• Nenhum resultado encontrado

A Subordinação da Economia Brasileira aos Mercados Internacionais

2 O CORTE DA CANA-DE-AÇÚCAR E A MIGRAÇÃO: COMBINAÇÃO IDEAL PARA A

2.1 UM BREVE ESTUDO SOBRE A FORMAÇÃO ECONÔMICO-POLÍTICA BRASILEIRA: O

2.1.2 A Subordinação da Economia Brasileira aos Mercados Internacionais

De acordo com Prado Júnior (1987), a economia se subordina inteiramente ao fim agroexportador, e se organizará e funcionará para produzir e exportar de acordo com os ditames do mercado do exterior. Tudo o que nela existe será subsidiário e destinado unicamente a tornar possível a realização desse fim.

Assiste-se sucessivamente a fases de prosperidade estritamente localizadas, seguidas, e depois, de total aniquilamento. Para Prado Júnior (1987), esse cenário continuará assim no futuro. A primeira fase de prosperidade alcança os mais antigos centros produtores de açúcar da colônia e vai até o fim do século XVII. Segue-se a decadência logo no início do século seguinte. Substituem essas regiões os centros mineradores. Esta ascensão não irá muito além da metade do século XVIII. Retorna a prosperidade dos primitivos centros agrícolas do litoral; a eles se acrescentam alguns outros; e o açúcar é subsidiado pelo algodão. Em meados do século XIX, a situação já se tornara completamente diferente. Outras regiões vinham tomar o lugar das antigas, já agora com um produto novo: o café.

Dessa forma, a economia brasileira assenta-se em bases precaríssimas. Uma conjuntura internacional favorável a um produto qualquer, que o latifúndio é capaz de fornecer, impulsiona o seu funcionamento, dando a impressão aparente de riqueza.

Mas basta que aquela conjuntura se desloque, ou que se esgotem os recursos naturais disponíveis, para que aquela produção decline e pereça, tornando impossível manter a vida que ela alimentava. Em cada um dos casos em que se organizou um ramo de produção brasileira, não se teve em vista outra coisa que a oportunidade momentânea que se apresentava (PRADO JÚNIOR, 1987, p. 128).

66 Depois da decadência ou do esgotamento das riquezas naturais, abandona- se tudo para investir em novas oportunidades. É dessa maneira que se estruturou e funcionou a economia brasileira. Na constituição dessa estrutura, podemos perceber nitidamente um pequeno número de empresários e dirigentes que se apoderam e dominam tudo, e a grande massa da população, que serve para construir essa riqueza, sem dela poder usufruir. As resistências às mudanças eram muitas. De acordo com Prado Júnior (1987), as descrições dos engenhos de açúcar de princípios do século XVIII ainda se ajustavam aos engenhos de cem anos depois.

As lutas sociais não deixaram de existir. Em 1888 a escravidão foi formalmente abolida. Claro que esse processo não se deu de maneira simples e pacífica, e as mudanças não ocorreram repentinamente. Foi um processo longo, que dependeu de circunstâncias sociais, econômicas e políticas, as quais, segundo os críticos, estariam mais subordinadas às cobranças externas do que internas, como, por exemplo, à expansão do capitalismo. Depois da abolição, o escravo foi substituído pelo trabalhador livre, o senhor de engenho foi substituído pelo usineiro ou pelo capitalista ausente36. Mudam os personagens, mas as bases continuam as mesmas.

Conforme Silva (1981), a partir da segunda metade do século XIX a história econômica brasileira caracteriza-se pela substituição do trabalho escravo pelo trabalho assalariado, pelo desenvolvimento do mercado, pela rápida expansão das estradas de ferro e pelo surgimento das primeiras indústrias. Esse período precede e cria as condições necessárias à industrialização brasileira. Ela é resultado de um complexo de contradições sociais, representando, segundo este autor, uma ruptura com o passado, consequência de um conjunto de lutas econômicas, políticas e ideológicas.

Entretanto, é necessário fazer uma crítica ao termo “ruptura”, empregado pelo autor acima. Para isso, utilizamo-nos dos argumentos de Mazzeo (1997). Segundo ele, na época tratada, não existiu no Brasil uma burguesia forte e hegemônica. Nas formações sociais em que o desenvolvimento do capitalismo aparece tardiamente, não houve uma ruptura revolucionária, e sim uma “articulação conciliatória”, na qual as camadas populares são mantidas à margem. “Não terá assim [...] nenhuma

36

Esse processo não é uniforme e rápido; não acontece num “piscar de olhos”. Ele se arrasta de uma maneira tão onipresente na história, que há resquícios até hoje: de denúncia à fiscalização, ainda se encontram no país trabalhadores submetidos a regimes de trabalho escravo ou semiescravo.

67 perspectiva de ruptura real com a estrutura colonial da economia brasileira” (MAZZEO, 1997, p. 92). As mudanças que iam se apresentando ao longo do tempo dependiam bem mais da própria crise do sistema colonial do que de uma proposta de mudança econômico-social que visasse o desenvolvimento das forças produtivas. Deve-se também considerar que “o desenvolvimento das forças produtivas toma as formas adaptadas à reprodução das relações de produção dominantes” (SILVA, 1981, p. 20). Assim, a industrialização representa a transformação do processo de trabalho pelas relações de produção capitalistas. Através dos argumentos expostos acima, pode ser constatado que, no Brasil, a industrialização se realiza quando já é dominante em escala mundial.

Mazzeo (1995) observa que a industrialização é fruto de uma política que buscou a expansão do mercado interno, já que seu crescimento liga-se aos condicionantes da economia internacional.

De acordo com o autor supracitado, de fato, o Brasil nasce subordinado aos interesses dos capitais internacionais, já que a presença destes no país é uma realidade desde o período colonial. O capital financeiro penetrará a partir da Inglaterra, inicialmente por meio de empréstimos públicos, basicamente na política de valorização do café.

Durante suas diferentes fases, a economia cafeeira37 será explorada pelo capital financeiro britânico, mediante financiamentos. Gradativamente, o capital internacional domina os setores mais importantes da economia nacional. A necessidade de manter a economia nacional subordinada aos interesses internacionais constituía-se no próprio núcleo da economia agroexportadora. Desse modo, a economia brasileira direcionava-se à exportação, e não à produção industrial para o mercado interno.

A partir de 1915 torna-se mais intensa a penetração do imperialismo no Brasil, quando se instala um número considerável de subsidiárias de grandes empresas internacionais. Após a Segunda Guerra Mundial, a hegemonia inglesa decai e efetiva-se o total domínio dos capitais americanos.

68 Não podemos deixar de mencionar a importância da chamada Revolução de 193038. De acordo com Mazzeo (1997), o seu real caráter é compreendido como um arranjo entre a burguesia para a divisão do poder político e econômico. Ela significa um marco no desenvolvimento do capitalismo no Brasil, pois representa um grande passo da burguesia brasileira rumo à adequação da estrutura produtiva à economia mundial. “O Estado que emergirá após 1930, mais intervencionista e centralizador, representará, objetivamente, as necessidades do reordenamento geral do capitalismo” (idem, p. 33).

Assim, o Estado traz para o seu âmbito as tarefas que a frágil burguesia não pôde realizar, edificando as bases para uma industrialização massiva que pudesse gerar um proletariado moderno.

Segundo Santos (2010), o período que vai dos anos 1930 aos anos 1950, assim como em outros períodos que se sucederam, é marcado pela forte presença do Estado no processo de acumulação capitalista, orientado para o desenvolvimento e a expansão da industrialização no país. Porém, a expansão do capital industrial no país foi marcada contraditoriamente pelo desenvolvimento histórico-econômico ainda baseado em relações coloniais e de subordinação. Desse modo, a industrialização brasileira aconteceu

Introduzindo relações novas no arcaico e reproduzindo relações arcaicas no novo, ou seja, um modo de compatibilizar a acumulação global, em que a introdução das relações novas no arcaico libera força de trabalho que suporta a acumulação-industrial urbana e em que a reprodução de relações arcaicas no novo preserva o potencial de acumulação liberado exclusivamente para fins de expansão do próprio novo (OLIVEIRA, 2006, p. 60).

Nesse movimento contraditório achavam-se as bases para a consolidação do processo de reprodução do capital, voltado, obviamente, para os ditames do mercado internacional. Torna-se evidente a subordinação do país ao movimento das forças sociais e políticas advindas do exterior.

Desse modo, consolida-se no Brasil o cenário para a concentração capitalista. Santos (2010) afirma que com a Ditadura Militar, a partir de 1964, o movimento

38

Para Mazzeo (1995), a Revolução de 1930 não se apresenta como um rompimento revolucionário, pois a burguesia nacional, considerada pelo autor como débil e frágil, não tinha como fazê-lo, por ser dependente e subordinada aos polos mais desenvolvidos do capitalismo.

69 intrínseco à lógica do capitalismo, ou seja, expandir-se e acumular, é notado com maior intensidade, devido à implantação da indústria pesada no país.

Andrade (2000) complementa o pensamento acima quando afirma que com a Ditadura Militar foi possível notar um conjunto de mudanças, de ordem fiscal, financeira, administrativa e industrial, que visava impor uma política brutal de arrocho salarial, voltada à elevação da taxa de lucro. Essa política vigeu do final dos anos de 1960 até início dos anos de 1980, ficando conhecida como “o milagre econômico”.

Caracterizado pelo maciço investimento no setor industrial e buscando elevadas taxas de crescimento econômico, o “milagre econômico” só foi possível mediante a adequação de mecanismos de financiamento, tendo o capital internacional um papel de destaque (SANTOS, 2010).

Sant‟Ana (2012) acrescenta que durante a repressão dos governos militares39, em que a tortura e a perseguição atingiam toda a sociedade, o Estado consolidava as bases da monopolização da economia, pois “promovia uma ampla internacionalização da economia e garantia aos grandes grupos industriais investimentos lucrativos e subsidiados em diversas áreas” (idem, p. 23). Segundo esta autora, a década de 60 também vivenciou uma política de valorização fundiária que contribuiu para acentuar ainda mais a concentração fundiária e a expulsão do homem do campo.

No início da década de 80, a consolidação do capital estrangeiro já havia se efetivado. Neste período, aumentam as lutas e os movimentos sociais ganham força, empenhados na redemocratização do país. O que define a condução da política interna é a conjuntura internacional. Fazemos alusão à fase que o capitalismo vivenciava: período de reestruturação produtiva e maior abertura para o mercado e capital internacionais. Tais determinações conduzem a que seja redimensionado o modelo político ditatorial. Sendo assim, a ditadura já não se adequava mais ao padrão econômico que se impunha.

Com o fim da Ditadura Militar, as lutas e reivindicações de amplos setores da sociedade foram materializados na Constituição Federal de 1988. Esta Constituição, conhecida como “Cidadã”, assegura diversos direitos sociais. Cesar (2008), entretanto, assinala que a Carta Magna também assegura a ordem do capital, uma

39 Durante esse período, após a edição do Ato Institucional nº 5, qualquer cidadão poderia estar

70 vez que cria aparatos jurídicos mantenedores do status quo vigente. Na passagem da década de 1980 para a de 1990,

Sob os postulados de austeridade e ajustamento estrutural estabelecidos pelo capital internacional e seus organismos supranacionais – como o Fundo Monetário Internacional (FMI), o Acordo Geral de Tarifas e Comércio (GATT), o Banco Mundial (BIRD) e o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) –, o Estado foi impelido, por força do modelo neoliberal adotado, a livrar- se das obrigações públicas de proteção e garantia dos direitos sociais, desencadeando mecanismos destruidores das conquistas sociais sancionadas na Constituição de 1988 (CESAR, 2008, p. 179).

Nesse contexto, moldam-se as adaptações da ofensiva neoliberal do grande capital, marcada por ajustes econômicos e reformas institucionais. Tal ofensiva redireciona a gestão estatal da força de trabalho, de modo a assegurar a reprodução da classe trabalhadora, mantendo os mecanismos que garantem o consumo. A classe trabalhadora acumula perdas e se vê refém da exploração do capitalismo contemporâneo.

A posição de subordinação do país aos do centro capitalista persiste. Mesmo em tese não existindo mais escravidão, os trabalhadores continuam a ser explorados em situações que se assemelham àquela. O latifúndio de ontem, que concentrou tantas terras nas mãos dos senhores, ainda hoje continua a existir, destinando a riqueza para poucos e privando a maior parte da população do usufruto dela.

Em relação à agroindústria canavieira, podemos constatar que nela coexistem o “novo” e o “velho”. O novo corresponde a modernizações, ao incremento tecnológico. O velho corresponde a velhas práticas de contrato de trabalho (a exemplo do “gato”) e ao uso de força de trabalho nos moldes escravistas. “Nossas modernizações não conseguem superar esses limites porque sempre reforçam os mesmos setores econômicos, as mesmas relações de produção arcaicas [...] e a prevalência da exportação sobre o mercado interno” (LESSA, [s.d.], p. 6). O setor canavieiro tem sido centro desses processos de modernização conservadora.

Às particularidades da formação histórica brasileira, somam-se as mundanças empreendidas mundialmente para que o capital supere suas próprias crises, o que significa encontrar novas maneiras de explorar o trabalhador e, dessa forma, extrair a mais-valia, sem a qual o capital se extingue.

71 Lançamo-nos agora ao desafio de compreender as características que permeiam a agroindústria canavieira, a fim de apreender as determinações econômica, política e social a que estão submetidas as relações de produção presentes nesse contexto.