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Open Trabalhadores migrantes no corte da canadeaçúcar: precarização e exploração do trabalho

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Academic year: 2018

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UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA

CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM SERVIÇO SOCIAL

TRABALHADORES MIGRANTES NO CORTE DA CANA-DE-AÇÚCAR:

precarização e exploração do trabalho

NATALY DE SOUSA PINHEIRO

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NATALY DE SOUSA PINHEIRO

TRABALHADORES MIGRANTES NO CORTE DA CANA-DE-AÇÚCAR:

precarização e exploração do trabalho

Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Serviço Social da Universidade Federal da Paraíba, área de concentração Política Social, linha de pesquisa Relações Sociais e Processo de Trabalho no Mundo Contemporâneo, como requisito parcial para obtenção do título de mestre.

Orientadora: Profa. Dra. Maria Augusta Tavares

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NATALY DE SOUSA PINHEIRO

TRABALHADORES MIGRANTES NO CORTE DA CANA-DE-AÇÚCAR:

precarização e exploração do trabalho

Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Serviço Social da Universidade Federal da Paraíba, área de concentração Política Social, linha de pesquisa Relações Sociais e Processo de Trabalho no Mundo Contemporâneo, como requisito parcial para obtenção do título de mestre.

Aprovada em: _____/_____/_______.

BANCA EXAMINADORA:

Profa. Dra. Maria Augusta Tavares

Departamento de Serviço Social/UFPB – Orientadora

Prof. Dr. Enoque Feitosa Sobreira Filho

Centro de Ciências Jurídicas/UFPB – Membro Externo

Prof. Dr. Paulo Cândido da Silva

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AGRADECIMENTOS

Escrever não é tarefa fácil, pois consiste num momento de solidão intelectual a que se somam as inevitáveis renúncias. Mesmo este sendo um processo que requer certo isolamento, há muitas pessoas que são fundamentais para o seu êxito. Torna-se necessário, portanto, fazer alguns agradecimentos. Assim, agradeço:

A Deus, pelo dom da vida, pela inteligência e sabedoria dadas; por todas as bênçãos que derrama em meu caminho, pelo aconchego e luz espiritual, pela coragem e pela força, por sempre ter me mostrado os melhores trajetos a seguir.

A minha Mãe (minha Mãinha), minha heroína, meu tudo, por ter me dado a vida, por ter me educado e continuar me educando; pelo apoio, pelo amor incondicional; pelas comemorações nos momentos de alegria, por todo o incentivo nas horas difíceis, pelas palavras de conforto, por ser um exemplo de mulher e de mãe; por sempre me ajudar, por nunca me abandonar.

A meus irmãos Micael e Natálya, pelo amor, pelo afeto, carinho, respeito; pelo incentivo, pela presença marcante ao longo da minha vida; pela alegria que me dão quando estamos juntos; pelas risadas que me proporcionam com suas histórias engraçadas; por terem me feito crescer como pessoa; pelo orgulho que me fazem ter de seus talentos e esforços.

A meu avô José Laurentino (in memoriam), minhas avós Maria de Lourdes (in memoriam) e Maria Rita, pelo apoio familiar e confiança; pelo carinho e por todo o cuidado que tiveram com sua neta mais velha.

A meus tios, em especial Tias Leninha e Joseane, tios Francisco, Luís Claúdio, Damião, Cícero, Paulinho, José, pela preocupação e pelos elogios exorbitantes.

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grande contribuição à minha formação pessoal e profissional; por todo o conhecimento a que pude ter acesso.

Aos professores componentes da banca examinadora: Prof. Enoque, de quem tive o privilégio de ser aluna no curso de Direito do CCJ, docente de capacidade intelectual inestimável; e Prof. Paulo Cândido, pela gentileza em ter aceitado participar da avaliação do meu trabalho.

Aos professores do Programa de Pós-Graduação em Serviço Social da Universidade Federal da Paraíba que contribuíram significativamente para o meu aprimoramento teórico durante o mestrado. Em especial, às professoras Cláudia Gomes, Bernadete Almeida e Marinalva Conserva, como também a professora Ana Paula Miranda, pela oportunidade que me concedeu para realizar o estágio docência.

Aos meus colegas de trabalho, e grandes amigos, Ziza Maia, Marconi Amorim e Enezita Guilherme, pela amizade, carinho e incentivo; pela preocupação e pelo comprometimento profissional; por entenderem todos os momentos em que precisei me ausentar em razão das atividades acadêmicas.

As minhas amigas de longa data, Madalena Dias, Nayara Matias, Adelina Moreira, Mayara Martins e Gabrielle Tayanne, com as quais vivenciei alguns dos melhores momentos pelos quais já passei, pois sempre me apoiaram e torceram por mim.

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O AÇÚCAR

Ferreira Gullar

O branco açúcar que adoçará meu café nesta manhã de Ipanema

não foi produzido por mim

nem surgiu dentro do açucareiro por milagre.

Vejo-o puro

e afável ao paladar

como beijo de moça, água na pele, flor

que se dissolve na boca. Mas este açúcar não foi feito por mim.

Este açúcar veio

da mercearia da esquina e tampouco o fez o Oliveira, dono da mercearia.

Este açúcar veio

de uma usina de açúcar em Pernambuco ou no Estado do Rio

e tampouco o fez o dono da usina.

Este açúcar era cana

e veio dos canaviais extensos que não nascem por acaso no regaço do vale.

Em lugares distantes, onde não há hospital nem escola,

homens que não sabem ler e morrem de fome aos 27 anos

plantaram e colheram a cana que viraria açúcar.

Em usinas escuras, homens de vida amarga e dura

produziram este açúcar branco e puro

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RESUMO

Este trabalho tem como objeto de pesquisa a análise das relações de produção no corte da cana-de-açúcar. Para este estudo, o trabalho do cortador de cana se consubstancia em elemento central, pois sua atividade retrata fielmente a contradição capital-trabalho, permeada pela intensa exploração e precarização da classe trabalhadora. A pesquisa tem como objetivo geral a compreensão das relações de trabalho que permeiam o processo produtivo inerente aos trabalhadores migrantes sazonais, particularmente as condições de vida e de produção de trabalhadores paraibanos que migram do município de Tavares, interior da Paraíba, para cortar cana no Estado de São Paulo. Dada a perspectiva teórica que orienta a análise, realiza-se um breve estudo a respeito do surgimento, desenvolvimento e elementos centrais do capitalismo, para chegar à atual conjuntura econômica, a qual se caracteriza pela reestruturação produtiva e pela flexibilização da produção. A partir daí, abordam-se as características inerentes à agroindústria canavieira, a fim de apreender as determinações econômica, política e social a que estão submetidos os trabalhadores migrantes. Metodologicamente pautada na perspectiva marxista, a categoria da totalidade referencia toda a pesquisa. Esta, a nosso ver, é imprescindível à apreensão do desenvolvimento que aqui será analisado, no qual são centrais a exploração e a precarização a que se encontram submetidos os cortadores de cana migrantes. Os procedimentos utilizados buscaram, mediante os fundamentos teóricos, apreender a realidade em análise. Nesse sentido, desenvolveu-se uma extensa pesquisa bibliográfica, como também uma pesquisa empírica que permitiu uma maior aproximação com a realidade dos trabalhadores do corte da cana, mais especificamente aqueles que migram do Estado da Paraíba para outras regiões do país. Trabalha-se com a hipótese de que o fato de estarem longe de suas famílias e do contexto social em que estão acostumados a viver, contribui para agravar as condições de vida, objetiva ou subjetivamente. A pesquisa revelou que o fato dos cortadores de cana serem migrantes agrava a exploração e precarização do trabalho, características presentes ao longo do processo de expansão e desenvolvimento do modo de produção capitalista.

Palavras-chave: Capitalismo. Agroindústria Canavieira. Trabalhadores Migrantes. Precarização. Exploração do Trabalho.

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ABSTRACT

This paper has as object of study the analysis of the production relations in the cutting of sugar cane. For this study, the labor of the sugar cane cutter is embodied as a central element, since his activity faithfully portraits the capital-labor contradiction, permeated by intense exploitation and precariousness of the working class. Thus, the research aims as general objective the understanding of the labor relations that permeate the inherent productive process to the seasonal migrant workers, particularly the life conditions and the production of workers of Paraiba that migrate from the city of Tavares, countryside of Paraiba, to the state of São Paulo. Given the theoretical perspective that guides this analysis, a brief study about the emergence, development and central elements of capitalism was performed, to get to the current economic conjuncture, which is characterized by the productive restructuring and flexibility of production. From there, it is discussed the characteristics inherent in the sugar cane agroindustry, in order to grasp the economic, political and social determinations to which the migrant workers are subjected to. Methodologically grounded in a Marxist perspective, the totality of the

category references all the research. This, in our view, it‟s essential to the

apprehension of the development that will be analyzed here, in which is central the exploitation and precariousness to which the migrant cane cutter are subjected. The procedures that we used seek, by theoretical foundations, to apprehend the reality under analysis. In this way, we have developed an extensive bibliographic research, as we also conducted an empirical research that allowed us a greater approach to the reality of the sugar cane cutting workers, more specifically those that migrate from the state of Paraiba to others regions of the country, because we work with the hypothesis that the fact of being away from their families and the social context to which they are used to living, contributes to worsen the living conditions, be that objectively or subjectively. The research revealed that the fact that the sugar cane cutters are migrants aggravates the exploitation and precariousness of labor, characteristics that are present throughout the process of expansion and development of the capitalistic way of production.

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LISTA DE FIGURAS

Figura 1 – Cortadores de cana no município de Dourados/MS

Figura 2 – Cortadores de cana da usina São João, fazenda São Gonçalo, município de Santa Rita/PB

Figura 3 –Mapa do estado da Paraíba, com destaque para o município de Tavares

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LISTA DE GRÁFICOS

Gráfico 1 Faixa etária dos cortadores de cana

Gráfico 2 –Estado civil dos cortadores de cana e quantidade de filhos

Gráfico 3 – Local onde os cortadores residem com suas famílias na época da entressafra

Gráfico 4 – Escolaridade dos cortadores de cana

Gráfico 5 – Municípios onde os trabalhadores cortam cana no estado de São Paulo

Gráfico 6 – Quantidadede anos que os trabalhadores cortam cana

Gráfico 7 –Promessas do “gato” em relação às condições de trabalho

Gráfico 8 – Quantidade de cana cortada por dia pelos trabalhadores

Gráfico 9 – Quantidade de horas trabalhadas por dia pelos cortadores de cana

Gráfico 10 –Avaliação dos cortadores de cana a respeito do seu salário

Gráfico 11 – Condições de vida dos trabalhadores migrantes no corte da cana Gráfico 12 – Condição de vida das famílias dos cortadores de cana

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LISTA DE SIGLAS

BID – Banco Interamericano de Desenvolvimento

BIRD – Banco Internacional para Reconstrução e Desenvolvimento CCJ – Centro de Ciências Jurídicas

CEP –Comitê de Ética em Pesquisa em Seres Humanos CUT – Central Única dos Trabalhadores

CNPq – Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico CONAB – Companhia Nacional de Abastecimento

EMBRAPA – Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária EPI – Equipamento de Proteção Individual

FMI – Fundo Monetário Internacional

GATT – Acordo Geral de Tarifas e Comércio GPT – Grupo de Pesquisa sobre Trabalho IAA – Instituto do Açúcar e Álcool

IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística

ICMS – Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços IDEA – Instituto de Desenvolvimento Agroindustrial

IPI – Imposto Sobre Produtos Industrializados

IPVA – Imposto sobre Propriedade de Veículos Automotores PIBIC – Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica PNAD – Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios

PNAS – Política Nacional de Assistência Social RAIS – Relação Anual de Informações Sociais

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LISTA DE TABELAS

Tabela 1: Levantamento da produção sucroalcooleira – safras 2011/12 e 2012/13

Tabela 2:Revisão da Projeção da Safra 2012/2013 da Região Centro-Sul

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ... 15

1 CONSIDERAÇÕES PRELIMINARES: BASES PARA A COMPREENSÃO DO OBJETO 20 1.1 CAPITALISMO: MODO DE PRODUÇÃO BASEADO NA EXPLORAÇÃO DO TRABALHO ... 20

1.1.1Trabalho: categoria fundante do ser social ...21

1.1.2 Modo de Produção Capitalista: da acumulação primitiva à produção capitalista de mercadorias ...25

1.2 O CONTROLE DO PROCESSO DE TRABALHO PELO CAPITAL ... 33

1.2.1 A Cooperação Simples e a Manufatura ...33

1.2.2 A Maquinaria e a Indústria Capitalista ...37

1.2.3 Subordinação do Trabalho ao Capital: subsunção formal e subsunção real ...40

1.3 BREVES NOTAS SOBRE O DESENVOLVIMENTO DO CAPITALISMO: O IMPERIALISMO E A CONSOLIDAÇÃO DE UMA ECONOMIA MUNDIAL ... 42

1.3.1 A Consolidação do Imperialismo ...45

1.3.2 O Processo de Globalização ...51

1.4 A RESTRUTURAÇÃO PRODUTIVA, O NEOLIBERALISMO E SUAS IMPLICAÇÕES PARA O TRABALHO ... 54

2 O CORTE DA CANA-DE-AÇÚCAR E A MIGRAÇÃO: COMBINAÇÃO IDEAL PARA A EXPLORAÇÃO DO TRABALHO ... 60

2.1 UM BREVE ESTUDO SOBRE A FORMAÇÃO ECONÔMICO-POLÍTICA BRASILEIRA: O LATINFÚNDIO DA CANA-DE-AÇÚCAR... 60

2.1.1 A Implantação e o Desenvolvimento da Economia Açucareira ...61

2.1.2 A Subordinação da Economia Brasileira aos Mercados Internacionais ...65

2.2 AGROINDÚSTRIA CANAVIEIRA: REALIDADE DE OPOSTOS E CONSTRASTES ... 71

2.2.1 A Agroindústria Canavieira e a Funcionalidade do Estado ao seu Desenvolvimento 72 2.2.2 A Cana é Doce para Alguns; para a Maioria, ela é Amarga ...78

2.2.3 Os Impactos da Reestruturação Produtiva para a Produção Canavieira ...88

2.3 O FENÔMENO DA MIGRAÇÃO ... 94

2.3.1 Alguns Apontamentos sobre o Fenômeno da Migração ...94

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3 DO SERTÃO DA PARAÍBA PARA AS USINAS EM SÃO PAULO: TRABALHADORES

DE TAVARES/PB RUMO AO CORTE DA CANA ... 108

3.1 O LOCAL DA PESQUISA E A ABORDAGEM METODOLÓGICA ... 108

3.2 PERFIL DOS CORTADORES DE CANA DE TAVARES/PB ... 111

3.3 CARACTERÍSTICAS PECULIARES DA MIGRAÇÃO PARA O CORTE DA CANA ... 118

3.4 O PROCESSO DE TRABALHO ... 126

3.5 AS CONDIÇÕES DE VIDA E DE SAÚDE ... 136

CONSIDERAÇÕES FINAIS ... 144

REFERÊNCIAS ... 147

APÊNDICES ... 157

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INTRODUÇÃO

No Brasil, os agrocombustíveis representam uma fonte importante de lucro. Graças ao lugar atribuído ao etanol na economia mundializada, o plantio da cana tem se expandido no país. O setor vive um período de dinamismo. Esse dinamismo resulta do lugar privilegiado que ocupam o açúcar e, principalmente, o etanol no agronegócio brasileiro e mundial. Dessa forma, historicamente, a cana-de-açúcar detém lugar de destaque na economia brasileira. De acordo com a Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República (2011), tanto o açúcar quanto o etanol foram produtos de destaque nas exportações do agronegócio brasileiro e as vendas internacionais crescem a cada ano.

Contudo, esse desenvolvimento não traz benefício para a maioria da população, tampouco para os trabalhadores desse ramo produtivo, os quais se veem reféns das intensas formas de exploração do trabalho, em muitos casos impressionando pela maneira desumana como a relação capital-trabalho se apresenta, na busca feroz pelo lucro.

No que tange a uma atividade extenuante como a do cortador de cana, esta, mais que outras, é elucidativa da desigualdade social, uma vez que, contraditoriamente, faz parte da cadeia produtiva do automóvel. Numa ponta dessa produção encontram-se as mais sofisticadas inovações tecnológicas, e na outra, o trabalho manual, precário e degradante do corte da cana.

Esse quadro tem sido acompanhado pela redução de custos da produção e pelo aumento da produtividade, o que se reflete em maiores exigências aos trabalhadores desse segmento. O que está em questão não é tão somente a acumulação, mas a forma de exploração, a precariedade do trabalho, razão pela qual optamos pela atividade do cortador de cana como objeto de pesquisa.

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É evidente essa troca de lugares nos segmentos agrícolas, cuja modernização libera trabalhadores para o sistema manual da colheita da cana. No caso dos agricultores sertanejos, sua agricultura familiar – uma das poucas fontes de renda das regiões mais afastadas dos grandes centros urbanos – não tem como concorrer com as grandes plantações, bem como o solo do sertão e a escassez de água não favorecem o cultivo. Os trabalhadores, portanto, não encontram outra alternativa senão migrar para lugares onde existam trabalho ou emprego, quaisquer que sejam as condições. A opção por essa atividade não se dá livre e espontaneamente, já que os trabalhadores só podem achar ocupação em atividades que exijam uma baixa qualificação e que requeiram o desenvolvimento de atividades manuais e repetitivas.

Não se pode deixar de mencionar que são os trabalhadores temporários provenientes do Nordeste que preenchem as necessidades do trabalho no corte manual da cana-de-açúcar. Isso acarreta modificações na vida dos trabalhadores e de suas famílias. Algumas cidades nordestinas se transformam durante a safra da cana-de-açúcar. Vão os homens, em sua maioria, jovens, e ficam as mulheres, as crianças e os idosos e aposentados. Na entressafra, parece que falta espaço na cidade para tanta gente, pois o cortador de cana, vulgo “canavieiro”, está de volta. E para mostrar que obteve sucesso no seu trabalho, enquanto estava fora, tem de comprar logo uma moto e dizer que tem em casa uma TV nova, uma mobília nova etc. Percebe-se claramente a adequação aos padrões de consumo da sociedade capitalista.

Assim, para o migrante, o trabalho no canavial apresenta-se como possibilidade de modificar uma situação de dificuldade de sobrevivência. Eles

partem com a convicção de que seu esforço e empenho “individual” ajudarão a

melhorar suas condições de vida e a de suas famílias. Além da disposição individual, há outro aspecto que contribui para tornar o trabalhador migrante extremamente funcional ao corte da cana: do início até o fim da migração, os trabalhadores ficam totalmente disponíveis para a usina, que pode controlar o seu dia e sua noite, inclusive as horas que estão fora do trabalho.

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estarrecedores das condições de vida e de trabalho dos chamados canavieiros. E

ficávamos a nos perguntar: “Por que eles migram? Por que eles se submetem a condições de trabalho tão degradantes?”.

Essas motivações e a aproximação com a tradição marxista nos instigaram a estudar as relações de trabalho que se dão no âmbito do corte da cana-de-açúcar. Esta pesquisa foi iniciada ainda durante a graduação, a partir da participação no Grupo de Pesquisa sobre Trabalho – GPT. Este é um grupo de pesquisa cadastrado no Diretório dos Grupos de Pesquisa do CNPq – Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico, composto por pesquisadores que já têm experiências consolidadas na área, além de estudantes de graduação e pós-graduação em Serviço Social. O Grupo é liderado pela Profa. Dra. Maria Augusta Tavares, também orientadora deste trabalho.

Tivemos também a oportunidade de ser bolsista do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica – PIBIC, experiência vivenciada durante dois anos, sob a mesma orientação. Entendendo-se a necessidade de munição teórico-metodológica para a análise da realidade, consideramos esta uma oportunidade singular na vida acadêmica. Ao longo do trajeto, participamos de três pesquisas, a partir das quais tivemos a oportunidade de apreender as categorias econômicas marxistas, imprescindíveis à compreensão do desenvolvimento capitalista, além de estudar as particularidades das relações de produção que se dão no corte da cana-de-açúcar. No trabalho de conclusão de curso – TCC, tratamos dos aspectos da exploração e subordinação da classe trabalhadora, ocasionados pela divisão social do trabalho na produção canavieira.

Considerando os conhecimentos adquiridos a partir dessas experiências na graduação, tivemos a pretensão de aprofundá-los quando ingressamos no Mestrado Acadêmico. Dessa forma, queremos tratar em específico da precarização e da exploração a que estão submetidos os cortadores de cana migrantes, mais exatamente, daqueles que saem todos os anos do sertão da Paraíba para o estado de São Paulo.

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buscamos conhecer o objeto mediante produções especializadas sobre o tema, bem como a partir de pesquisa direta realizada com os sujeitos do nosso estudo. Com isso, tentamos articular a unidade teoria-prática.

Dividido em três partes, o presente trabalho contempla, no primeiro capítulo, algumas considerações que serão fundamentais para a compreensão do objeto e facilitarão o desenvolvimento do nosso estudo. Inicialmente abordamos os elementos fundantes da sociedade de classes, com base na análise marxiana do trabalho, fundamento ontológico do ser social. Tivemos o cuidado de tratar do surgimento e desenvolvimento do modo de produção capitalista, imprescíndivel à apreensão das bases que constituem a luta de classes, relação inerente a esse modo de produção. Para a contextualização do desenvolvimento histórico do capitalismo, fez-se necessário abordar a relação contraditória entre capital e trabalho, desde a sua gênese até os dias atuais. Também analisamos os aspectos da conjuntura econômica vigente, com ênfase para a flexibilização das relações de produção, ocasionada pela reestruturação produtiva e pelo neoliberalismo, os quais agravam a precarização e a exploração do trabalho.

No segundo capítulo, analisamos as relações de produção da agroindústria canavieira no contexto da produção capitalista. Buscamos desvendar os componentes que, ainda hoje, caracterizam o atraso nas relações desse setor, e para tanto recorremos à análise da formação político-econômica brasileira. Nas seções subsequentes o estudo se centra na compreeensão das características peculiares da produção canavieira, em especial, no corte da cana-de-açúcar. Para concluir essa parte do trabalho, enfocamos as repercussões do fenômeno da migração, fator que agrava as condições de trabalho e a exploração dos trabalhadores migrantes sazonais.

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da migração e do processo de trabalho, além das informações pertinentes às condições de vida e de saúde.

Certamente, outras reflexões caberiam ainda neste trabalho. Entretanto, dados os limites de uma dissertação de mestrado, não esgotaremos as análises intrínsecas ao objeto de estudo. Futuramente, novas reflexões serão realizadas, de modo a qualificarmos ainda mais as nossas contribuições para a pesquisa científica.

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1 CONSIDERAÇÕES PRELIMINARES: BASES PARA A COMPREENSÃO DO OBJETO

Antes de tratarmos especificamente do objeto em questão, a saber, a precarização do trabalho e a exploração dos cortadores de cana migrantes, nos deteremos a analisar alguns aspectos que facilitarão a compreensão do nosso estudo.

Assim, neste capítulo serão abordados os elementos fundantes da sociedade capitalista, referenciados na análise marxiana do trabalho, enquanto fundamento ontológico do ser social, com o intuito de analisar a relação intrínseca entre capital e exploração da classe trabalhadora.

O estudo dedica-se, inclusive, à compreensão do surgimento e desenvolvimento do modo de produção capitalista e, consequentemente, à análise de algumas categorias econômicas marxistas, imprescíndiveis à apreensão das bases que o constituem. A partir daí, passamos a analisar integralmente as relações de produção que consubstanciam o capitalismo, com ênfase para as estratégias de controle e dominação da força de trabalho.

Após isso, abordamos os aspectos da atual conjuntura econômica, qual seja, a flexibilização das relações de produção, decorrente da reestruturação produtiva e do neoliberalismo, demonstrando como, particularmente nesse contexto, esses fenômenos contribuem para precarizar e explorar o trabalho ainda mais. Ao analisar esses aspectos, procura-se identificar os fatores pelos quais a precarização do trabalho se dá em todos os ramos da produção, especialmente no corte da cana-de-açúcar.

1.1 CAPITALISMO: MODO DE PRODUÇÃO BASEADO NA EXPLORAÇÃO DO TRABALHO

O desenvolvimento da sociabilidade capitalista se mantém essencialmente fundado na propriedade privada e na exploração1 do homem pelo homem. É

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imprescindível retratar como o capital foi sendo acumulado e constituído, sob circunstâncias históricas que determinaram a formação do modo de produção capitalista, para dessa forma, compreendermos as características que lhe são peculiares. Assim, nesta seção analisaremos as características do modo de produção capitalista e as bases que o constituem.

1.1.1 Trabalho: categoria fundante do ser social

Inicialmente, antes de tratarmos das relações de produção que permeiam a agroindústria canavieira, é necessário analisarmos algumas categorias que permitirão compreender o nosso objeto de estudo sob a perspectiva da totalidade.

Para conhecer a realidade social2 é imprescindível considerarmos a maneira como os homens3 se relacionam com a natureza e entre si para produzirem seus

meios de vida e como se organizam nas relações de produção. Cabe enfatizar que o trabalho é “indispensável à existência do homem, quaisquer que sejam as formas de

sociedade; é necessidade natural e eterna de efetivar o intercâmbio entre o homem

e a natureza, e, portanto, de manter a vida humana” (MARX, 1996, p. 50).

Os homens, para que possam existir, devem transformar constantemente a

natureza. “Essa é a base ineliminável do mundo dos homens” (LESSA; TONET,

2008, p. 17). É através das relações de trabalho que o homem transforma a natureza4 e a si mesmo.

2 Para Marx (1996), a realidade social não é um conjunto de relações específicas e muito menos um

conglomerado de coisas. É antes o processo de transformação inerente a um determinado conjunto de relações. Assim, a realidade social é o processo histórico, processo que, em princípio, não conhece finalidade nem pontos de parada.

3 Foi usada genericamente a denominação homem para fazer referência ao gênero humano,

constituído necessária e concretamente por homens e mulheres.

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Somente o trabalho tem, como sua essência ontológica, um claro caráter intermediário: ele é, essencialmente, uma inter-relação entre homem (sociedade) e natureza, tanto inorgânica (utensílio, matéria-prima, objeto do trabalho, etc.) como orgânica, inter-relação que está situada em pontos determinados da série a que nos referimos, mas, antes de tudo, assinala a passagem, no homem que trabalha, do ser meramente biológico ao ser social (LUKÁCS, 1998, p. 2).

Lessa e Tonet (2008) complementam o pensamento acima ao afirmarem que o trabalho é fundante do ser social, pois faz o homem criar a si mesmo, estabelecendo uma ruptura com o ser natural. É o trabalho que diferencia o homem da natureza, permitindo que os homens construam materialmente a sociedade e se construam como indivíduos (idem). Portanto, o homem é natureza historicamente transformada, mas o que de propriamente humano está nessa transformação é o que o coloca para além da natureza e o caracteriza como ser social (NETTO; BRAZ, 2007).

Diferentemente das atividades naturais, o trabalho se especifica por uma relação mediada entre o sujeito – aquele que executa – e o objeto – a natureza –, ou seja, entre o sujeito e a matéria natural há sempre um meio de trabalho. A natureza não cria esses instrumentos; eles são criados pelo próprio sujeito que trabalha. Tanto a criação de instrumentos de trabalho quanto a resposta a uma necessidade concreta que surge em uma situação determinada5 pressupõem o meio a ser usado e o fim a ser alcançado, surgindo com isso outro fator, o da escolha entre as alternativas disponíveis que melhor se prestem para atingir o fim almejado. Para isso, o sujeito deve imaginar o resultado de cada alternativa, antecipando na consciência o resultado provável de cada uma delas.

[...] o fim (a finalidade) é como que antecipado nas representações do sujeito: idealmente (mentalmente, no seu cérebro), antes de efetivar a atividade do trabalho, o sujeito prefigura o resultado da sua ação. Não é importante saber em que medida o fim a ser alcançado corresponderá mais ou menos à idealização (prefiguração) do sujeito; importante é destacar que sua atividade parte de uma finalidade que é antecipada idealmente; é sublinhar que sua atividade tem como ponto de partida uma intencionalidade prévia –

mais exatamente, é importante ressaltar que o trabalho é uma atividade projetada, teleologicamente direcionada, ou seja, conduzida a partir de um fim proposto pelo sujeito (NETTO; BRAZ, 2007, p. 32) (grifos do autor).

5 Logo abaixo, quando se tratar de teleologia, se fará uma análise mais detalhada a respeito das

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Essa antecipação ideal, ou no dizer de Lukács (1998), prévia-ideação, é indispensável à efetivação do trabalho, pois possibilita escolher a alternativa que se avalie como a melhor. Sendo assim, é necessário entender o processo teleológico6

efetivamente analisado por este autor. Segundo ele, todo processo teleológico implica uma finalidade e, portanto, uma consciência que estabelece um fim.

Com a posição teleológica, a consciência ultrapassa a simples adaptação ao ambiente, executando na própria natureza certas modificações, o que significa que a realização de uma finalidade se torna algo transformador e reformador da natureza.

Assim, constata-se que o primeiro impulso para a posição teleológica provém da vontade de satisfazer uma necessidade. No entanto, verifica-se que essa é uma característica comum aos homens e aos animais. Porém, a diferença começa a surgir quando entre a necessidade e a satisfação se insere o trabalho, a posição teleológica. Essa posição, que provoca o primeiro impulso para o trabalho, evidencia

“uma vitória do comportamento consciente” sobre a mera espontaneidade do instinto

biológico, pois entre a necessidade e a satisfação imediata é introduzido o trabalho como elemento mediador (NETTO; BRAZ, 2007).

Lukács (1998) assevera que a consciência dá início a um processo real, exatamente ao processo teleológico. Conceber teleologicamente a natureza e a história implica não somente que estas estão voltadas a um objetivo, mas também que as suas existências devem ter um autor consciente. Assim, “os objetos criados

pelo trabalho se originam da objetivação de prévias-ideações” (LESSA; TONET,

2008, p. 32).

Convém salientar que a realização do trabalho só se dá quando a prefiguração ideal se objetiva, isto é, quando a escolha feita é levada à prática, ou seja, quando a matéria natural é transformada. “O resultado do processo de

objetivação é, sempre, alguma transformação da realidade. Toda objetivação produz

uma nova situação” (LESSA; TONET, 2008, p. 19). Como toda objetivação origina

uma nova situação, a história jamais se repete. Isso acontece porque a realidade já não é mais a mesma e o indivíduo também não o é, pois ele aprendeu algo com aquela ação, adquirindo novos conhecimentos e habilidades que não possuía antes.

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O trabalho transforma a natureza e também o próprio homem, já que quando

“um projeto ideal se realiza materialmente, uma finalidade pensada transforma a

realidade material, insere na realidade algo de material, [...] algo de qualitativamente

e radicalmente novo” (LUKÁCS, 1998, p. 7). Assim, todo ato de trabalho produz uma

nova situação, na qual novas necessidades e novas possibilidades de escolha irão surgir, e o ser social, num movimento constante, buscará novas respostas para elas.

Esse processo de acumulação de novas situações e novos conhecimentos produz a base material da sociedade (LESSA; TONET, 2008). Ressaltamos ainda as observações de Marx e Engels (1999, p. 27), quando afirmam que “produzindo seus

meios de vida, os homens produzem, indiretamente, sua própria vida material”.

Portanto, somente o trabalho garantirá uma continuidade do processo sócio-histórico, mas sempre em combinações múltiplas, que possibilitarão resultados também múltiplos.

A objetivação de uma prévia-ideação resulta em um objeto produzido que passa a ser influenciado e a influenciar toda a sociedade. E mais, ela também atinge o nível subjetivo, pois o conhecimento de um indivíduo se difunde por toda a sociedade, adquirindo agora uma dimensão social, coletiva. Em sendo assim, o trabalho não é um ato isolado,

[...] seu sujeito nunca é um sujeito isolado, mas sempre se insere num conjunto (maior ou menor, mais ou menos estruturado) de outros sujeitos. Essa inserção exige não só a coletivização de conhecimentos, mas, sobretudo, implica convencer ou obrigar outros à realização de atividades, organizar e distribuir tarefas, estabelecer ritmos e cadências etc. [...]. Consequentemente, o caráter coletivo do trabalho não se deve a um gregarismo que tenha raízes naturais, mas, antes, expressa um tipo específico de vinculação entre membros de uma espécie que já não obedece a puros determinismos orgânico-naturais. Esse caráter coletivo da atividade do trabalho é, substancialmente, aquilo que se denominará de social (NETTO; BRAZ, 2007, p. 34) (grifos do autor).

Em determinadas condições histórico-sociais, os produtos do trabalho e da imaginação humana deixam de se mostrar como objetivações que expressam a humanidade dos homens. Aparecem, assim, como algo que passa a controlá-los, como um poder que lhes é superior. Dessa forma, as objetivações parecem escapar do seu controle e impõem-se como exteriores e transcendentes. Netto e Braz (2007,

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entre criador e criatura, aparece invertida – a criatura passa a dominar o criador”.

Esses mesmos autores argumentam que essa inversão caracteriza o fenômeno histórico da alienação.

Basicamente, a alienação é própria das sociedades nas quais é característica primordial a exploração do homem pelo homem e, por consequência, nas sociedades permeadas pela divisão social do trabalho e pela propriedade privada dos meios de produção. A alienação manifesta-se primeiramente nas relações de trabalho, mas passa a penetrar todas as dimensões da vida social (IAMAMOTO, 2011). Portanto, no modo de produção capitalista, a própria constituição do ser social7 passa a ser mediada pelas objetivações humanas alienadas, em que “a criatura domina o criador”.

Dessa forma, este estudo privilegia as relações de trabalho no corte da cana-de-açúcar, que adquirem sentido nos nexos que têm com as relações sociais capitalistas. Pretende-se compreender a exploração do trabalho na sociedade, particularmente aquela que se dá entre os cortadores de cana migrantes. Para tanto, é indispensável analisar o desenvolvimento capitalista, no intuito de desvendar o processo histórico do qual somos partícipes.

1.1.2 Modo de Produção Capitalista: da acumulação primitiva à produção capitalista de mercadorias

De acordo com Marx (1985), a acumulação de capital foi precedida por uma

“acumulação primitiva”8. Esta não é resultado do modo de produção capitalista, mas

sim seu ponto de partida.

A assim chamada acumulação primitiva é, portanto, nada mais que o processo histórico de separação entre produtor e meio de produção.

Ele aparece como „primitivo‟ porque constitui a pré-história do capital e do modo de produção que lhe corresponde (idem, p. 262).

7 Em cada estágio do seu desenvolvimento, o ser social é o conjunto de atributos e das possibilidades

da sociedade, e esta é a totalidade das relações nas quais os homens estão em interação. Assim, em cada estágio do seu desenvolvimento, o ser social condensa o máximo de humanização construído pela ação e pela interação dos homens, concretizando-se em produtos e obras, valores e normas, padrões e projetos sociais. Compreende-se, pois, que o ser social seja patrimônio comum de toda a humanidade, de todos os homens, não residindo em nenhum deles, e simultaneamente, existindo na totalidade de objetivações (NETTO; BRAZ, 2007, p. 45).

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A chamada relação-capital pressupõe a separação entre os trabalhadores e a propriedade das condições da realização do trabalho, transformando, por um lado, os meios sociais de subsistência e de produção em capital, e por outro, os produtores diretos em trabalhadores assalariados. De um lado, possuidores de dinheiro, meios de produção e meios de subsistência; do outro, trabalhadores livres, vendedores da própria força de trabalho9.

O termo “trabalhadores livres”, segundo Marx, possui um duplo sentido, pois

eles não pertencem diretamente aos meios de produção, como no caso dos escravos e dos servos, nem os meios de produção lhe pertencem, como, por exemplo, o camponês economicamente autônomo. Ao contrário, os “livres”, os

“soltos”, estão desprovidos dos meios de produção. Com essa polarização, estão

dadas as condições fundamentais da produção capitalista. Huberman (1986, p. 149) enfatiza que os que são livres para vender trabalho para outra pessoa que pode comprá-lo “não o fazem por gosto, mas porque são obrigados, a fim de conseguir

recursos para comprar alimentos, roupa e abrigo, de que necessitam para viver. Destituídos dos meios de produção, não têm escolha”.

A estrutura econômica da sociedade capitalista proveio da estrutura econômica da sociedade feudal. A partir do momento em que esta começa a se decompor, lança fora os elementos daquela10. O movimento histórico que transforma

os produtores diretos em trabalhadores assalariados aparece como sua libertação da servidão. Porém, para o trabalhador se tornar livre vendedor de sua força de trabalho, os seus meios de produção e todas as suas garantias de existência, oferecidas pelas instituições feudais, lhes são tirados. “A história dessa sua

expropriação está inscrita nos anais da humanidade com traços de sangue e fogo”

(MARX, 1985, p. 262). Como se pode constatar,

9

Segundo Marx (1996, p. 187), “por força de trabalho ou capacidade de trabalho compreendemos o conjunto das faculdades físicas e mentais, existentes no corpo e na personalidade viva de um ser humano, as quais ele põe em ação toda vez que produz valores-de-uso de qualquer espécie”.

10 É importante destacar a crítica que Sweezy (1977) faz a Dobb. Para este último, o que determinou

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O que faz época na história da acumulação primitiva são todos os revolucionamentos que servem de alavanca à classe capitalista em formação; sobretudo, porém, todos os momentos em que as grandes massas são arrancadas súbita e violentamente de seus meios de subsistência e lançadas no mercado de trabalho como proletários livres como pássaros. A expropriação da base fundiária do produtor, do camponês, forma a base de todo o processo ((MARX, 1985, p. 263).

Segundo o autor supracitado, os revolucionamentos a que ele se refere criaram a base do modo de produção capitalista, ocorrendo no último terço do século XV e nas primeiras décadas do século XVI. Netto e Braz (2007) afirmam que a acumulação primitiva produziu-se na Inglaterra na sua forma mais “clássica”, e não

por acaso esse país representou de maneira tão intensa e pioneira o desenvolvimento capitalista. Porém, em outros espaços da Europa Ocidental ela também teve lugar.

De acordo com Marx (1996), na Inglaterra os principais instrumentos para a

acumulação primitiva foram os “cercamentos” das terras comunais dos camponeses.

Isto aconteceu através da violência mais brutal, com a qual os proprietários fundiários transformaram as terras em pastagens de ovelhas. Uma legislação, qualificada como “sanguinária”, foi acionada para castigar aqueles que resistissem.

O resultado desse processo histórico foi, de um lado, a concentração da propriedade da terra nas mãos de poucos11, e de outro, o deslocamento, para as cidades, de uma enorme massa de homens desprovidos de tudo, menos de força de trabalho, levada a qualquer lugar onde houvesse mercado para ela. Portanto, a transformação das propriedades minúsculas de muitos em propriedades gigantescas de poucos constitui a chamada pré-história do capital.

É conveniente mencionarmos que os acontecimentos que resultaram na expropriação e na expulsão de parte do povo do campo criaram o mercado interno. Antes, a família camponesa produzia e processava os meios de subsistência e as matérias-primas que depois ela mesma consumia, em sua maior parte.

A outra face da acumulação primitiva se deu através de métodos que nada ficam a dever à barbárie praticada contra os camponeses. Marx (1985) cita a descoberta das terras do ouro e da prata como componentes desse processo: na

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América, o extermínio e a escravização da população nativa, principalmente nas minas; o começo da conquista das Índias Orientais; e a transformação da África em cercado para a captura e a comercialização dos negros. Para ele, esses processos são também elementos fundamentais da acumulação primitiva. Acrescenta ainda que esses acontecimentos marcam a aurora da era de produção capitalista, baseada na exploração do trabalho alheio, mas formalmente livre. Essas considerações são importantíssimas para compreendermos o processo histórico em que vivemos, no qual cada vez mais se agrava a exploração do trabalho pelo capital. O modo de produção capitalista particulariza-se historicamente por uma reprodução peculiar, que se torna compreensível quando se leva em conta a acumulação de capital. De acordo com Netto e Braz (2007), capital é valor que busca valorizar-se. Aqui está a lógica desse modo de produção. A reprodução tem de ser sempre ampliada, ou seja, é necessário ampliar a escala da produção de mercadorias12. Convém salientar que a acumulação de capital depende da

exploração da força de trabalho.

Mesmo que brevemente, uma vez analisada a forma como se processou historicamente o surgimento da condição fundamental para a existência do modo de produção capitalista, examinaremos a seguir a mercadoria, categoria fundamental e historicamente representativa para entender a lógica e a essência do capitalismo.

A classe burguesa tem sua origem e sua reprodução baseadas na exploração dos trabalhadores, cujo objetivo é a produção de mercadorias, visando o enriquecimento (TONET, 2005). Marx inicia o primeiro parágrafo de O Capital: Crítica da Economia Política, revelando que sua investigação irá começar pela análise da mercadoria.

A riqueza das sociedades em que domina o modo de produção

capitalista aparece como uma „imensa coleção de mercadorias‟, e a

mercadoria individual como sua forma elementar. [...] A mercadoria é, antes de tudo, um objeto externo, uma coisa, a qual pelas suas propriedades satisfaz necessidades humanas de qualquer espécie (1996, p. 45).

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Marx afirma que os materiais que apresentam alguma utilidade devem ser examinados a partir das suas qualidades e quantidades, ou seja, de suas propriedades fundamentais e de seus diversos aspectos.

O exame dos valores de uso pressupõe uma determinação quantitativa, de acordo com a utilidade de uma coisa. Ademais, o valor de uso realiza-se somente no uso ou no consumo. Os valores de uso constituem o conteúdo material da riqueza, qualquer que seja a forma social desta.

Na sociedade burguesa, os valores de uso são os portadores materiais do valor de troca e este é a expressão ou forma de manifestação do valor. A lei do valor predomina universalmente. Os valores de uso continuam sendo suportes para o valor de troca. Primeiramente, as mercadorias se realizam como valor de uso, para depois se realizarem como valor de troca. Para que um produto se torne mercadoria, é necessário que o produto seja transferido a quem vai servir como valor de uso, o que se realiza mediante a troca. Nenhuma coisa pode ser valor sem ser objeto de uso (idem).

Para o capital, não tem importância a utilidade, nem quem produz. Dessa maneira, todas as relações são mediadas pelo mercado. Identifica-se, portanto, que o desenvolvimento da riqueza no capitalismo exige a exploração de uma classe em benefício do usufruto da riqueza por outra classe. Segundo Paniago (2007, p. 27),

“o círculo vicioso da relação capital-trabalho é uma condição inexorável de sua auto-reprodução; possui uma lógica auto-referente que precede a vontade do capitalista,

e se impõe sobre o trabalhador” (grifo da autora). Essa imposição se dá através de

formas de dominação do trabalho, sendo uma condição ineliminável, pois enquanto permanecerem as condições materiais dessa dominação, o capital não desaparecerá.

Assim, a natureza da relação entre capital e trabalho, na forma, é uma relação de troca. O capitalista compra a força de trabalho do operário, e este recebe dinheiro do capitalista para adquirir o necessário à sua sobrevivência. “É claro, portanto, que

o estudo da relação entre capital e trabalho deve começar com uma análise do

fenômeno geral da troca” (SWEEZY, 1985, p. 27).

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capitalista as relações entre os homens são mediadas pelo valor de troca, que é a relação econômica que domina todas as relações de produção e de intercâmbio.

Netto e Braz (2007) afirmam que para que haja produção de mercadorias, duas condições são necessárias. A primeira delas diz respeito à divisão social do trabalho13, mesmo que de forma incipiente.

Ela é condição para que exista a produção de mercadorias, embora, reciprocamente, a produção de mercadorias não seja condição necessária para a existência da divisão social do trabalho. Na velha comunidade indiana há a divisão social do trabalho, sem que os produtos se convertam em mercadorias (MARX, 1996, p. 49).

Para a produção de diferentes mercadorias, é preciso que o trabalho esteja repartido entre homens ou diferentes grupos de homens. Essa divisão do trabalho14 deve se articular à segunda condição, qual seja, a propriedade privada dos meios de produção, pois só pode comprar ou vender uma mercadoria aquele que é o seu dono.

Na produção capitalista, a propriedade dos meios de produção não cabe ao produtor direto, mas ao capitalista. Este é o proprietário dos meios de produção, mas não trabalha; ele compra a força de trabalho que, com os meios de produção que lhe pertencem, irá produzir mercadorias. “Podemos dizer, portanto, que a compra e

venda da força de trabalho é a diferença específica do capitalismo” (SWEEZY, 1985,

p. 57) (grifo do autor). Assim, no modo de produção capitalista, o capital tem a necessidade de comandar, ou seja, subordinar, subsumir o processo de trabalho, com o objetivo de extrair o máximo da atividade do trabalhador, visto que os lucros do capitalista baseiam-se na exploração da força de trabalho.

De acordo com Netto e Braz (2007), quando até a força de trabalho se converte em mercadoria está posta a possibilidade de mercantilizar o conjunto das relações sociais, ou seja, além de a lógica mercantil ser introduzida em todas as

13 Marx (1996), ao analisar a divisão do trabalho, faz alguns esclarecimentos sobre as suas diversas

formas. Considerando somente o trabalho e os povos que alcançaram certo grau de civilização, pode-se chamar de divisão do trabalho em geral a pode-separação da produção social em pode-seus grandes ramos, ou seja, a agricultura, indústria etc. A diferenciação desses grandes ramos em espécies pode ser chamada de divisão do trabalho em particular ou especial. Já a divisão do trabalho que ocorre dentro de uma oficina é denominada de divisão do trabalho individualizada, singularizada. Esta é tida como divisão do trabalho propriamente dita, e para ele é a que ocorre na maioria das manufaturas.

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relações econômico-materiais, ela penetra e satura o conjunto das relações sociais. Tudo é objeto de compra e venda. O modo de produção capitalista universaliza a relação mercantil. Nesse sentido, ele pode ser caracterizado como o modo de produção de mercadorias.

Como determinar o valor de uma mercadoria? O valor de uma mercadoria “é

determinado pela quantidade de trabalho materializado em seu valor de uso, pelo tempo de trabalho socialmente necessário à sua produção” (MARX, 1996, p. 211).

Este autor esclarece que o tempo de trabalho necessário é aquele requerido para produzir um valor de uso qualquer, nas condições dadas de produção socialmente normais, e com grau social médio de habilidade e de intensidade de trabalho. Ele também considera as fases sucessivas de um mesmo processo de trabalho, os diversos processos especiais de trabalho, separados no tempo para a produção de um determinado valor de uso.

Porém, na produção de mercadorias, o capitalista só tem o interesse de produzir valores de uso se estes forem detentores de valor de troca. Portanto, ele tem dois objetivos: produzir um valor de uso destinado à venda, uma mercadoria; e produzir uma mercadoria de valor mais elevado que o conjunto do valor das mercadorias necessárias para produzi-la.

Dessa maneira, o capitalista, além de produzir um valor de uso que tenha um valor de troca, produz também um valor excedente, definido por Marx como mais-valia. Esta se origina de um excedente quantitativo de trabalho que não foi pago ao trabalhador.

Assim, ao longo da jornada de trabalho, o tempo de trabalho se desdobra em duas partes. Em uma delas o trabalhador produz o valor que equivale ao salário que recebe. Essa parte da jornada de trabalho denomina-se tempo de trabalho necessário. A lógica capitalista é reduzir o tempo de trabalho necessário, para que ele possa extrair uma quantidade maior de mais-valia. No momento da produção, o trabalhador extrapola o período de trabalho necessário correspondente ao valor da sua força de trabalho, realizando então o trabalho excedente. O trabalho excedente é constituído pelas horas em que o trabalhador é explorado, no sentido de realizar um trabalho que será apropriado pela classe capitalista. Para o sistema, a extração da mais-valia15 constitui a fonte da acumulação da riqueza. Em vista disso, o estudo

15 Não se fará menção por ora às duas formas de mais-valia estudadas por Marx, quais sejam: a

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sobre a obtenção da mais-valia no sistema capitalista torna-se imprescindível para o entendimento da realização da mercadoria (MARX, 1985).

É importante destacarmos a particularidade e a importância decisiva da mercadoria força de trabalho no sistema capitalista. Ela é a única que tem capacidade de gerar novo valor, por isso é fundamental para o prosseguimento do modo de produção capitalista e constitui o objetivo central dessa sociedade. Para que se entenda isso, é necessário lembrar que a força de trabalho é uma mercadoria, devendo ter um valor, como qualquer outra. Porém, como determinar o

valor dessa mercadoria peculiar? “[...] o valor da força de trabalho é o valor dos

meios de subsistência necessários à manutenção do seu possuidor” (MARX, 1996,

p. 191).

É necessário lembrar ainda que, nesta sociedade, a mercadoria passa a ser a portadora e a expressão da relação entre os homens. Netto e Braz (2007) afirmam que na medida em que a troca mercantil é regulada por uma lei que não resulta do controle consciente dos homens sobre a produção – a lei do valor16, na medida em

que o movimento das mercadorias é independente da vontade do produtor, ocorre uma inversão: a mercadoria criada pelos homens aparece como algo que lhes é alheio e os domina. A criatura (mercadoria) passa a subordinar o criador (homens).

“Uma relação social definida, estabelecida entre os homens, assume a forma

fantamasgórica de relações entre coisas” (MARX, 1996, p. 81). A esse poder

autônomo que as mercadorias parecem ter, e efetivamente têm, em relação aos produtores, Marx chamou de fetichismo da mercadoria. Nas sociedades em que o modo de produção capitalista impera, as relações sociais tomam a aparência de relações entre coisas.

A essência da sociedade burguesa é a busca da riqueza, a produção de valores de troca como o principal motivo da produção e reprodução humana.

Para que o leitor entenda melhor, adianta-se que a primeira é produzida pelo prolongamento da jornada de trabalho, e a última, ao contrário, decorre da redução do tempo de trabalho e da correspondente mudança da proporção entre os dois componentes da jornada de trabalho.

16 Segundo Netto e Braz (2007), a lei do valor, como todas as leis econômico-sociais, não é

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O processo de produção capitalista, considerando como um todo articulado ou como processo de reprodução, produz por conseguinte não apenas a mercadoria, não apenas a mais-valia, mas produz e reproduz a própria relação capital, de um lado o capitalista, do outro o trabalhador assalariado (MARX, 1996, p. 161).

A produção capitalista não tem por objetivo satisfazer as necessidades humanas, e sim buscar incessantemente o lucro, pois estas são as bases imanentes do sistema e sobre as quais ele se apoia. O capital busca historicamente dominar a produção e, portanto, a força de trabalho, pois não há produção sem produtores.

1.2 O CONTROLE DO PROCESSO DE TRABALHO PELO CAPITAL

Para que possamos entender como o capital subordina o trabalho, de modo a explorá-lo cada vez mais, é necessário analisar o controle do processo de trabalho. Para tanto, devemos reportar-nos aos primórdios do capitalismo, até o advento da grande indústria. O que percebemos é que cada vez mais aumenta a subsunção do trabalho ao capital.

1.2.1 A Cooperação Simples e a Manufatura

A produção capitalista só começa realmente quando um mesmo capitalista particular de uma só vez ocupa um número considerável de trabalhadores e quando o processo de trabalho amplia sua escala e fornece produtos em maior quantidade.

A atuação simultânea de grande número de trabalhadores, no mesmo local, ou no mesmo campo de atividade, para produzir a mesma espécie de mercadoria sob o comando do mesmo capitalista, constitui, histórica e logicamente, o ponto de partida da produção capitalista (MARX, 1996, p. 370).

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destes. Esses meios adquirem um caráter de condições do trabalho social ou condições sociais do trabalho se forem comparados com os meios de produção esparsos de trabalhadores autônomos isolados.

Nesse sentido, Marx (1996, p. 374) define a cooperaçãocomo sendo “a forma

de trabalho em que muitos trabalham juntos, de acordo com um plano, no mesmo processo de produção ou em processos de produção diferentes, mas conexos”. O

efeito do trabalho combinado não poderia ser produzido pelo trabalho individual, e só assumiria essa forma num espaço de tempo muito mais longo ou numa escala reduzida. Não se trata da elevação da força produtiva individual, através da cooperação, mas da criação de uma força produtiva nova, a força coletiva. Ainda que os trabalhadores realizem em conjunto o mesmo trabalho ou a mesma espécie de trabalho, eles podem representar individualmente, como sendo partes do processo total, diferentes fases do processo de trabalho.

Quando os trabalhadores se complementam mutuamente, fazendo a mesma tarefa ou tarefas de uma mesma espécie, verifica-se a presença da cooperação simples (idem). Ela desempenha importante papel, pois se um determinado processo de trabalho é tido como complicado, a existência de certo número de cooperadores permite dividir as diferentes operações entre diferentes trabalhadores, de modo que elas são executadas simultaneamente, encurtando, dessa maneira, o tempo de trabalho necessário para concluir as tarefas.

Devemos observar que o parcelamento do trabalho pode também ser realizado quando os trabalhadores estão ocupados numa mesma tarefa. Para um melhor entendimento, Marx (1996) traz como exemplo o caso de pedreiros que passam tijolos de mão em mão, até chegar ao alto de um andaime. Todos eles executam a mesma tarefa, mas existe entre eles uma divisão de trabalho: cada um deles movimenta o tijolo num espaço determinado, em conjunto, para atingir um mesmo objetivo mais rapidamente.

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O trabalhador, ao cooperar com os outros de acordo com um plano, se desfaz dos limites de sua individualidade e desenvolve a capacidade de sua espécie. Se a força do homem isolado é mínima, a junção das forças mínimas gera um total maior do que a soma das forças reunidas (MARX, 1996). A jornada coletiva de trabalho produz maior quantidade de valores de uso, se comparada a uma soma igual de jornadas de trabalho individuais. Com isso, se reduz o tempo de trabalho necessário para a produção de um determinado item.

Portanto, a aglomeração de trabalhadores em determinado local é condição para a sua cooperação. Assim, é necessário que o mesmo capital os empregue simultaneamente e compre ao mesmo tempo suas forças de trabalho. O número de trabalhadores que cooperam depende da magnitude do capital para comprar a força de trabalho. Com a cooperação de muitos trabalhadores, o domínio do capital torna-se uma exigência para a execução do processo de trabalho.

O comando do capitalista no campo da produção torna-se então tão necessário quanto o comando de um general no campo de batalha. Todo trabalho diretamente social ou coletivo, executado em grande escala, exige com maior ou menor intensidade uma direção que harmonize as atividades individuais. [...] Essa função de dirigir, superintender e mediar assume-a o capital logo que o trabalho a ele subordinado se torna cooperativo (idem, p. 379-380).

Podemos constatar, então, que a conexão entre as funções que os

trabalhadores exercem e a unidade que forma o “organismo produtivo” estão fora do

controle dos trabalhadores, mas sob o controle do capital que os põe juntos e assim os mantém.

Assim, os trabalhadores eram reunidos num mesmo espaço físico, sob a supervisão do capitalista que os assalariava. Entretanto, os trabalhadores detinham todo o conhecimento sobre as técnicas produtivas no que dizia respeito às atividades executadas (MARX,1996).

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capitalista. E mais, ela é a base de outras formas de cooperação e continua a existir ao lado destas.

Partindo dos pressupostos desse autor, constatamos que a cooperação adquire sua forma clássica na manufatura17. O período manufatureiro, grosso modo,

vai de meados do século XVI ao último terço do século XVIII.

O processo manufatureiro se origina de duas formas. De um lado, surge da combinação de ofícios independentes diversos que perdem sua independência −

através da especialização − e passam a constituir operações parciais do processo de produção de uma só mercadoria. Por outro, tem sua origem na cooperação de artífices de um determinado ofício, decompondo-o em diferentes operações, que se tornam função exclusiva de um único trabalhador. Mesmo decompondo as atividades em diferentes operações, ela continua manual, artesanal, dependendo da força, habilidade, rapidez e segurança do trabalhador individual ao manejar o seu instrumento.

Marx (1996) acrescenta que o trabalhador que executa durante sua vida inteira uma única operação transforma o seu corpo em um órgão automático que se especializa nessa operação. “A manufatura produz realmente a virtuosidade do

trabalhador mutilado, ao reproduzir e levar sistematicamente ao extremo, dentro da

oficina, a especialização natural dos ofícios” (idem, p. 390).

A manufatura, além de submeter o trabalhador ao comando do capital, cria uma gradação hierárquica entre eles. Enquanto a cooperação simples, em geral, não traz modificações ao modo de trabalhar do indivíduo, a manufatura o altera

inteiramente, pois se apossa da força individual do trabalho. Assim, “deforma o trabalho monstruosamente, levando-o artificialmente a desenvolver uma habilidade

parcial” (ibidem, p. 412). O trabalho é dividido em frações e distribuído entre

indivíduos, que representam um aparelho automático de um trabalho parcial.

O que perdem os trabalhadores parciais concentra-se no capital. A divisão manufatureira do trabalho opõe o trabalhador às forças intelectuais do processo produtivo. Estas são tidas como propriedade de outrem e como um poder que os

17 Manufatura é um sistema de fabricação de grande quantidade de produtos de forma padronizada e

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domina. Constata-se um paradoxo, pois é evidente que o desenvolvimento social é produto do trabalho de muitos, porém desfrutado por poucos.

Esse processo de dissociação começa com a cooperação simples, em que o capitalista representa diante do trabalhador isolado a unidade e a vontade do trabalhador coletivo. Esse processo desenvolve-se na manufatura, que mutila o trabalhador, reduzindo-o a uma fração de si mesmo, e completa-se na indústria moderna, que faz da ciência uma força produtiva independente do trabalho, recrutando-o para servir ao capital (MARX, 1996, p. 413-414).

De acordo com Marx (1996), o período manufatureiro simplifica, aperfeiçoa e diversifica as ferramentas, adaptando-as às funções exclusivas e especializadas do trabalhador parcial. Assim, cria-se uma das condições materiais para a existência da maquinaria, que consiste numa combinação de instrumentos simples. A produção de máquinas derruba as barreiras que ainda se impunham ao domínio total do trabalho pelo capital.

1.2.2 A Maquinaria e a Indústria Capitalista

De acordo com Marx (1996), o emprego da maquinaria não tem por objetivo diminuir o trabalho dos homens. A finalidade é baratear as mercadorias, diminuindo o tempo de trabalho socialmente necessário e aumentando a mais-valia, da qual o capitalista se apropria. Marglin (1996, p. 41) acrescenta que “essas inovações na

organização do trabalho foram introduzidas a fim de que o capitalista receba uma fatia maior do bolo”.

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De acordo com Lessa e Tonet (2007), a Revolução Industrial possibilitou que a sociedade burguesa atingisse a sua maturidade, com o antagonismo explícito de duas classes: a burguesia e o proletariado.

Verifica-se uma diferença importante entre a manufatura e a produção mecanizada. Na primeira, as operações parciais eram executadas manualmente

pelos trabalhadores isolados ou em grupos, que utilizavam suas ferramentas. Já “na produção mecanizada, desaparece esse princípio subjetivo da divisão do trabalho”

(MARX, 1996, p. 433). O isolamento dos processos parciais antes existentes na manufatura é substituído pela sua imperativa continuidade, e as fases que compõem o processo dependem essencialmente do entrelaçamento das máquinas, ficando o trabalhador apenas como um apêndice desse sistema.

A primeira preocupação do capital ao empregar a maquinaria foi a de utilizar o trabalho de mulheres e crianças. Assim, todos os membros da família ficaram sob o domínio direto do capital. Para Engels (1980), a emancipação da mulher e sua equiparação ao homem não poderiam acontecer enquanto ela estivesse excluída do trabalho produtivo social e confinada ao trabalho doméstico, que para ele é um trabalho privado. A emancipação da mulher só se torna possível quando ela pode participar em grande escala da produção e quando o trabalho doméstico lhe toma apenas um tempo insignificante. Essa condição só pode ser alcançada com a grande indústria moderna, que não apenas permite o trabalho da mulher em grande escala, mas até o exige.

Isso demonstra a tendência das mulheres a uma inserção cada vez maior no mercado de trabalho. Por outro lado, essa representação é acompanhada duplamente por uma maior carga horária e um menor salário em relação aos homens. O capital reconheceu assim a polivalência feminina e não hesitou em explorá-la. Ao analisar essa temática, Antunes (1999) reconhece que a incorporação da mulher no mercado de trabalho constitui-se em um momento importante da emancipação parcial (grifo do autor), porém a predominância feminina é notada nas áreas de maior exploração do trabalho manual, de maior trabalho intensivo. Já a presença dos homens é majoritária nas áreas em que predominam o capital intensivo e o maquinário mais avançado.

A maquinaria “baseia-se no emprego de mulheres, de crianças de todas as idades, de trabalhadores sem habilitação, sempre que possível; enfim, na

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Tabela 1: Levantamento da produção sucroalcooleira  –  safras 2011/12 e 2012/13
Tabela 2: Revisão da Projeção da Safra 2012/2013 da Região Centro-Sul
Figura  2  –   Cortadores de  cana  da  usina  São  João,  fazenda  São  Gonçalo,  município  de  Santa Rita/PB
Figura  3  –  Mapa  do  estado  da  Paraíba,  com destaque para o município de Tavares
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