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PARTE I A ANÁLISE DAS POLÍTICAS PÚBLICAS MUNICIPAIS: PERSPECTIVAS

3. A ANÁLISE DAS POLÍTICAS PÚBLICAS MUNICIPAIS

3.1. O quadro conceptual

Uma política pública é o produto da actividade de uma autoridade investida de poder público e de legitimidade governamental. Do ponto de vista da análise, uma política apresenta-se sob a forma de um conjunto de práticas e de normas procedendo de um ou de vários actores públicos. Num dado momento, num dado contexto, uma autoridade adopta práticas de um determinado tipo, agindo ou não. Estas práticas são identificáveis de forma objectiva e concreta: modos de intervenção, regulamentação, fornecimento de recursos, repressão, etc. Elas podem também ser imateriais, mesmo simbólicas: um discurso, uma campanha de comunicação. Ao mesmo tempo, estas práticas são enquadradas ou enquadráveis em determinadas finalidades, escolhas de valor, quer sejam explícitas pela autoridade, quer sejam implícitas.

Em teoria, a questão parece relativamente simples. Uma política pública apresenta-se como um programa de acção governamental num dado sector da sociedade ou num dado espaço geográfico. Existe actualmente um relativo consenso, por parte dos politólogos e dos sociólogos, para definir a sua natureza e os seus contornos. Em geral, as suas características são as seguintes:

Um conteúdo

A actividade pública identifica-se sob a forma de uma substância, de um conteúdo. Determinados recursos são mobilizados para gerar determinados resultados ou produtos. São estes produtos que o analista examina como um problema de investigação para acção e que resultam de um processo de trabalho e acção;

Um programa

Uma política pública não se reduz a um acto pontual e isolado. Por detrás de um acto, por detrás desta ou daquela actividade, existe um quadro geral no interior do qual este acto, estas actividades se integram. Assim, deve-se fazer a

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hipótese de que, mesmo se o quadro não está definido explicitamente, podemos identificar as articulações entre os actos, uma estrutura relativamente permanente de referência ou de orientação;

Uma orientação normativa

A actividade pública não é supostamente o resultado de respostas aleatórias mas, ao contrário, a expressão de finalidades e de preferências que o decisor, de forma voluntária ou sob o peso das circunstâncias, assume e é o responsável. Os actos traduzem orientações: intencionalmente ou não, eles satisfazem interesses, carregam determinados valores, subentendem determinados objectivos;

Um factor de coerção

A actividade pública procede da natureza autoritária que investe toda a instituição governamental. Esta possui uma legitimidade que resulta da sua condição de autoridade pública. O acto público impõe-se de facto, ele está habilitado como expressão da potência pública. A sua autoridade impõe-se à colectividade;

Um campo social

Uma política pública define-se pelo seu campo, pelo «público» a quem os seus actos e disposições afectam a situação, os interesses, os comportamentos. A sua análise passa portanto pela identificação do público, dos indivíduos, dos grupos ou instituições que entram no domínio da acção governamental considerada.

Esta definição teórica constitui uma espécie de guia para a análise das políticas públicas, as quais se apresentam como uma abstracção que importa reconstituir, a partir de elementos empíricos diversos, nos textos, nos orçamentos, nos organogramas. No entanto, nem toda a actividade pública pode ser associada a uma política pública. Para evitar confusões, importa distinguir, desde já, as duas facetas da acção governamental: a gestão interna e a gestão das políticas públicas.

A gestão interna designa a mobilização que opera uma autoridade pública, regulada de modo interno, dos seus recursos próprios, a fim de produzir as realizações concretas específicas e individualizadas.

A gestão das políticas públicas designa a mobilização de meios públicos para suscitar determinados efeitos ou impactos, enunciados de modo qualitativo e normativo, em termos gerais ou abstractos.

A análise das políticas públicas é uma tentativa metodológica para conhecer melhor porquê e como os meios mobilizados pela autoridade pública não produzem os resultados e os efeitos previstos e, caso seja esse o seu objectivo, de reduzir os

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desvios e as disfunções. Esta análise alimenta-se da identificação dos efeitos gerais provocados pelas actividades administrativas que não são os desejáveis: efeitos disfuncionais, efeitos perversos ou efeitos induzidos.

Para o analista, toda a política pública contempla uma teoria da mudança social, ou seja, remete para uma relação de causa efeito que está contida mas disposições que regem e fundam a acção pública considerada. Esta causalidade é normativa. Ela pode ser identificada através dos objectivos, conteúdos e dos instrumentos de acção que a autoridade governamental adopta, a partir de realizações, dos efeitos ou dos impactos no tecido social. Mas também pela análise dos seguintes aspectos:

Os objectivos prosseguidos pela política pública considerada; Os destinatários visados pela política pública;

Os agentes a quem é confiada a aplicação das medidas governamentais; Os tipos de políticas públicas.

A propósito deste último item, convém referir que uma política pública pode ser qualificada segundo diferentes modos. Desde logo, do ponto de vista da coerção. Segundo MÉNY e THOENIG (1989), existem quatro tipos de política pública: as políticas regulamentares, caracterizadas como uma acção pública consistindo a editar normas autoritárias afectando o comportamento dos seus destinatários; as políticas distributivas, caracterizadas como uma acção segundo a qual as autoridades públicas acordam uma autorização a casos particulares explicitamente designados; as políticas redistributivas que consistem em editar critérios que dão acesso a determinadas vantagens; finalmente, as políticas constitutivas que se traduzem pelo facto da acção pública definir regras sobre as regras existentes ou sobre o poder que elas conferem.

Uma das regras de ouro da análise é a de considerar uma política pública como um sistema de acção pública. Nesta perspectiva, o enfoque é colocado sobre a forma como uma autoridade pública trabalha ou aborda e trata uma substância, um conteúdo específico. Três conceitos são necessários para levar por diante esta tarefa: o do sistema de actores, o da actividade e o do processo.

A autoridade governamental constitui o actor central de uma política pública. Mas, ao mesmo tempo, ela não é o único interveniente, age em interdependência com outros actores: os organismos responsáveis por implementar as suas decisões, os eventuais destinatários das medidas, os grupos de interesse ou as demais instituições

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que exercem uma influência sobre a acção projectada ou em curso. Estas relações de interdependência estruturam, assim, um verdadeiro sistema que o analista deve identificar e cujo funcionamento deve compreender.

Uma política pública é um conjunto de actos e de não-actos. Não intervir, quando a situação é percebida por uma actor como significativa, representa uma forma possível de acção. No limite, algumas políticas públicas são passíveis de ser definidas como não-programas, ou seja, uma autoridade pública escolhe colocar-se fora do campo de acção. Por outro lado, a actividade do actor não se traduz unicamente por gestos concretos , materialmente identificáveis. As respostas podem ser, ao contrário, abstractas, simbólicas, relevando do universo dos sinais ou do discurso.

Finalmente, não é indispensável que uma actividade se apresente como uma mudança ou uma inovação relativamente às actividades precedentes para que ela seja retida como objecto pertinente da análise. Muitas decisões públicas caracterizam-se ao contrário pela rotina, por respostas repetitivas, pelo prolongamento dos mesmos objectivos, das mesmas decisões, dos mesmos instrumentos. O processo de uma política é, para o analista, o complemento indissociável da sua substância: processos e conteúdo constituem as duas faces da mesma moeda.

Em definitivo, a questão que se coloca ao analista é a da maneira de decompor o seu objecto de estudo em elementos empíricos mais finos, sem portanto perder de vista o conjunto da paisagem. Para autores como JONES, o processo pode ser analiticamente decomposto como uma sequência de actividades que vão desde a emergência até à conclusão, desde um problema até aos resultados (1970). A saber:

A identificação do problema

um problema é identificado pelo sistema político como merecedor de tratamento e é inscrito na agenda de uma autoridade pública;

A formulação de soluções

as respostas são estudadas, elaboradas, negociadas para estabelecer um caminho de acção para a autoridade pública;

A tomada de decisão o decisor governamental oficialmente habilitado escolhe uma solução particular que se transforma na política legítima;

A implementação do programa

uma política é aplicada e administrada no terreno pelas autoridades competentes;

A conclusão da acção

uma avaliação dos resultados intervém e conduz ao término da acção desenvolvida.

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Cada fase, cada uma das suas funções, caracteriza-se por actividades concretas particulares, ao seio da autoridade pública ou em torno dela. A cada fase está associado um sistema de acção específico, actores e relações, desafios e grupos.