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2 O CORTE DA CANA-DE-AÇÚCAR E A MIGRAÇÃO: COMBINAÇÃO IDEAL PARA A

3.2 PERFIL DOS CORTADORES DE CANA DE TAVARES/PB

Como expusemos ao longo dos capítulos anteriores, a agroindústria canavieira é a fiel expressão das relações de exploração que permeiam o modo de produção capitalista. Nesse sentido, a precarização do trabalho traduz-se numa das

66 Nos apêndices deste trabalho consta o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido utilizado para

112 alternativas empregadas para aumentar a lucratividade dos negócios do capital. Sob tamanha exploração e precarização, o contexto em que se dão as relações de trabalho dos cortadores de cana merece ser destacado.

Com esses pressupostos, passaremos, a partir de agora, a expor os resultados da nossa pesquisa empírica realizada com cortadores de cana migrantes, que saem todos os anos do município de Tavares, sertão paraibano, para cortar cana no interior do estado de São Paulo. Antes de perguntarmos aos trabalhadores sobre as suas condições de vida e de trabalho, primeiramente indagamos sobre suas características pessoais.

Gráfico 1 – Faixa Etária dos Cortadores de Cana

Fonte: Pesquisa Direta, 2013

Pelo gráfico, observamos que a maioria dos trabalhadores se caracteriza como jovens, o que se traduz em uma exigência “implícita” da atividade de cortar cana, pois para realizar essa atividade, como veremos abaixo, é necessário que o trabalhador apresente um bom condicionamento físico67. “Os mais jovens, em busca do novo, ansiosos por novas e diferentes oportunidades, fora do campo nordestino, são os que mais buscam esse tipo de vaga” (DOTA, 2008, p. 13). A população jovem é extremamente funcional para a agroindústria canavieira, uma vez que

67 Por sua vez, também são jovens.

50% 28% 12% 6% 4% De 18 a 21 De 22 a 25 De 26 a 29 De 30 a 33 De 34 a 37

113 Esse tipo de migração tem como atores principais homens jovens e bem nutridos, de preferência socializados na agricultura familiar, os quais são visados pelos empreiteiros e chefes de turma que buscam, assim, garantir a utilidade e a docilidade desses migrantes (MENEZES; SATURNINO, 2007, p. 237).

Para o jovem trabalhador, migrar para cortar cana é uma forma de emancipação pessoal, uma forma de realizar sonhos; para a agroindústria, é uma maneira de aumentar a produtividade. Por isso os jovens constituem a faixa etária de maior presença no corte da cana de açúcar, já que são estratégicos para a produção canavieira.

Quando perguntados sobre o estado civil, 60% responderam que são solteiros e 34% responderam que são casados. Destes, todos têm filhos, conforme gráfico abaixo:

Gráfico 2 – Estado Civil dos Cortadores de Cana e Quantidade de Filhos

Fonte: Pesquisa Direta, 2013

Pelos dados expostos acima, constata-se o grande quantitativo de trabalhadores que são solteiros. Ouvimos relatos de que, mesmo já estando, segundo eles, na faixa etária para casar, preferem deixar a namorada ou noiva “esperando” e ir para o corte de cana, pois se não migrarem, não terão condições de

Solteiro 60% Separado / Divorciado 6% Entre um e três filhos 55% Mais de 4 filhos 45% Casado 34%

114 casar. Advogamos a hipótese de que a migração entre os trabalhadores que são casados diminuiu nos últimos anos, mas isto ainda não foi analisado estatisticamente. Cumpre ressaltar que os cortadores de cana entrevistados que são casados argumentam que não têm mais intenção de migrar ou só vão porque precisam muito, pois é muito difícil ficar separado da mulher e dos filhos.

Porém, a grande presença de trabalhadores solteiros também não seria uma exigência implícita da agroindústria canavieira? É que aqueles que não constituíram ainda sua própria família aparentam sofrer menos com a separação dos familiares do que os casados.

Constatou-se que 34% dos entrevistados, mais exatamente 17, são casados, e destes, todos possuem filhos. O fato de possuir filho(s) aumenta a responsabilidade do trabalhador, levando a que ele aumente cada vez mais a sua produtividade, até o limite máximo do esforço físico.

Os casados, que carregam maior responsabilidade consigo, são os que gastam menos, pois procuram depositar a maior quantia possível para a mulher e os filhos. O objetivo é poupar, para melhorar de forma geral as condições nos meses em que retornarem. Quanto aos solteiros, esses têm objetivos diferentes: sem a necessidade de enviar dinheiro para o Nordeste, ficam mais livres para gastar seus salários, consumindo produtos muitas vezes de valor expressivo, como aparelhos de som e videogames (DOTA, 2008, p. 17).

Inferimos que o objetivo de migrar para cortar cana tem motivações diferentes entre os jovens solteiros e os trabalhadores casados que possuem filhos. Como demonstrado anteriormente, a maioria dos cortadores de cana entrevistados são jovens, o que faz com que desejem incondicionalmente integrar-se à lógica do consumo, já que o “ter”, sobretudo nesta faixa etária, é sinônimo de status e de aceitação no grupo.

Ao voltarem [do trabalho nos canaviais], já não são mais os mesmos que saíram: se sentem agora cidadãos „plenos‟. Os espaços, antes interditados, foram abertos e, o que é melhor e símbolo de mais prestígio, abertos com seus próprios esforços, podendo entrar num bar e chamar os amigos e ainda pagar a conta (SILVA, 2006, apud COVER, 2011, p. 4).

Como visto anteriormente, uma das maiores dificuldades do migrante é afastar-se de sua família. É necessário considerar que esse afastamento não diz

115 respeito simplesmente à mulher e aos filhos. No caso dos solteiros, há muitos relatos de saudade de mãe, pai, irmãos e, muitas vezes, namoradas ou noivas, as quais ficam “prometidas” e esperando o jovem cortador de cana retornar, como mencionamos há pouco.

Também perguntamos aos cortadores de cana sobre o local em que residem na época da entressafra.

Gráfico 3 – Local onde os cortadores residem com suas famílias na época da entressafra

Fonte: Pesquisa Direta, 2013

Indiscutivelmente, a zona rural apresenta um maior número de cortadores entrevistados. Praticamente todos os sítios da zona rural de Tavares têm pessoas que migram para cortar cana. Na listagem apresentada no gráfico acima, foram mencionados quatro: Domingos Ferreira, Batinga, Queimadas e Cacimbinha. Estes sítios estão localizados em áreas diferentes do município. Além disso, entrevistamos trabalhadores dos povoados Belém e Jurema, localizados a aproximadamente 12 e 18 quilômetros da cidade, respectivamente.

Os povoados apresentam entre seiscentos e oitocentos habitantes, e mesmo possuindo uma infraestrutura razoável (escolas, postos de saúde, água encanada), não oferecem oportunidades de emprego e trabalho para os moradores, que são

0 1 2 3 4 5 6 7 8

Zona Rural Zona Urbana

Sítio Domingos Ferreira Sítio Batinga

Sítio Queimadas Sítio Cacimbinha Povoado Bélem Povoado Jurema Bairro Creuza Marques Bairro São Sebastião Bairro Jardim Planalto Bairro Centro

116 obrigados a deslocar-se para São Paulo para cortar cana, assim como os demais que residem nos sítios. Todos os trabalhadores da zona rural afirmaram que ele ou sua família possuem propriedade rural, na qual plantavam ou arrendavam. No entanto, a seca não tem permitido uma boa colheita, e as terras apresentam características de desertificação68 que se agravam a cada ano. Além disso,

Se antes o assalariamento por tempo determinado era complementar e o ciclo do roçado é que determinava o trabalho na lavoura canavieira, na década de 1970 ocorre uma inversão neste processo. O que passa a determinar o assalariamento por tempo determinado já é o ciclo da cana, uma vez que o corumba apenas detém o seu “chão de terra”, insuficiente para o mínimo de subsistência da família (IAMAMOTO, 2011, p. 164) (grifos da autora).

O trabalhador migrante torna-se parte da reserva da força de trabalho criada no próprio processo de acumulação do capital. Nesse sentido, o cortador de cana passa a vivenciar uma mobilidade social permanente, que vai constituir-se em elemento indissociável de sua reprodução.

No que se refere à zona urbana, o gráfico mostra que quatro bairros do município de Tavares têm moradores que são cortadores de cana e aí moram na época da entressafra. É conveniente lembrar que esses bairros, excluindo-se o centro, estão na periferia da cidade e um deles, o bairro Jardim Planalto, é formado por um conjunto habitacional. Há diferenças visíveis entre os bairros acima mencionados e aqueles mais próximos do centro. Isso pode ser constatado através da qualidade das construções, posse de bens dos moradores, dentre outros aspectos, o que demonstra que os habitantes que migram para cortar cana possuem pouca ou quase nenhuma renda. De acordo com Marx (2011, p. 763),

A situação habitacional é fácil de entender. Qualquer observador desprovido percebe que, quanto maior a centralização dos meios de produção, tanto maior o amontoamento de trabalhadores no mesmo espaço e, portanto, quanto mais rápida a acumulação capitalista, tanto mais miserável as habitações dos trabalhadores.

Esse fato é extremamente verificável quando se trata de um cortador de cana. Ao analisarmos os contrastes e opostos da agroindústria canavieira, podemos

68

A desertificação é caracterizada como o processo de degradação da terra nas zonas áridas, semiáridas e subúmidas secas, resultante das atividades humanas ou de fatores naturais (variações climáticas).

117 perceber quão grande é a produção e a lucratividade do setor e o quanto é degradante a situação dos trabalhadores. No caso daqueles entrevistados em nossa pesquisa, suas casas são modestas e pequenas.

Gráfico 4 – Escolaridade dos Cortadores de Cana

Fonte: Pesquisa Direta, 2013

Pelos dados expostos acerca da escolaridade, observa-se que nenhum cortador de cana declarou ser analfabeto. A maioria (vinte entrevistados) possui apenas o nível fundamental incompleto. Da mesma maneira, à medida que aumenta a escolaridade, diminui o número de trabalhadores. Com as mudanças ocasionadas no mundo do trabalho pelo processo de reestruturação produtiva, podemos perceber que

Criou-se, de um lado, em escala minoritária, o trabalhador “polivalente e multifuncional” da era informacional, capaz de operar máquinas com controle numérico e de, por vezes, exercitar com mais intensidade sua dimensão mais intelectual. E, de outro lado, há uma massa de trabalhadores precarizados, sem qualificação, que hoje está presenciando as formas de part-time, emprego temporário, parcial, ou então vivenciando o desemprego estrutural (ANTUNES, 2011, p. 185) (grifos do autor).

É nítida, portanto, a presença de uma classe trabalhadora mais heterogênea, fragmentada e complexificada, dividida em trabalhadores qualificados e desqualificados, estáveis e precários, do mercado informal e formal, integrantes do

40% 34% 16% 10% Fundamental Incompleto Fundamental Completo Médio Incompleto Médio Completo

118 mesmo processo, mas que se percebem como trabalhadores opostos, apesar de pertencerem a uma mesma classe.

3.3 CARACTERÍSTICAS PECULIARES DA MIGRAÇÃO PARA O CORTE DA CANA