris de carona durante uma greve de transportes para agravar a confusão, ou errar pelos subterrâneos das catacumbas proibidas ao público’. (CARERI, 2002, p. 102).

No ano de 1954, a Galerie du Passage transforma-se em extensão dos

espaços letristas, com a exposição 66 metágraphies influentielles, na qual são apresentados alguns trabalhos de colagens, como as realizadas por Gil J. Wolman, produzidos a partir de recortes de jornais, logotipos e outros “retalhos” de imagens que compunham a cidade para os letristas. A mesma técnica é utilizada por Gilles Ivain para compor um mapa de Paris sobre o qual se

encontravam colados recortes de ilhas, arquipélagos e penínsulas retirados de um mapa-múndi.

Pode-se afirmar que estas observações e práticas realizadas na cidade tinham como objetivo redescobrir os lugares diferenciais do espaço urbano, o exótico estava ao alcance da mão, bastava perder-se e explorar os locais.

Em 1957, após um encontro entre vários grupos que compartilhavam ideais como os do grupo Internacional Letrista, de consolidação de uma nova apreensão do espaço, da participação ativa no cotidiano da cidade e do desenvolvimento de técnicas de construção de uma arquitetura, mais libertadora, Guy Debord e seus companheiros fundaram a Internacional Situacionista.

As principais questões de oposição dos situacionistas eram a cultura do espetáculo, a alienação, a não-participação, a passividade da sociedade. Contra todos esses aspectos, eles ofereciam como “vacina” a participação ativa dos indivíduos em todos os setores sociais. Assim, o espaço urbano se

configurava como o terreno ideal para a ação, a produção de novas formas de luta, de intervenção, de reação contra a monotonia da vida moderna.

Primeiramente concentraram-se em propostas de construção de cidades reais, para, à medida que desenvolviam suas investigações, passarem a uma crítica feroz contra o urbanismo e o planejamento, defendendo a edificação coletiva do espaço urbano, inclusive (e principalmente) com a participação de seus habitantes; ao invés de acreditar que o urbanismo poderia mudar a sociedade,

como acreditavam os modernos, os situacionistas propunham que a sociedade deveria transformar a arquitetura e o urbanismo, por isso, deveria-se operar uma revolução da vida cotidiana, despertando os seres para a ação. A fala de Debord confirma esta idéia:

(...) Sabe-se que no princípio os situacionistas pretendiam, no mínimo, construir cidades, o ambiente apropriado para o despertar ilimitado de novas paixões. Porém, como isso evidentemente não era tão fácil, vimo-nos forçados a fazer muito mais. (JACQUES, 2003, p. 18).

Apesar de suas idéias revolucionárias, Paola Berenstein frisa que nunca houve efetivamente uma teoria urbanista situacionista, ou seja, os projetos não

visavam a aplicação efetiva nos espaços, como a construção de um edifício, por exemplo, mas sim uma proposta de apropriação e apreensão do espaço urbano:

(...) não existiu de fato um modelo de espaço urbano situacionista, apesar da tentativa renegada de Constant com a Nova Babilônia: o que existiu foi um uso, ou apropriação, situacionista do espaço urbano. Assim como não existiu uma forma situacionista material da cidade mas sim uma forma situacionista de viver, ou de experimentar a cidade. Quando os habitantes passassem de simples expectadores a construtores, transformadores e ‘vivenciadores’ de seus próprios espaços, isso sim impediria qualquer tipo de espetacularização urbana. (JACQUES, 2003, p. 20).

Dessas investigações pela cidade resultaram diversas produções, como relatórios, fotografias e até filmes. Mas o tipo de obra mais marcante do movimento situacionista foram os mapas elaborados por meio da técnica de colagem, reunião de recortes, bilhetes de trem, logotipos, enfim, uma infinidade de textos que caracterizavam os aspectos sensoriais da cidade.

Em 1957, Guy Debord lançou Guia psicogeográfico de Paris, um mapa

dobrável para ser distribuído entre os turistas, mas cujo principal objetivo ainda era difundir a prática do perder-se pela cidade, da deriva. O mapa mostra uma Paris rasgada em pedaços, sem unidade, na qual os únicos locais

reconhecíveis são alguns pontos do centro da cidade “flutuando em um espaço vazio”. O que liga esses espaços são flechas que devem ser seguidas pelo turista, baseando-se, assim, em relevos psicogeográficos, uma forma de experimentar a cidade de uma maneira subjetiva. O turista deve observar seus sentimentos, as sensações despertadas por determinados lugares.

No mesmo ano, Debord lança The naked city: ilustração da hipótese das placas giratórias na psicogeografia, uma representação da deriva, da psicogeografia e do urbanismo unitário, realizada por meio da reunião de recortes do mapa da cidade de Paris em preto e branco, ligados por setas vermelhas; os recortes simbolizam os locais mais carregados de sentidos, sentimentos, enquanto as setas funcionam como as ligações entre esses locais, as derivas. O título da obra, The naked city, remete a um film noir que teria sido inspirado em um relatório policial,e também à questão de desvendar, desnudar a cidade,

explorá-la para além dos caminhos já percorridos e conhecidos. Já o subtítulo, ilustração da hipótese das placas giratórias na psicogeografia, faz referência às placas giratórias e às manivelas ferroviárias responsáveis pela mudança de direção dos trens, uma representação das mudanças de direção efetuadas durante as derivas. Na obra, a cidade se despe completamente e suas partes agora flutuam desorientadas, com os locais dispostos de forma dispersa, descontextualizados, como continentes à deriva dentro de um espaço líquido:

(...) Entre os bairros flutuantes se encontra o território vazio das amnésias urbanas. A unidade da cidade só pode ser o resultado da conexão de evocações fragmentárias. A cidade forma uma paisagem psíquica construída mediante vãos: há partes inteiras que são esquecidas, ou deliberadamente eliminadas, com o fim de construir no vazio infinitas cidades possíveis. É como se a deriva começasse a criar na cidade vórtices afetivos, como se a geração constante de paixões permitisse que os continentes assumissem uma autonomia magnética própria, e que empreendessem sua própria deriva através de um espaço líquido. (CARERI, 2002, p. 106).

Aliás, a referência ao mar, com ilhas, arquipélagos, correntes, continentes, percorrerá toda a obra desses artistas, como se a cidade flutuasse em um imenso oceano, pelo qual seus habitantes estariam quase sempre “à deriva”, a mercê do clima, das ondas. Deriva também faz referência a um outro elemento náutico que compõem as embarcações, a parte alargada da quilha que permite enfrentar as correntes, aproveitando sua energia e fixando uma direção. É como se quisessem dizer que a errância pode ser uma forma de redescobrir os espaços, criando novos territórios, novos locais para habitar, novos rotas para percorrer.

O espaço para os situacionistas deveria ser experimentado como um jogo, no qual se poderia inventar novas regras, libertando, assim, a atividade criativa das imagens sócio-culturais, arquitetando formas estéticas e revolucionárias de sobrepujar o controle social.

Na base dessas transformações estava a questão do uso do tempo e o conceito de trabalho. Com a automatização e a modificação dos sistemas de produção havia mais tempo livre que, dentro do sistema de poder, era

os trabalhadores eram levados a produzir, inclusive em seu tempo livre, consumindo dentro do sistema seus próprios rendimentos.

Nessa condição, para os situacionistas, o tempo livre deveria ser dedicado ao jogo, tinha de ser um tempo não útil, lúdico. Era necessário buscar no cotidiano dos seres seus desejos latentes e despertá-los, provocá-los e substituí-los, fazendo, desse modo, com que o tempo e o espaço escapassem às regras impostas pela cultura dominante, culminando na construção de espaços de liberdade, como incitava o slogan situacionista: “habitar é estar em casa em todas as partes”.

A construção de situações era a melhor forma, a mais direta, de libertar os espaços. Quanto à ela Guy Debord afirma:

(...) Nossa idéia é a construção de situações, isto é, a construção concreta de

ambiências momentâneas da vida, e sua transformação em uma qualidade passional superior. Devemos elaborar uma intervenção ordenada sobre os fatores complexos dos dois grandes componentes que interagem continuamente: o cenário material da vida e os comportamentos que ele provoca e que o alteram. (JACQUES, 2003, p. 21).

Desta forma, a deriva psicogeográfica era como um jogo, uma forma de desvendar a cidade, transformando o tempo útil em um tempo lúdico- construtivo, reapropriando-se do território, experimentando novos comportamentos e novas formas de viver a coletividade.

Por outro lado, com o fim da Segunda Guerra, as cidades necessitavam com urgência de uma reestruturação, principalmente no aspecto habitacional. Os projetos de Le Cobusier e a construção de seus conjuntos habitacionais, ainda

dominavam a pauta dos congressos e estudos arquitetônicos, principalmente como crítica a um modelo dito massificado e anti-humanizante.

Em busca de inserir o homem no contexto da arquitetura urbana e de dotar as cidades de aspectos mais afetivos, surgiram grupos como os situacionistas e o Team X. Havia um intercâmbio intenso de idéias entre os dois grupos. Aldo Van Eyck, um dos integrantes do Team X, e Constant, situacionista, eram grandes amigos, chegando a redigir um manifesto juntos. Ao lado de Van Eyck, Jacob Bakema foi responsável pela edição da revista Fórum, que publicava textos situacionistas e ajudou na difusão das maquetes e imagens da obra de Constant, Nova Babilônia , é um dos projetos mais significativos desse período, assim definido pelo próprio artista:

Nova Babilônia não é um projeto de urbanismo. Também não é uma obra de arte no sentido tradicional do termo, nem um exemplo de estrutura arquitetônica. Pode-se apreendê-la na forma atual, como uma proposta, uma tentativa de materializar a teoria do urbanismo unitário, para se obter um jogo criativo com um ambiente imaginário, que está aí para substituir o ambiente insuficiente, pouco satisfatório, da vida atual. A cidade está morta, vítima da utilidade. Nova Babilônia é um projeto de cidade onde se pode viver. E viver quer dizer criar. (JACQUES, 2003, p. 29).

Em 1956, em Alba, Asger Jorn e Pinot Gallizio instalaram o Laboratório

Experimental para uma Bauhaus Imaginista, onde o nomadismo era praticado como um rompimento com as regras da sociedade. Depois de uma visita a um desses acampamentos nômades em um terreno de Pinot Gallizio, Constant descobre um aparato conceitual que pretendia colocar em crise os

fundamentos sedentários da arquitetura funcionalista. Seu primeiro trabalho nesse sentido é um projeto para o acampamento cigano de Alba, mas logo

passa a imaginar toda a cidade projetada para permitir uma nova sociedade nômade que se estenderia por todo o planeta; seus trabalhos até meados anos setenta refletirá esse desejo.

Nesse projeto está o cerne do urbanismo unitário que, assim como a proposta dadaísta de superação da arte, tinha como objetivo a superação da arquitetura, confluindo um conjunto de artes na construção do espaço do homem, que voltaria a assumir a atitude primordial da autodeterminação do próprio ambiente e da recuperação do instinto da construção da própria morada e, desta forma, da própria vida. A função do arquiteto deveria ser a de construtor de ambientes totais, cenários de um sonho diurno, considerando o espaço urbano como um terreno relacional de um jogo de participação.

Em um texto coletivo de dezembro de 1959, publicado na Internacional Situacionista, há uma definição de Urbanismo unitário:

(...) [O urbanismo unitário] opõe-se ao espetáculo passivo, típico de nossa cultura. (...) Enquanto hoje as próprias cidades se oferecem como um lamentável espetáculo, um anexo de museu para turistas que passeiam em ônibus envidraçados, o urbanismo unitário vê o meio urbano como terreno de um jogo do qual se participa. O urbanismo unitário não está idealmente separado do atual terreno das cidades. É formado a partir da experiência desse terreno e a partir das construções existentes. Deve tanto

explorar os cenários atuais, pela afirmação de um espaço urbano lúdico tal como a deriva o reconhece, quanto construir outros, totalmente inéditos. Essa interpretação (uso da cidade atual, construção da cidade futura) implica o manejo do desvio arquitetônico. O urbanismo unitário não aceita a fixação das cidades no tempo. (JACQUES, 2003, p. 15).

Baseado nesses conceitos e com o objetivo de superar a anti-arte dos dadaístas e o próprio conceito de nomadismo, Constant tenta conceber uma arquitetura megaestrutural e labiríntica, materializada no ato de andar. É uma nova cidade situacionista. Diferente dos mapas de Debord, nos mapas de Constant, os pedaços da cidade voltam a se unir para formar uma nova cidade, na qual os elementos – bairros, percursos, ruas, trajetos de derivas – formam uma unidade.

(...) ‘Nova Babilônia não termina em parte alguma (uma vez que a Terra é redonda); não conhece fronteiras (uma vez que não existem economias nacionais) nem coletividades (uma vez que a humanidade é flutuante). Todos os lugares são acessíveis, desde o primeiro até o último. Toda a Terra se converte em uma única morada para seus habitantes. A vida é uma viagem através de um mundo que muda tão rapidamente que cada momento parece distinto’. (CARERI, 2002, p. 118).

O projeto de Constant era utópico, dedicado à reflexão e à crítica do presente por meio de uma visão do futuro, baseado na idéia da construção de uma nova sociedade formada pelo homo ludens que substituiria o homo faber, mais uma vez a alusão ao jogo, ao caráter lúdico da interação com o espaço: “Até agora a principal atividade do homem foi a exploração do meio natural. O homo ludens vai transformar, recriar esse meio, segundo novas necessidades.” (CONSTANT apud JACQUES, 2003, p. 29). Afirmação que é reiterada no artigo Ariane au chômage:

Enquanto na sociedade utilitária se persegue a otimização do espaço, garantia de eficácia e economia de tempo, em Nova Babilônia se privilegia a desorientação que promove a aventura, o jogo, a mudança criadora. O espaço de Nova Babilônia tem todas as características de um espaço labiríntico onde os movimentos podem ocorrer

sem impedimentos de ordem espacial ou temporal. (CONSTANT apud JACQUES, 2003, p. 29).

Mas justamente este projeto levaria Constant a se desligar do grupo situacionista. Nova Babilônia foi projetada para ser uma cidade nômade mundial, ou melhor, “uma cidade móvel para uma população nômade sem fronteiras”, construída coletivamente por aqueles que a habitam, no decorrer de suas derivas. Era a materialização do pensamento situacionista. Mas foi

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