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A Implantação e o Desenvolvimento da Economia Açucareira

2 O CORTE DA CANA-DE-AÇÚCAR E A MIGRAÇÃO: COMBINAÇÃO IDEAL PARA A

2.1 UM BREVE ESTUDO SOBRE A FORMAÇÃO ECONÔMICO-POLÍTICA BRASILEIRA: O

2.1.1 A Implantação e o Desenvolvimento da Economia Açucareira

Furtado (1970) observa que o início da ocupação econômica do território brasileiro representa, particularmente, a pressão política exercida sobre Portugal e Espanha pelas demais nações europeias. Prevalecia o entendimento de que espanhóis e portugueses só tinham direito às terras que efetivamente ocupassem.

De acordo com Freyre (2003), somente em 1532 a sociedade brasileira passou a se organizar economicamente. A base era a agricultura, e as condições foram dadas pela estabilidade patriarcal da família e pela regularidade do trabalho por meio da escravidão. “Formou-se na América tropical uma sociedade agrária na estrutura, escravocrata na técnica de exploração econômica, híbrida de índio − e mais tarde de negro − na composição” (idem, p. 65). Assim, as relações entre as raças, desde a primeira metade do século XVI, foram condicionadas pela colonização agrária, isto é, pela monocultura latifundiária, representada principalmente pela cana-de-açúcar.

Essa organização agrária, que “corresponde à exploração agrícola em larga escala, [...], não resulta de uma simples escolha, alternativa eleita entre outras que se apresentavam à colonização” (PRADO JÚNIOR, 1987, p. 119). A grande exploração agrária é consequência natural e necessária

para a ocupação e aproveitamento deste território que havia de ser o Brasil: o caráter tropical da terra, os objetivos que animam os colonizadores, as condições gerais desta nova ordem econômica do mundo [...]. São estes, em última análise, os fatores que vão determinar a estrutura agrária do Brasil-colônia. Os três caracteres apontados: a grande propriedade, monocultura, trabalho escravo, são formas que se combinam e completam (idem, p. 119-120).

Segundo Junqueira (2006), a cana-de-açúcar procede da Nova Guiné, chegando à Índia uns dois mil anos antes da era cristã. No Brasil, oficialmente, foi Martim Affonso de Souza que, em 1532, trouxe a primeira muda de cana-de-açúcar e iniciou seu cultivo na Capitania de São Vicente. Lá, ele mesmo construiu o

62 primeiro engenho de açúcar, denominado de "Governador" e, depois, "São Jorge dos Erasmos". Era o início de uma indústria que encontrou no Brasil, entre todas as nações que mais tarde também se tornariam produtoras, seu campo mais fértil para uma rápida expansão e perpetuação (MACHADO, 2003).

O sistema patriarcal de colonização portuguesa do Brasil, representado pela casa-grande, exprimiu uma imposição imperialista dos europeus33. A casa-grande de engenho que o colonizador começou, ainda no século XVI, representou uma expressão nova, correspondendo ao ambiente físico do país e, ao mesmo tempo, a uma fase inesperada do imperialismo português: a atividade agrária e o patriarcalismo rural e escravocrata. “A sociedade colonial no Brasil, principalmente em Pernambuco e no Recôncavo da Bahia, desenvolveu-se patriarcal e aristocraticamente à sombra das grandes plantações de açúcar” (FREYRE, 2003, p. 79).

Segundo este autor, a casa-grande34, completada pela senzala, representava todo um sistema econômico, social e político: de produção (a monocultura latifundiária); de trabalho (a escravidão); de transporte (o carro de boi, o cavalo); de religião (o catolicismo de família); de vida sexual e de família (o patriarcalismo polígamo); de política (o compadrismo). Foi ainda fortaleza, banco, cemitério, hospedaria, escola.

Prado Júnior (1987) afirma que a primeira grande lavoura brasileira foi a da cana-de-açúcar, que contribui pioneiramente para a colonização, pois serviu de base material para o estabelecimento do europeu no território brasileiro. Freyre (2003) complementa que a cultura da cana de açúcar condicionou o desenvolvimento econômico e social da colônia portuguesa na América, sendo o pressuposto da organização agrária e ofertando, dessa maneira, possibilidades de permanência e fixação aos grandes latifundiários portugueses.

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Ao longo dos séculos de colonização, não só a cana-de-açúcar fundamentou a ocupação do território. Não se pode esquecer o peso da pecuária, à qual se deve a ocupação de boa parte do interior da colônia, e a mineração, que mesmo não tendo grande significância nesse aspecto, não pode ser ignorada.

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A casa-grande, embora associada particularmente ao engenho de cana, não deve ser considerada expressão exclusiva do açúcar, mas da monocultura escravocrata e latifundiária em geral. Como simples exemplo pode-se citar a cultura de café no sul do país (FREYRE, 2003).

63 A distribuição geográfica da cana é ampla; encontramo-la disseminada por todo litoral, do Extremo-Norte, no Pará, até o sul, em Santa Catarina; e no interior, salvo nas regiões semi-áridas do sertão nordestino, ela aparece, em maior ou menos escala, por todas as zonas habitadas do território da colônia. [...] Os seus grandes centros produtores, aqueles que "contam", restringem-se a algumas poucas e restritas áreas do litoral. É aí que se localiza o que propriamente constitui a grande lavoura açucareira (PRADO JÚNIOR, 1987, p. 144).

O litoral nordestino, da Paraíba a Sergipe, e o Recôncavo baiano, formam as duas áreas mais importantes e mais antigas das plantações. No primeiro, as plantações de cana e os engenhos se condensam no curso dos pequenos rios, desde o Mamanguape, na Paraíba, multiplicando-se consideravelmente em Pernambuco, até o rio Real, em Sergipe. Os rios serviram de vias de acesso, comunicação e transporte dos produtos (ibidem).

A organização da lavoura canavieira, que possui traços gerais mais ou menos idênticos em todo o país, tem por elemento central o engenho35, no qual podiam ser encontradas as instalações para a manipulação da cana e preparo do açúcar. De acordo com Prado Júnior (1987, p. 147), “o engenho é um verdadeiro mundo em miniatura, em que se concentra e resume a vida toda de uma pequena parcela de humanidade”.

Para este autor, cada unidade produtora, combinando áreas extensas e numerosos trabalhadores, constitui-se como uma usina, com organização coletiva do trabalho e mesmo especializações. Isso se observa em particular na produção típica da agricultura colonial: a do açúcar, em que o engenho, com seu conjunto de máquinas e aparelhamentos, forma uma verdadeira organização fabril. Pode-se perceber que a economia brasileira, mesmo apresentando traços de uma estrutura feudal, como a grande concentração de terras, estava inserida no contexto capitalista, fazendo aparecer, ainda que discretamente, traços da indústria.

Entre o fim do século XVI e parte do século XVII, o Brasil “teria força de trunfo no jogo das competições imperialistas das nações européias” (FREYRE, 2003, p. 291). Isso era devido à valorização do açúcar nos mercados da Europa. Assim, o açúcar tornou-se artigo de luxo, sendo vendido a preços elevadíssimos e dando lucros enormes a produtores e intermediários.

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Prado Júnior (1987) anota que em 1799, segundo um Almanaque daquele ano, havia 616 engenhos de açúcar, principal riqueza, e 253 de aguardente.

64 Com a vida mais descansada e mais fácil para os colonos; com o açúcar vendido em quantidade maior e por melhores preços na Europa do que nos princípios do século XVI, desenvolveu-se dos fins desse século aos começos do XVII, não tanto o luxo, como desbragada luxúria entre os senhores de engenho do Brasil (FREYRE, 2003, p. 548).

De acordo com o autor acima, de modo geral, onde a agricultura se desenvolveu, dominou no Brasil escravocrata o latifúndio, sistema que viria privar a população colonial do suprimento equilibrado e constante de alimentação sadia e fresca. Os mantimentos de primeira necessidade eram caros ou mesmo escassos entre os habitantes.

Em suma, o que se verifica é que se abre um “vácuo imenso entre os extremos da escala social: os senhores e os escravos; a pequena minoria dos primeiros e a multidão dos últimos” (PRADO JÚNIOR, 1987, p. 281). O primeiro grupo é representado pelos primeiros dirigentes da colonização, pelos bem classificados na hierarquia e na estrutura social da colônia; os outros são expressos pela massa trabalhadora. Freyre (2003) acrescenta que o antagonismo econômico se esboçaria mais tarde entre os homens de maior capital – que podiam suportar os custos da agricultura da cana e da indústria do açúcar – e os menos favorecidos de recursos, os subordinados e dominados.

Prado Júnior (1987) enfatiza que o clã patriarcal, na forma em que se apresenta, é algo específico da organização brasileira, que absorve a maior parcela da produção e da riqueza coloniais. Quem realmente possui autoridade e prestígio é o senhor rural, o grande proprietário.

Se o ponto de apoio econômico da aristocracia colonial deslocou-se da cana- de-açúcar para o ouro, e mais tarde para o café, manteve-se o instrumento de exploração: o braço escravo. A monocultura latifundiária, mesmo depois de abolida a escravidão, achou jeito de subsistir em alguns pontos do país, criando um proletariado de condições menos favoráveis de vida do que a massa escrava. Era de surpreender o fato de haver terras no Brasil, nas mãos de um só homem, maiores que Portugal inteiro (FREYRE, 2003).

Ainda segundo Freyre, tamanho era o cultivo e a importância dada à cana-de- açúcar, num país por excelência açucareiro e latifundiário, que no fim do século XVIII e início do XIX calculava-se que “a melhor terra agrícola” estava sob o domínio

65 de oito ou dez senhores de engenho. Estes só permitiam aos rendeiros plantar cana caso ficassem com parte da produção.

Evidencia-se, portanto, a instabilidade da riqueza agrária baseada em um só produto, seja ele o açúcar ou o café. A economia agroexportadora brasileira mostra- se dependente das grandes flutuações dos mercados consumidores internacionais.