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1.2 O CONTROLE DO PROCESSO DE TRABALHO PELO CAPITAL

1.2.1 A Cooperação Simples e a Manufatura

A produção capitalista só começa realmente quando um mesmo capitalista particular de uma só vez ocupa um número considerável de trabalhadores e quando o processo de trabalho amplia sua escala e fornece produtos em maior quantidade.

A atuação simultânea de grande número de trabalhadores, no mesmo local, ou no mesmo campo de atividade, para produzir a mesma espécie de mercadoria sob o comando do mesmo capitalista, constitui, histórica e logicamente, o ponto de partida da produção capitalista (MARX, 1996, p. 370).

Mesmo não se alterando o método de trabalho, o emprego simultâneo de grande número de trabalhadores opera nas condições materiais do processo de trabalho, o que Marx chama de revolução (idem). Aumenta, então, a proporção dos meios de produção utilizados em comum, o que acarreta uma economia no emprego

34 destes. Esses meios adquirem um caráter de condições do trabalho social ou condições sociais do trabalho se forem comparados com os meios de produção esparsos de trabalhadores autônomos isolados.

Nesse sentido, Marx (1996, p. 374) define a cooperaçãocomo sendo “a forma de trabalho em que muitos trabalham juntos, de acordo com um plano, no mesmo processo de produção ou em processos de produção diferentes, mas conexos”. O efeito do trabalho combinado não poderia ser produzido pelo trabalho individual, e só assumiria essa forma num espaço de tempo muito mais longo ou numa escala reduzida. Não se trata da elevação da força produtiva individual, através da cooperação, mas da criação de uma força produtiva nova, a força coletiva. Ainda que os trabalhadores realizem em conjunto o mesmo trabalho ou a mesma espécie de trabalho, eles podem representar individualmente, como sendo partes do processo total, diferentes fases do processo de trabalho.

Quando os trabalhadores se complementam mutuamente, fazendo a mesma tarefa ou tarefas de uma mesma espécie, verifica-se a presença da cooperação simples (idem). Ela desempenha importante papel, pois se um determinado processo de trabalho é tido como complicado, a existência de certo número de cooperadores permite dividir as diferentes operações entre diferentes trabalhadores, de modo que elas são executadas simultaneamente, encurtando, dessa maneira, o tempo de trabalho necessário para concluir as tarefas.

Devemos observar que o parcelamento do trabalho pode também ser realizado quando os trabalhadores estão ocupados numa mesma tarefa. Para um melhor entendimento, Marx (1996) traz como exemplo o caso de pedreiros que passam tijolos de mão em mão, até chegar ao alto de um andaime. Todos eles executam a mesma tarefa, mas existe entre eles uma divisão de trabalho: cada um deles movimenta o tijolo num espaço determinado, em conjunto, para atingir um mesmo objetivo mais rapidamente.

Ora, pode-se observar que a cooperação simples já podia ser vista nas obras gigantescas dos antigos egípcios e na agricultura das comunidades indianas. Porém, essa cooperação fundamentava-se na propriedade comum dos meios de produção, e o indivíduo estava preso à tribo ou à comunidade. Na cooperação capitalista, como já foi dito, os meios de produção são privados e, além disso, esta pressupõe o assalariamento livre. Portanto, a cooperação “se manifesta como forma histórica peculiar do processo de produção capitalista” (idem, p. 384).

35 O trabalhador, ao cooperar com os outros de acordo com um plano, se desfaz dos limites de sua individualidade e desenvolve a capacidade de sua espécie. Se a força do homem isolado é mínima, a junção das forças mínimas gera um total maior do que a soma das forças reunidas (MARX, 1996). A jornada coletiva de trabalho produz maior quantidade de valores de uso, se comparada a uma soma igual de jornadas de trabalho individuais. Com isso, se reduz o tempo de trabalho necessário para a produção de um determinado item.

Portanto, a aglomeração de trabalhadores em determinado local é condição para a sua cooperação. Assim, é necessário que o mesmo capital os empregue simultaneamente e compre ao mesmo tempo suas forças de trabalho. O número de trabalhadores que cooperam depende da magnitude do capital para comprar a força de trabalho. Com a cooperação de muitos trabalhadores, o domínio do capital torna- se uma exigência para a execução do processo de trabalho.

O comando do capitalista no campo da produção torna-se então tão necessário quanto o comando de um general no campo de batalha. Todo trabalho diretamente social ou coletivo, executado em grande escala, exige com maior ou menor intensidade uma direção que harmonize as atividades individuais. [...] Essa função de dirigir, superintender e mediar assume-a o capital logo que o trabalho a ele subordinado se torna cooperativo (idem, p. 379-380).

Podemos constatar, então, que a conexão entre as funções que os trabalhadores exercem e a unidade que forma o “organismo produtivo” estão fora do controle dos trabalhadores, mas sob o controle do capital que os põe juntos e assim os mantém.

Assim, os trabalhadores eram reunidos num mesmo espaço físico, sob a supervisão do capitalista que os assalariava. Entretanto, os trabalhadores detinham todo o conhecimento sobre as técnicas produtivas no que dizia respeito às atividades executadas (MARX,1996).

De acordo com o autor acima, a cooperação simples coincide com a produção em larga escala, mas não constitui nenhuma forma fixa, característica de uma época em especial de desenvolvimento do capitalismo. Ela continua sendo sempre a forma predominante nos ramos da produção em larga escala em que o capital opera. Portanto, a cooperação simples é a forma fundamental do modo de produção

36 capitalista. E mais, ela é a base de outras formas de cooperação e continua a existir ao lado destas.

Partindo dos pressupostos desse autor, constatamos que a cooperação adquire sua forma clássica na manufatura17. O período manufatureiro, grosso modo, vai de meados do século XVI ao último terço do século XVIII.

O processo manufatureiro se origina de duas formas. De um lado, surge da combinação de ofícios independentes diversos que perdem sua independência − através da especialização − e passam a constituir operações parciais do processo de produção de uma só mercadoria. Por outro, tem sua origem na cooperação de artífices de um determinado ofício, decompondo-o em diferentes operações, que se tornam função exclusiva de um único trabalhador. Mesmo decompondo as atividades em diferentes operações, ela continua manual, artesanal, dependendo da força, habilidade, rapidez e segurança do trabalhador individual ao manejar o seu instrumento.

Marx (1996) acrescenta que o trabalhador que executa durante sua vida inteira uma única operação transforma o seu corpo em um órgão automático que se especializa nessa operação. “A manufatura produz realmente a virtuosidade do trabalhador mutilado, ao reproduzir e levar sistematicamente ao extremo, dentro da oficina, a especialização natural dos ofícios” (idem, p. 390).

A manufatura, além de submeter o trabalhador ao comando do capital, cria uma gradação hierárquica entre eles. Enquanto a cooperação simples, em geral, não traz modificações ao modo de trabalhar do indivíduo, a manufatura o altera inteiramente, pois se apossa da força individual do trabalho. Assim, “deforma o trabalho monstruosamente, levando-o artificialmente a desenvolver uma habilidade parcial” (ibidem, p. 412). O trabalho é dividido em frações e distribuído entre indivíduos, que representam um aparelho automático de um trabalho parcial.

O que perdem os trabalhadores parciais concentra-se no capital. A divisão manufatureira do trabalho opõe o trabalhador às forças intelectuais do processo produtivo. Estas são tidas como propriedade de outrem e como um poder que os

17 Manufatura é um sistema de fabricação de grande quantidade de produtos de forma padronizada e

em série. Neste processo podem ser usadas somente as mãos (como era feito antes da Revolução Industrial), ou máquinas, como passou a ocorrer após a Revolução Industrial.

37 domina. Constata-se um paradoxo, pois é evidente que o desenvolvimento social é produto do trabalho de muitos, porém desfrutado por poucos.

Esse processo de dissociação começa com a cooperação simples, em que o capitalista representa diante do trabalhador isolado a unidade e a vontade do trabalhador coletivo. Esse processo desenvolve-se na manufatura, que mutila o trabalhador, reduzindo-o a uma fração de si mesmo, e completa-se na indústria moderna, que faz da ciência uma força produtiva independente do trabalho, recrutando-o para servir ao capital (MARX, 1996, p. 413-414).

De acordo com Marx (1996), o período manufatureiro simplifica, aperfeiçoa e diversifica as ferramentas, adaptando-as às funções exclusivas e especializadas do trabalhador parcial. Assim, cria-se uma das condições materiais para a existência da maquinaria, que consiste numa combinação de instrumentos simples. A produção de máquinas derruba as barreiras que ainda se impunham ao domínio total do trabalho pelo capital.