• Nenhum resultado encontrado

PARTE I A ANÁLISE DAS POLÍTICAS PÚBLICAS MUNICIPAIS: PERSPECTIVAS

3. A ANÁLISE DAS POLÍTICAS PÚBLICAS MUNICIPAIS

3.4. A implementação

A implementação designa a fase de uma política pública durante a qual os actos e os efeitos são gerados a partir de um quadro normativo de intenções, de textos e de discursos. Passar ao acto, executar, gerir, administrar: os termos não faltam para identificar o que, à primeira vista, parece evidente. Todavia não devemos cair na tentação de confundir a implementação com os efeitos e os resultados, ou seja, não fazer juízos sobre o conteúdo e o processo de cada política.

Esta fase é frequentemente subestimada na análise das políticas públicas, muitas vezes porque nós veiculamos representações do real que desvalorizam o papel que podem desempenhar os responsáveis pela sua implementação. Três tipos de crenças conformam esta visão que atribui aos decisores um papel político e aos executantes um papel administrativo: o primado da hierarquia da autoridade; a distinção entre universo político e mundo administrativo; a prossecução do princípio da eficiência.

Estas crenças conduzem-nos a minimizar a importância e o significado da implementação no trabalho político. Elas concebem os executantes como elementos de uma estrutura de comando situado no alto, no centro, no topo da máquina, dispondo estes de pouca autoridade discricionária e de nenhuma liberdade de acção de tipo político. Executar significa aqui que:

O executante recebe do decisor uma tarefa com base em critérios técnicos, impessoais, de competência e lealdade;

A política pública é comunicada e confiada ao executante sob a forma de interacções específicas detalhadas, de procedimentos operacionais, de programas de actividade;

O executante implementa as instruções em conformidade com os objectivos e as indicações dadas pelo decisor.

Esta perspectiva é habitualmente designada de top-down na literatura anglo- saxónica. Ela concebe a implementação como uma sequência linear descendente de um centro para a periferia. O alto governa pela definição do senso e dos fins e pelo manuseamento da autoridade. A base aplica por conformidade à hierarquia e pela apropriação instrumental dos meios da política pública. A passagem da centralidade para a periferia dos objectivos em meios, pela substituição da técnica à política, pelo desaparecimento dos conflitos em benefício de racionalidades de gestão.

| 3 - A ANÁLISE DAS POLÍTICAS PÚBLICAS MUNICIPAIS |

A abordagem top-down parece, à primeira vista, credível. As instituições administrativas dos Estados modernos são edificadas nas suas premissas. E, num mundo ideal, ele fornece a solução para a gestão da intendência quotidiana. Mas vários estudos e análise concretas contestam a sua aplicação, nomeadamente porque as fronteiras entre os dois campos não são tão lineares e evidentes como pode parecer á primeira vista. O que se passa na base da máquina piramidal é muito mais complexo do que se poderia imaginar. Para além de uma forte autonomia de acção, os executantes, cujos comportamentos são em princípio condicionados pelos procedimentos técnicos e administrativos, tendem a apropriar-se dos meios da política de forma discricionária, ao ponto de fazer deste um suporte do seu próprio poder interno face aos seus chefes ou face aos seus clientes externos.

Tendo por pano de fundo as críticas pertinentes e sistemáticas a esta perspectiva, vários autores desenvolveram abordagens alternativas que tentam não só valorizar o papel e a influência dos executantes na orientação dada às políticas públicas mas também demonstrar que, na sua implementação, prossegue a luta política sob as mais diversas formas: pressões, negociações, trocas. Assim Hjern, inspirado na teoria do public choice, propõe uma abordagem de tipo bottom up, que parte da base para o topo (HJERN e PORTER, 1980). Esta fórmula seduz, mesmo que, do ponto de vista analítico, ela pareça mais crítica do que construtiva. Por sua vez, os defensores da abordagem sistémica, propuseram outros modelos de análise que têm a vantagem de detectar os efeitos de retroacção que provoca o conteúdo da política pública e considera a implementação como uma actividade constituinte do sistema político (REIN e RABINOVITZ, 1978).

A implementação de uma política pública caracteriza-se como um conjunto de actividades individuais ou organizacionais, transformando as condutas num contexto prescritivo estabelecido por uma autoridade pública. Esta definição de carácter analítico põe em evidência duas facetas da implementação: uma orientação normativa incluindo mudanças sociais; um sistema de acção composto por vários actores.

Implementar é aplicar um programa de acção a um problema, a uma situação ou a um comportamento. O que quer dizer que as modificações, as perturbações relativamente ao estado natural das pessoas e das coisas, serão induzidas, suscitadas, solicitadas. Se, como foi dito, toda a política pública cobre uma teoria da mudança social, a implementação constitui, a este respeito, a demonstração da natureza e do alcance das transformações que se pretendem provocar. Assim sendo, tanto como o destinatário, o executante é um elemento chave no processo de

| 3 - A ANÁLISE DAS POLÍTICAS PÚBLICAS MUNICIPAIS |

mudança social que subentende uma política pública. Daqui resulta a necessidade imperiosa, para o analista, de explicitar os principais postulados teóricos no domínio da mudança social que uma política pública visa. E que podem ser identificados a partir dos seguintes parâmetros: os objectivos enunciados ou visados; o horizonte temporal; os destinatários da política; os executantes mobilizados.

A implementação estrutura um campo de acção no qual os diversos actores intervêm, quer se trate daqueles que detêm a tarefa formal de execução, quer se trate de actores mais longínquos, em princípio não envolvidos, mas que se mobilizam porque esta implementação constitui um desafio para eles ou para os seus mandatários. O que é que vai fazer o analista das políticas públicas, munido como está de uma visão mais neutra dos fenómenos? Ele vai procurar confrontar a teoria com a prática, o esquema prescritivo com os factos reais que ele pode observar. E é nesta confrontação que reside o essencial da análise das políticas públicas.